domingo, 17 de agosto de 2025

Lei Magnitsky, o tiro no pé do imperialismo

 

Há ainda brasileiros que acreditam que a Lei Magnitsky dos EUA seja a favor da democracia e liberdade no mundo. Abra os olhos, patriota! Vamos usar discernimento e bom senso. Essa lei é outra legislação extraterritorial do império estadunidense, que visa submeter outros países a seus interesses. Leis que são usadas fora dos EUA, contra qualquer um, cidadão ou nação. O livro “A arapuca estadunidense: uma Lava Jato mundial” (F. Pierucci e M. Aron, Kotter Editorial, 2019) conta como uma dessas leis foi usada para que a General Electric engolisse a francesa Alstom, concorrente mundial na área de construção de usinas nucleares. Com suas leis desleais, os EUA distorcem, manipulam, ameaçam, chantageiam, espionam, torturam para favorecer seus interesses, econômicos ou geopolíticos, pelo mundo todo.

Não nos enganemos, os EUA não são a nação guardiã da democracia e da liberdade no mundo, que se arrogam ser. O “destino manifesto” faz os estadunidenses acreditarem que são predestinados a dominar o mundo, e azar daqueles que discordarem. As bombas de Hiroshima e Nagasaki – maior ato terrorista e genocida da História –, a imposição do dólar como moeda mundial, os golpes, as guerras, sanções e bloqueios impostos contra todos os governos insubmissos ao domínio do Tio Sam, o desvario atual de Trump, taxando inclusive países tidos como alinhados, mostram quem é a águia do Norte. Acuados ao perceber a decadência de seu império e a incontível tendência de multilateralismo no mundo, o antes hegemônico EUA desfaz-se da máscara de paladino da justiça, assume a nação guerreira e opressiva que sempre tentou disfarçar ser.

As punições via Lei Magnistiky de autoridades brasileiras – estas empenhadas em amenizar os efeitos do desgoverno que tentou desviar o Brasil para o autoritarismo, a submissão, o entreguismo e o negacionismo, desgoverno agora julgado pelos seus crimes contra a Constituição –, é outra mostra do desespero do império em decadência. Para tentar convencer que estão agindo em nome da democracia e da liberdade, os EUA contam com aliados de peso: a desinformação via mídias estadunidenses que eles impedem que sejam regulamentadas; os aliados entreguistas locais, cúmplices da rapinagem internacional; a ignorância negacionista imposta à população; o complexo de vira-lata de muitos brasileiros, que não conseguem enxergar o que significam as leis extraterritoriais como a Magnitisky. Traduzindo-as, elas querem dizer o seguinte: “Eu tenho poder militar, econômico e tecnológico, você não. Se você não me obedecer, eu tenho direito de usar meu poder contra você, da maneira que eu bem entender”.

As ações desesperadas do agonizante império hegemônico – não só as leis extraterritoriais, mas também as taxações, as guerras genocidas que patrocinam, os bloqueios e chantagens econômicas, o negacionismo com o aquecimento global e a emergência climática, a desfaçatez com as organizações, acordos e a diplomacia internacional – revelam, afinal, quem são os EUA. Caiu a máscara do império.

A população brasileira – e a mundial – está acordando para discernir quem é quem, e aprendendo a valorizar a soberania nacional, a verdadeira democracia e liberdade.

sábado, 9 de agosto de 2025

Caiu a máscara da hipocrisia

 Publicado no Jornal da Manhã em 12/08/2025.

Os EUA se arrogam ser a nação guardiã da democracia e da liberdade no mundo. Será? Vamos ver. Os EUA nasceram uma nação invasora. Foi assim que construiu seu território de oceano a oceano, tomando as terras do México. Isto depois de exterminar as nações indígenas, sob inspiração do “destino manifesto”, que faz o estadunidense acreditar que esteja predestinado a dominar o mundo. Foi assim durante a Segunda Guerra Mundial, quando esperou anos para engajar-se, agigantando suas indústrias de armas, enquanto Alemanha, Rússia, França, Itália e Inglaterra devastavam-se na Europa. Foi assim quando perpetrou o mais nefasto ato terrorista e genocida da História, as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Foi assim quando, terminada a guerra, único grande país que saiu com seu território ileso do conflito, submeteu todas as nações do mundo ao jugo do dólar. Foi assim quando invadiu Coréia, Vietnã, Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria e conspirou golpes no Irã, Chile, Argentina, Brasil, Venezuela, Guatemala, Ucrânia e tantos outros, a pretexto de deter o fantasma do comunismo. Foi assim quando, impedido de invadir, embargou Cuba, Venezuela, Irã, Coréia do Norte, Rússia. Está sendo assim quando patrocina o genocídio na Palestina, a guerra na Ucrânia, o ataque ao Irã.

Agora, com o crescimento da China e a ameaça à cambaleante hegemonia estadunidense, o enlouquecido Trump já não inventa subterfúgios para extravasar a ânsia de dominação do destino manifesto: quer submeter todas as nações do mundo, alinhadas ou não, ao que resta de poderio econômico dos EUA. Organizações internacionais, acordos, alianças já não têm nenhum préstimo. Antes, tinham o préstimo de ludibriar, de mascarar. Já não é necessário ludibriar: as garras da águia são expostas com o indisfarçável intuito de ameaçar e subjugar. É o caos mundial, a desordem intencional, que visa a dominação.

Não se trata só de tentar salvar a decadente supremacia econômica e militar estadunidense, através do comércio privilegiado, da usurpação de recursos naturais, dos embargos, chantagens e tramas comerciais. Também está em jogo a supremacia ideológica do neoliberalismo concentrador de riquezas, contra o socialismo distributivo. Com as tecnologias atuais de informação e desinformação, aprofundou-se a crença do fantasma comunismo ameaçando o planeta. Este tem sido o falso pretexto, agora desmascarado, para invadir o mundo. A guerra cognitiva imbeciliza o senso comum: transforma estadistas em ladrões; milicianos em mitos messiânicos; sistemas econômicos que protegem super-ricos e multiplicam a pobreza em ilusão de liberdade e prosperidade; sistemas que visam a equidade zelada por Estados fortalecidos em mordaças à livre iniciativa...

Adentramos a era da desinformação e da ignorância. A educação, com tantos recursos tecnológicos que poderiam estar nutrindo uma nova civilização, está sendo manipulada para fomentar a intolerância, o medo, o ódio, a idiotice, a violência, a subserviência, a desesperança. A força da renovação e transcendência parece bloqueada pela força do reacionarismo e do obscurantismo.

Talvez essa reação ao progresso da humanidade seja algo natural: toda grande mudança encontra rejeição por parte de muitos. Mas a sina é evoluir. Tem sido assim ao longo da evolução das espécies no planeta. A barbárie que ora prospera é o que vai separar o joio do trigo, e fazer nascer o ser humano lúcido, consciente das fragilidades de si mesmo, de seu próximo e da pródiga natureza.

A superação da hipocrisia, ainda que seja pela indisfarçada assunção da prepotência, pode ser o ponto de inflexão da evolução da humanidade.


sábado, 19 de julho de 2025

Elevador de Vila Velha, o retrocesso do bom senso

  

Em 2003 o Parque Estadual de Vila Velha – PEVV – passou por um minucioso processo de revitalização: a unidade de conservação foi então reconhecida na sua função de proteção integral da natureza, e muitos dos despautérios que antes lá eram cometidos foram corrigidos. Entre eles, o funcionamento do elevador na Furna 1, a maior do parque. O elevador só não foi retirado porque se alegou incapacidade técnica de fazê-lo sem provocar riscos ambientais ainda maiores do que manter o passivo ambiental. Um monstro a recordar uma época de total incompreensão da razão de ser do parque, a proteção ambiental, um local de singular patrimônio natural: os arenitos, as furnas, a Lagoa Dourada, a vegetação de campos e floresta com araucária, plantas e animais, alguns ameaçados ou endêmicos, como o cacto bola, a suçuarana, o lobo guará, os peixes nas águas do fundo das furnas e na lagoa.

Em 2003 compreendeu-se que, antes de ser uma atração para lazer e turismo, o PEVV é, pela sua excepcionalidade, um local de preservação, onde é possível aprender o funcionamento dos processos naturais na região, e compreender os serviços que a natureza nos presta, facultando o milagre da vida saudável. Vila Velha é para ser protegida, é lugar que deve ser tratado como santuário, laboratório de estudos e de Educação Ambiental, não como fonte de renda.

Em 2003 reconheceu-se o impacto do elevador: óleos lubrificantes derramados nas águas da furna, ruído, vibrações, dejetos. Tudo isso impacta os andorinhões, os peixes, as águas, a estabilidade do maciço rochoso. Reativar o elevador é o clímax do retrocesso desde 2003. O PEVV não é lugar para festivais, feiras, eventos esportivos, espetáculos. Lá é lugar para preservar, estudar, aprender, respeitar, reverenciar. Como vivem os andorinhões, qual seu papel ambiental? Como funciona a diferenciação dos peixes endêmicos isolados nas furnas? Como são as águas do Aquífero Furnas? Como são os arenitos, que em profundidade, longe dos olhos, podem ser reservatórios de água ou hidrocarbonetos? Quais são e como vivem os peixes da Lagoa Dourada e do Rio Guabiroba? Como funcionam os campos nativos e a floresta com araucária? Como os sistemas naturais da região ajudam a equilibrar o ciclo hidrológico, o controle de pragas, a polinização, a retenção de carbono, o clima? Como os processos intempéricos modificam e moldam os arenitos e sua função como aquífero?

Em 2003 compreendeu-se a razão de ser do PEVV: disciplinou-se a visitação, desativou-se o elevador. O erro foi não removê-lo definitivamente quando daquele laivo de bom senso. Desde então, os gestores do parque pouco a pouco vêm substituindo a função ambiental por uma predatória função de atrativo turístico. O PEVV não tem tido uma gestão ambiental; tem tido uma gestão financeira. A reativação do elevador é uma decisão que ignora o que seja uma unidade de conservação de proteção integral, quais suas funções. Falta o PEVV ter um comitê gestor adequado.

Lamentável! Com as singularidades naturais do PEVV poderíamos estar aprendendo com a natureza, que nos concede a vida. Entretanto, transformando-o num produto turístico, estamos violentando quem poderia nos ensinar.

terça-feira, 8 de julho de 2025

O deus dinheiro e seu vassalo, o mercado

 Publicado no Jornal da Manhã em 08/07/2025.

Muitos dizem que o capitalismo, que prioriza o lucro e desdenha a qualidade de vida humana, é o grande vilão do momento de crise que vive a humanidade. Lucro, qualidade de vida, crise: três conceitos que merecem reflexão.

Consideremos aqui “lucro” não a viabilização econômica de um empreendimento; este lucro é necessário. O lucro que vemos hoje é a incalculável concentração de renda por uns poucos, nunca saciados, que se locupletam explorando o trabalho de uma grande maioria que, à beira da pobreza, luta para suprir suas necessidades básicas. Este lucro deveria ser mais adequadamente chamado de esbulho: o roubo do fruto da força do trabalho.

“Qualidade de vida” é o bem-estar social e pessoal, com as necessidades básicas supridas – alimentação, saúde, moradia, ensino, trabalho, cultura, lazer, segurança... –, e não o luxo e a ostentação daqueles que precisam parecer vencedores perante seus próximos. E que têm que viver em moradias que parecem bunkers, andam em carros blindados, com guarda-costas, acumulam suas fortunas em contas secretas nos paraísos fiscais. Verdadeira qualidade de vida implica paz de espírito e paz no mundo, ética, solidariedade, esperança no porvir, alegria de viver.

“Crise” é a disfunção de algum sistema, seja ele orgânico ou não. A crise antecede o colapso; ela alerta para o mal funcionamento, antes que o sistema sofra falência total. Colapso é o caos resultante desta falência. Um desarranjo muitas vezes com características e alcance imprevisíveis. Atualmente vivemos muitas crises: ambiental, social, política, sanitária, bélica, econômica, educacional, de segurança, ética, religiosa... Os sinais são evidentes. Porém, entre enxergar um sintoma da crise e ser capaz de fazer algo para evitar o colapso adiante, há uma barreira inexplicável. Por que a humanidade não é capaz de reverter a crise climática que ameaça exterminar-nos? Por que não é capaz de distribuir a renda produzida pelo trabalho para acabar com a fome, a pobreza, a humilhação, a criminalidade, a descrença? Por que não é capaz de implementar um ensino que privilegie a tolerância, a solidariedade, o discernimento, o bom senso? Por que não é capaz de findar com as guerras? Por que não é capaz de usar a bênção das tecnologias para o diálogo honesto, a compreensão, o bem-estar, e não a desinformação e a manipulação? Por que os verdadeiros religiosos não conseguem mais transmitir os ensinamentos dos profetas, e as igrejas transformam-se em heréticos templos de devoção à prosperidade, ao domínio e ao logro?

Será o capitalismo o responsável por tantas crises, e pelo colapso vislumbrado à frente? Ou o capitalismo, com todas as crises que ele engloba, é ele mesmo só mais um resultado de arraigados instintos humanos? Desde sempre o ser humano tem sido agressivo e dominador. Muito antes do capitalismo. Mas antes não contávamos com as espetaculares fontes de energia, nem o conhecimento e as tecnologias que temos hoje. Elas só multiplicam o alcance da ambição, da agressividade, da dominação e do cego deslumbramento humanos. O capitalismo é mais um fruto desses infelizes atributos do “Homo sapiens”, que parece mais “demens” que “sapiens”. Fecha-se um ciclo vicioso: os instintos criam o capitalismo, o capitalismo acirra os instintos.

Vivemos a era em que o deus dinheiro e seu vassalo mercado conduzem a espécie humana para a autoextinção. Enxergaremos e mudaremos antes do colapso?

domingo, 29 de junho de 2025

Aterro Botuquara, o câncer de Ponta Grossa

 Publicado no Jornal da Manhã em 01/07/2025.

Os jornais de Ponta Grossa têm noticiado o imbróglio que envolve o encerramento do Aterro Botuquara, que recebeu o lixo da cidade por mais de meio século, e foi desativado em 2019. Quando o Botuquara foi instalado, no final dos anos 1960, as normas ambientais e os atributos naturais da região eram desconhecidos. Hoje se sabe, o local do aterro não poderia ter sido pior, do ponto de vista ambiental.

O Botuquara – agora uma montanha de lixo, um incômodo passivo ambiental – situa-se sobre os arenitos da Formação Furnas, um generoso aquífero, cada vez mais utilizado por indústrias, postos de serviços, hospitais, supermercados, granjas e outros empreendimentos de Ponta Grossa e região. O Aquífero Furnas tem potencial para amenizar as crises hídricas previstas para os tempos de emergência climática que adentramos. As normas atuais preconizam que as áreas de recarga dos aquíferos não sejam utilizadas para os aterros, pelo risco de contaminação dos mananciais subterrâneos. Por esse motivo, recentemente foi impedida a localização de novo aterro da empresa Ponta Grossa Ambiental, na região do Rio Verde, ela também situada sobre a área de recarga do aquífero.

Muito se discute a destinação da área do desativado Aterro Botuquara. Fala-se de plano de recuperação de área degradada, de termo de ajuste de conduta, em área de lazer, em um sistema de energia solar, em produção de bioenergia, em Ministério Público, em Secretaria Municipal de Meio Ambiente, em poluição das águas superficiais e subterrâneas pelo chorume do antigo aterro. Um imbróglio, aparentemente sem solução, ou com prováveis soluções para daqui décadas.

O Aterro Botuquara é como um câncer já diagnosticado, mas para o qual se rejeita tratamento. Ele pode tornar-se incurável e alastrar-se, se as águas do Aquífero Furnas forem contaminadas. Os aquíferos são fonte abundante de água de boa qualidade, e têm outras vantagens: dispensam tratamento e redes de distribuição, não dependem das desastrosas variações das chuvas, previstas para se acirrarem com as mudanças do clima que estamos provocando. Mas têm uma vulnerabilidade: não podem ser poluídos. Se o forem, sua recuperação é inviável. Por todos esses motivos, crescem em todo o mundo os cuidados para a proteção dos aquíferos.

Além de negligenciar o câncer diagnosticado, o poder público parece também querer impedir que se façam novos exames, para compreender o alcance das possíveis metástases: não é feito adequado monitoramento das lagoas de chorume, não são realizadas nem divulgadas análises da qualidade da água nos arroios próximos, nem de poços de monitoramento das águas subterrâneas.

Dadas as características locais, a melhor solução para o câncer Aterro Botuquara parece ser mesmo extirpá-lo. Transferir a montanha de lixo para um local sobre solos e rochas naturalmente impermeáveis, sem risco de contaminação de mananciais subterrâneos nem superficiais.

No município de Ponta Grossa há muitas áreas assim, onde afloram no terreno rochas argilosas impermeáveis da Formação Ponta Grossa.

sábado, 14 de junho de 2025

Analfabetismo funcional e cancelamento

 Publicado no Jornal da Manhã em 27/06/2025.

Surpreendi-me com a notícia divulgada em maio passado: 29% dos adultos no Brasil são analfabetos funcionais; 36% estão no nível elementar, são capazes de compreender textos simples e de tamanho médio; só 35% são considerados alfabetizados plenos. O estudo foi realizado por uma parceria de instituições, incluindo Unesco e Unicef. É sério e isento, e não uma peça de desinformação. Esses resultados são alarmantes. A realidade atual, com a comunicação digital, a inteligência artificial, a manipulação do comportamento usando a neurociência e recursos milionários, é muito complexa. Só a plena alfabetização tem chance de lançar alguma luz sobre tal complexa realidade. E não estamos preparados para tanto. Talvez esses dados expliquem por que se elegem tantos parlamentares vendilhões da pátria, entreguistas e a serviço de lobbies fisiológicos, e não estadistas de verdade.

Nestes tempos que vivemos, discernir é vital. A desinformação e o logro foram potencializados com o advento do mundo digital, das redes sociais e dos algoritmos da inteligência artificial. Eles, mais que libertar e emancipar o gênio humano, empenham-se em condicionar-nos para objetivos escusos: comprar, temer, alienar, imitar, mentir, fraudar, segregar, odiar... Os muitos apelos que nos chegam são perturbadores: se não soubermos triá-los, endoidamos. Ou, confusos, não conseguimos entender: consuma-se o analfabeto funcional.

Talvez o principal objetivo da manipulação da informação seja mesmo preservar a tirânica injustiça social, que divide em classes: a produção de riquezas pela força de trabalho seria suficiente para toda a população mundial ter vida digna e saudável. Entretanto, a maior parcela da humanidade vive em luta constante contra a fome, a pobreza e a humilhação, enquanto uns poucos locupletam-se, acumulam fortunas impensáveis.

Qual a relação entre analfabetismo funcional, cultura, cancelamento, injustiça social e colonialismo? Cultura vem com a alfabetização, vem com uma educação – formal ou informal – que seja inclusiva, crítica, que ensine a pensar e a criar, e não só a repetir, conformar e conservar. Sem ela, estaríamos ainda nas cavernas. Cultura é o cultivo do discernimento, da compreensão, da sensibilidade, da tolerância, da solidariedade. Sem diálogo lúcido e respeitoso, não há cultura. O cancelamento é a negação da cultura. A injustiça social, filha do narcisismo que quer destruir o diferente, é irmã do analfabetismo. Se a humanidade não for capaz de, com a cultura, superar a ignorância, está condenada à extinção. O colonialismo é só um resultado de todo desatino humano: países subjugando países, povos explorando povos, ricos explorando pobres, exércitos de pobres guerreando pelos ricos, alfabetizados iludindo analfabetos.

Escrevo regulamente crônicas, artigos e ensaios críticos. Textos que procuro fazer um apelo mais à razão que à emoção e aos preconceitos. Claro, sou humano. Apesar de tentar, não quer dizer que consiga dominar meus próprios arroubos emocionais e preconceituosos. Ademais, há muito compreendi o sentido do aforismo “A mentira desgasta relacionamentos; a verdade não, a verdade devasta!”. Procurar enxergar e dizer a verdade rompe relacionamentos. Afasta, inimiza, e, atualmente, cancela. Preferiria ser mais afeito a escrever textos que tocassem só os sentimentos. Eles não polemizam, parecem mais capazes de revelar e transformar que os pensamentos. Entretanto, o espontâneo e sincero impulso de refletir é parte da minha identidade. Negá-lo seria traí-la.

Recentemente, fui cancelado num grupo que se diz de cultura em Ponta Grossa. Motivo: postei um trecho do discurso do Presidente Lula agradecendo a homenagem da Academia Francesa. Ele lembrava os acadêmicos que só tem o primário e um curso técnico, mas tornou-se sindicalista, criou um partido e é presidente. O reconhecimento da Academia Francesa significa que é um ser humano singular, merecedor da rara homenagem. O discurso de Lula sugeria que a principal qualidade humana, a solidariedade, não depende da erudição: depende da escola da vida, e decerto também da índole de cada um.

A postagem do vídeo motivou minha exclusão do grupo de cultura. Ele não admite conteúdo político. Sinto que esta ideia de cultura também pode conduzir-nos à extinção.

terça-feira, 10 de junho de 2025

A arapuca estadunidense: uma Lava Jato mundial

 Publicado no Jornal da Manhã em 10/06/2025.

Esse é o título de livro de dois franceses (F. Pierucci e M. Aron, Kotter Editorial, 2019) que conta como uma lei dos EUA é usada para favorecer interesses desse país no mundo todo. Em 2018 essa lei, aplicada com distorções e ilegalidades, serviu para a General Electric estadunidense engolir a francesa Alstom, concorrente mundial na área de usinas nucleares. O título do livro não poderia ser mais acertado: trata-se de uma arapuca destinada a eliminar qualquer concorrente dos interesses dos EUA no mundo.

No Brasil, a operação Lava Jato começou em 2014, quando o País e suas empresas (Petrobrás, Odebrecht, Embraer, JBS e outras) prosperavam a ponto de provocar a punição dos EUA, país que não tolera concorrentes: elimina-os. Não eram só as empresas brasileiras, era o Brasil se tornando uma próspera potência. Os dirigentes da Lava Jato foram treinados pelos serviços de inteligência dos EUA. Depois das denúncias da Vaza Jato – que em 2019 revelou as falcatruas da operação e anulou-a – Sérgio Moro, seu principal agente, tornou-se sócio da empresa Alvarez & Marsal nos EUA, dedicada a explorar os despojos das empresas brasileiras. A Lava Jato não foi operação destinada a combater a corrupção, como se propagandeava. Foi destinada a sangrar empresas brasileiras e a perpetrar os golpes políticos que seguiram, e frearam a caminhada do Brasil rumo à plena democracia e à soberania.

Agora (2025), o governo Trump dos EUA ameaça a aplicação das leis extraterritoriais – valem no mundo todo – para além da economia. Ele quer penalizar autoridades de países – sobretudo na América Latina – que “trabalhem para restringir os direitos de cidadãos estadunidenses”. No caso, as autoridades são ministros do STF – Alexandre de Moraes e outros –, e os direitos dos cidadãos estadunidenses são postagens nas plataformas digitais e redes sociais do Tio Sam que disseminam ilegalidades, como a desinformação, discursos de ódio e de ataque às instituições e à democracia. Ou seja, Tio Sam já não tem mais vergonha de escancarar seu empenho em submeter os países que ousam tentar ser soberanos. Quer subjugá-los como eternas colônias. As ilegalidades que a regulamentação da internet tenta banir são uma ameaça para a estabilidade política e econômica do Brasil. E representam uma poderosa arma da guerra cognitiva que faz os brasileiros elegerem, numa aparente democracia, lobos travestidos de cordeiros para cuidar do rebanho.

A guerra cognitiva usa armas que idiotizam o ser humano. Ela emprega tecnologias avançadas, entre elas a comunicação digital, embasada na neurociência e na manipulação do comportamento humano. O condicionamento para comportamentos insólitos, tal como acreditar que fisiologismo, clientelismo, oportunismo e entreguismo sejam predicados de um bom homem público, é perpetrado pela guerra cognitiva. E ela é tanto mais eficaz quanto mais frágil for a capacidade de refletir, discernir e engajar-se da população.

Precarização da educação, analfabetismo funcional, guerra cognitiva, desregulamentação da internet, sabotagem à soberania e prosperidade do Brasil são temas intimamente ligados.