domingo, 14 de dezembro de 2025

Água mole pedra dura...

 

O ditado popular diz “água mole pedra dura, tanto bate até que fura”. Este adágio pode ter vários significados, vamos ver alguns deles.

O portal Pauta Ambiental do Curso de Jornalismo da UEPG (ver em https://www2.uepg.br/pauta-ambiental/ponta-grossa-ambiental-entra-com-novo-pedido-para-construcao-de-aterro-sanitario-em-area-da-escarpa-devoniana/) revela que a empresa Ponta Grossa Ambiental tem intenção de retomar o projeto de construção de aterro sanitário na margem direita do Rio Verde, próximo à Fazenda Escola da UEPG. É a insistência em projeto apresentado em 2009, que foi barrado por irregularidades e injustificadas agressões ambientais. Em 2016 a PGA e seu presidente chegaram a ser condenados por crime ambiental pela 1ª Vara Federal de Ponta Grossa. Impedida de fazer o aterro em Ponta Grossa, a PGA construiu e atualmente opera o CTR Vila Velha, no vizinho município de Teixeira Soares, bem próximo de Ponta Grossa.

As inadequações do pretendido aterro nas margens do Rio Verde são muitas. Começam por falhas no projeto original, que omite a presença no local de nascentes e veredas, áreas de proteção permanente protegidas por lei. Ademais, o terreno do projeto está dentro da Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana, na influência do Parque Nacional dos Campos Gerais e dos mananciais hídricos da cidade.

A insistência da PGA em viabilizar o projeto que já foi condenado é a teimosia dos empreendedores que não cedem aos argumentos legais, técnicos e ambientais que interditaram seu intento. É a obstinação da ânsia de fartos lucros que quer suplantar a sensatez, mais do que a perseverança da “água mole” a desagregar o rochedo. No caso, a “pedra dura” é a lei, a cautela ambiental, que empreendedores desdenham.

Mas o principal motivo que condena a localização do pretendido projeto da PGA nas margens do Rio Verde remete a um dos principais dilemas que já começamos a viver na época da emergência climática: o abastecimento de água. Estudos de 2010 já mostravam que os poços tubulares profundos, denominados “poços artesianos”, abasteciam de água do Aquífero Furnas indústrias, hospitais, postos de serviços automotivos, supermercados, granjas, escolas e outros empreendimentos em Ponta Grossa. A área que recarrega o Aquífero Furnas é justamente a área a leste da cidade, onde a PGA quer construir seu projeto. Toda legislação ambiental e normas técnicas relacionadas à implantação de aterros preconiza que tais áreas são proibitivas.

O Aquífero Furnas é muito especial, produz água de boa qualidade e em quantidade. Nele, a água mole, perseverando ao longo de milhões de anos, dissolveu alguns minerais constituintes e criou vazios subterrâneos que, na superfície, vemos na forma de furnas, túneis e outras feições, como no Buraco do Padre. A pedra dura furou. Se por um lado este atributo qualifica o aquífero, por outro o fragiliza. Ele é mais vulnerável à contaminação, que condenaria definitivamente o manancial subterrâneo.

A emergência climática agrava os riscos de crises hídricas. A água subterrânea evita esse risco. Ela é farta, de boa qualidade, prescinde de redes de distribuição, não depende das imprevisíveis chuvas. É um manancial estratégico.

Colocar em risco o Aquífero Furnas é um crime contra uma fonte com uso crescente. É incúria com o ambiente e desfaçatez com a população da cidade.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O povo nas ruas

 Publicado no Jornal da Manhã em 02/12/2025

Uma vibrante multidão de mais de trezentas mil pessoas nas ruas centrais do Rio, vestida dominantemente de vermelho, excedendo-se nas manifestações. Não, não eram progressistas, comemorando a isenção do imposto, o aumento do salário mínimo ou os bons resultados na economia, nem se revoltando contra os PL’s da devastação e da bandidagem, contra a PEC da blindagem ou contra a militarização das escolas. Eram os rubro-negros flamenguistas comemorando mais um título da Libertadores. Aliás, num jogo de dar vergonha pelo baixo nível técnico, cheio de chutões, infrações e muita falta de talento e criatividade. Admirável no jogo foi mesmo só o belíssimo gol de Danilo, que lembrou o Dadá Maravilha, apelidado “beija-flor” porque diziam que voava e pairava no ar para os cabeceios fatais para o adversário. A meu ver, Danilo também protagonizou o duelo mais relevante da finalíssima, anulando o atacante Vitor Roque do Palmeiras.

O mundo futebolístico inteiro deve ter assistido à final sul-americana. Sinceramente, deve ter ficado decepcionado. Não se viu nem sombra do que têm jogado os melhores times europeus. Apesar de tanto Flamengo quanto Palmeiras terem em seus elencos muitos estrangeiros garimpados em todo o continente. Nosso futebol carece de credibilidade para preservar por aqui os melhores, que sempre se bandeiam para a Europa ou outros destinos milionários.

Mas talvez o mais chocante seja mesmo a impressão que, no Brasil, o que mobiliza a população é o futebol. Tudo bem, se o povo não estivesse seguindo as máximas de que só lhe interessa o pão e o circo, ou, como dizem outros, religião e futebol são o ópio do povo. Por que motivo multidões não vão às ruas comemorar o pleno emprego, o aumento da massa salarial, a redução do IR para os pobres, a expansão dos programas sociais, os bons resultados da economia, a credibilidade do país nas tratativas internacionais? Ou não vão protestar contra o crime organizado enraizado nos governos, nos bancos, na administração pública e em políticos seus comparsas?

O Brasil venceu o complexo de vira-lata em 1958, na Suécia. Até então, carregava a calamidade da derrota para o Uruguai em 1950. O futebol nos resgatou. Mas desde o tricampeonato, em 1970, as coisas mudaram muito. Os adoradores do deus dinheiro perceberam a galinha dos ovos de ouro. E os brasileiros ainda não sabem lidar com virtuosismo quando o assunto é dinheiro. No “país do futebol”, fomos ficando para trás.

Mas, se tem nos faltado conseguir manter por aqui os melhores craques, mais ainda tem nos faltado mobilizar o povo para lutar pelos atributos que nos expurguem em definitivo o complexo de vira-lata. O povo não vai às ruas pela sua dignidade, identidade, direitos e liberdade com o mesmo ímpeto com o qual comemora um título obtido numa partida do nível dos jogos de segunda divisão dos campeonatos europeus. 

A desmobilização para a defesa de questões essenciais tem seus motivos: a mídia corporativa é incansável em enviesar, ocultar e mentir; a educação é concebida para criar comandados, e não críticos; a desigualdade social parece intransponível; o histórico de escravagismo, colonialismo e genocídio dos nativos ainda está impregnado na cultura...

O complexo de vira-lata vai ser superado quando o povo, lúcido, for às ruas para reivindicar e celebrar sua plena emancipação.

domingo, 23 de novembro de 2025

Matem o mensageiro

 Publicado no Jornal da Manhã em 25/11/2025.

 

Matem o mensageiro (em inglês Kill the messenger) é o nome do filme estadunidense de 2014 dirigido pelo independente Michael Cuesta, baseado no livro homônimo de Nick Schou e no livro Dark alliance, de Gary Webb. É um daqueles poucos mas essenciais filmes hollywoodianos que não cultivam a ilusão de um glamoroso e honrado EUA. Pelo contrário, denunciam as entranhas corrompidas e enfermiças do império que quer posar de paladino da liberdade, da democracia e da virtude.

Matem o mensageiro revela as conexões da CIA com o narcotráfico durante a década de 1980, denunciadas por série de artigos escritos pelo jornalista investigativo Gary Webb, publicada em influentes jornais dos EUA sob o título de Dark Alliance (Aliança sombria). Segundo os artigos, os livros e o filme, a CIA vendeu para minorias marginalizadas dentro dos EUA a cocaína obtida de narcotraficantes, e usou os recursos auferidos para financiar os Contras da Nicarágua, grupo armado empenhado na derrubada do governo popular de reconstrução nacional, de tendência socialista. Ou seja, a CIA atuou a favor de terroristas – os Contras –, em oposição a um governo de libertação nacional que livrara o país de um ditador pró-EUA (Anastasio Somoza). Os contras foram financiados pelo dinheiro da cocaína – transformada em crack – vendida para populações segregadas, indesejadas pela supremacia branca, dentro dos próprios EUA. Muito estranhamente, o jornalista Gary Webb foi encontrado morto em sua residência em 2004, com dois tiros na cabeça. A causa da morte alegada foi suicídio, uma inexplicável contradição.

Há outros episódios que ganharam notoriedade e chegaram às telas cinematográficas, revelando as relações da CIA com o narcotráfico. Um deles é o Feito na América (American made), de 2017, dirigido por Doug Liman e estrelado por Tom Cruise. O filme é baseado na vida real do piloto e traficante de drogas e armas Barry Seal, nos mesmos anos 1980, cooptado pela CIA para funcionar como agente duplo, envolvendo o Cartel de Medellin. O piloto também acabou assassinado, supostamente por membros do cartel colombiano.

Esses dois filmes baseados na realidade são só uma pequena mostra do que os EUA e suas agências de segurança são capazes de fazer, para submeter governos e oportunidades econômicas aos seus interesses. Neste caso, aliando-se a narcotraficantes e traficantes de armas. Noutros, apoiando golpes, deflagrando revoluções, arapongando e sabotando governos, promovendo guerras tarifárias, jurídicas, cognitivas, híbridas ou armadas.

As atrocidades estadunidenses para proteger seus interesses e sua ideologia sempre vêm travestidas: ou é o combate ao comunismo, ou à corrupção, ou ao terrorismo, e agora ao “narcoterrorismo”. O país mancomunado com narcotraficantes e com tiranos como Bin Laden, Saddam Hussein e o Talibã agora posa de inocente, com o objetivo de dar pretexto à intromissão armada na América do Sul. Infelizmente, parece que as artimanhas do Tio Sam conseguem iludir boa parte da população lograda: o comunismo ainda é visto como um fantasma mundial, a corrupção parece só existir fora dos EUA, narcotraficantes são os latino-americanos.

Neste caso, o rei não está nu. Mas suas luxuosas máscaras exalam forte mau cheiro.

sábado, 1 de novembro de 2025

Diálogos celestiais II *

 

O Criador notava que seu obsequioso ordenança não tirava os olhos de um pontinho luminoso no universo, perdido no meio daqueles incontáveis astros materializados no grande cenário de plasma quântico que embebia toda a sala de controle celestial:

─ Pedro, já passou da hora do expediente, e você ainda aí? O que tá te incomodando tanto, amigo?

─ Ah, Mestre! É ainda aquele planeta que é uma das joias de nossa criação.

─ Sei! Você tá falando da Terra, né?

─ Ela mesmo! Não consigo me conformar!

─ Diga lá! Desta vez o que o aperreia, homem de Deus?

─ Como isso é possível? Tem visto o que anda acontecendo por lá? É muita insanidade!

─ Ué, mas não tínhamos previsto tudo isso?

─ Não, não! Livre arbítrio é uma coisa, mas estultícia é outra!

─ Calma, Pedro. O que é que faz você pensar que o livre arbítrio tá virando estultícia?

─ Caprichamos como nunca na feitura daquele planeta, lembra? A distância certa de um Sol benfazejo, atmosfera protetora, mares imensos cheios de vida, ventos que sopram a água e fertilizam os continentes, florestas com uma biodiversidade inigualável, dias e noites, verões e invernos, períodos glaciais e interglaciais que fazem tudo renascer e renovar... E o que fazem aquelas almas alucinadas, que pensam que são a espécie mais evoluída? São uns bárbaros, tão ameaçando colocar tudo isso a perder!

─ Ué, não era bem esse nosso intento? Conceder-lhes o paraíso pra ver se teriam juízo pra cuidar dele?

─ Pois é! Não concedemos só o paraíso. Concedemos também a engenhosidade. Têm inteligência pra criar. Mas parece que têm feito com a benesse da inteligência o mesmo desatino que têm feito com as bênçãos da natureza do planeta.

─ Você não tá sendo muito injusto e precipitado no seu julgamento, Pedro?

─ Tomara que eu esteja, Mestre! Que seja só impaciência, ansiedade minha.

─ No passado você já andou deprimido com os despautérios das almas que enviamos pra Terra. Mas lembro que superamos isso. O que acontece agora que você teve essa recaída de incredulidade?

─ Ah, Mestre. Acho que as mesmas coisas de antes, só que mais descaradas e críticas: a mentira alastrada com ajuda de ciência, tecnologia e muita malícia; aquele seu filho martirizado, enviado pra lá em missão de salvação, agora transformado em profeta da prosperidade, da dominação e do ódio; os governos sendo dominados por corporações que tudo precificam; o dinheiro sendo mais endeusado que tudo aquilo que criamos lá; a pobreza disseminada e a riqueza concentrada... É muita coisa! Até o futebol, o esporte que parava o planeta inteiro, tá dominado por apostas que compram jogadores, juízes e resultados. E um prêmio antes muito conceituado, um tal de Nobel da Paz, vem sendo concedido a promotores e promotoras da guerra, do caos e do ódio. Tudo passou a ser disputa com fim ideológico e de dominação. Esqueceram o que é ética e solidariedade.

─ Pedro, insisto! É errando que se aprende. Eles dizem lá que escrevemos certo por linhas tortas. Um jeito deles não quererem reconhecer os próprios erros. Mas, com o tempo, têm aprendido.

─ Verdade! Não tem como não ver que, digamos, de 500 anos atrás até hoje, a sociedade melhorou. Mas antes não tinham bombas atômicas, satélites armados... Mestre, sabia que nossos concorrentes lá nos quintos dos buracos negros do universo tão com uma maciça campanha publicitária? Convencem o povo da Terra que democracia quer dizer o mando do demo, e não o mando do povo. E o povo engole isso! Pode ser?

─ Calma Pedro! Muita calma! Já disse, você esqueceu. É assim mesmo que funciona a evolução. Se não souberem usar com bom senso as graças que receberam ─ o planeta Terra e a engenhosidade ─ vão acabar destruindo a natureza e a si mesmos.

─ Mestre, por isso meu desespero! Que desperdício! Um planeta e uma espécie tão promissores!

─ A evolução funciona assim, não esqueça. Se promoverem o autoextermínio, o planeta vai se recuperar. E vai aparecer outra espécie, que talvez tenha mais sensatez.


Ver neste blog as crônicas “Diálogos celestiais” (29/01/2022) e “Diálogos infernais” (19/07/2022).

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A nova ordem mundial

 Publicado no Jornal da Manhã em 25/10/2025.

O livro “A conspiração Lava Jato – o jogo político que comprometeu o futuro do país” (Editora Contracorrente, 2024), de autoria do jornalista Luís Nassif, esmiúça a nova realidade avassaladora, mas que ainda hesitamos enxergar: o efeito da denominada “nova ordem mundial” no Brasil.

Muito se tem debatido sobre a “nova ordem mundial”, há vários livros a respeito. Para Luís Nassif, a Operação Lava Jato foi o instrumento para submeter o Brasil – um país então com um governo independente e que acabara de descobrir o petróleo do pré-sal – aos ditames do novo arranjo, que já se iniciara mundo afora com as “revoluções coloridas”, como a “primavera árabe” e o “euromaiden” ucraniano. Países com tendências nacionalistas e com o sonho de independência e soberania não podiam escapar ao arranjo que tem a pretensão de ser um império hegemônico. Sobretudo o Brasil, um país continental, com um significado geopolítico estratégico no chamado Sul Global. Desde a arapongagem de governos e governantes, a reativação da 4ª Frota dos EUA, o roubo de computadores com dados sigilosos da Petrobras, o aliciamento dos procuradores e juízes da Lava Jato, as mentiras e demonizações da mídia corporativa, finalizando com os golpes que levaram à eleição de um governo servil, tudo foi minuciosamente planejado e executado para atingir o objetivo: subjugar o Brasil, desiludi-lo do sonho de liberdade, grandeza, soberania e justiça social.

Na “nova ordem mundial” – resultado inevitável de séculos de capitalismo e de décadas de neoliberalismo – o conceito de Estado soberano não é admitido. Ele é substituído pelo interesse das corporações mundiais, que controlam tudo o que há de essencial: alimentos, medicamentos, energia, comunicações, indústria da guerra... As corporações, e os governos já por elas completamente aparelhados, usam qualquer meio para submeter os governos que não aceitem seu domínio: desde as lawfares – as guerras jurídicas das quais a Lava Jato é um exemplo – até os bloqueios, chantagens e taxações econômicos, chegando às guerras de fato, como na Coréia, Vietnã, Somália, Iraque, Líbia, Afeganistão, Líbano, Síria, Ucrânia, Palestina e tantas outras.

Supor que o mercado e as corporações possam equilibrar a sociedade é uma ideia que os sociólogos sensatos dizem ser absurda. É como jogar uma matilha de lobos famintos no pasto de ovelhas e deixar que se virem. Os lobos vão, depois de devoradas as ovelhas, acabar por canibalizar-se a si mesmos e a destruir o pasto.

O livro de Luís Nassif dedica um capítulo inteiro a discutir a psicologia de massas de Freud: é ela, agora com os recursos das tecnologias de comunicação, desinformação e manipulação, que mantém as ovelhas submissas, conformadas com o destino de serem pasto para os lobos. Ou pior, aliando-as aos lobos, na crença que serão poupadas, ou até que poderão virar lobos.

Na “nova ordem mundial” destaca-se a China, e seu espantoso crescimento. Seria ela o símbolo do sucesso do novo arranjo? Ou, ao contrário, mostra que o caminho da independência e soberania alcança sucesso? Pela sua grandeza, história e opções políticas, a China é um caso ainda a ser compreendido. Curiosamente, a mídia ocidental diz que o governo da China é ditatorial. Mas então é uma ditadura que funciona! Pois a qualidade de vida de toda aquela imensa população só melhora! Ou, na China, um Estado forte e soberano está sabendo controlar a sanha insaciável da ambição que é alimentada pelo neoliberalismo e suas corporações? Os chineses aprenderam como fazer os lobos e ovelhas conviverem com respeito e em paz?

O Brasil, um país que reúne predicados para ser uma grande nação, é uma das maiores vítimas da “nova ordem mundial”. Estamos sob ataque.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Lago de Olarias - desassorear é enxugar gelo

 

A Prefeitura de Ponta Grossa anuncia o desassoreamento do Lago de Olarias, e o faz como se fosse um trabalho de prevenção, e não o conserto de um erro. Que disparate! O assoreamento visto no lago é prova de um erro, cometido quando da inauguração do Parque do Lago de Olarias sem a adequação da bacia de captação. E este erro não é só quanto à erosão de solos expostos, fonte dos sedimentos que assoreiam o lago. É também quanto à indevida captação de esgotos na rede pluvial, destinada a recolher as águas das chuvas, erroneamente descarregadas no lago.

Inaugurar com estardalhaço um parque municipal que toda a população vê é uma coisa. Planejar corretamente o uso da bacia de captação, evitando a erosão do solo e o desvio de esgotos, medidas que os olhos não veem, é outra coisa. Os olhos não veem o erro de planejamento, mas enxergam suas consequências: no assoreamento do lago e na poluição das águas dos arroios que o alimentam.

Desassorear é um serviço caro para os cofres públicos. E, acabado o serviço, já está em curso o processo de voltar a assorear, se não se evitar a erosão dos solos na bacia de captação. E se não for feita a varrição das ruas e a eficiente coleta de lixo. Desassorear sem cuidar da bacia de captação é como enxugar gelo. Mas as empresas contratadas para o serviço devem agradecer muito que os arranjos sejam feitos assim. Já o munícipe contribuinte, continua pagando seus crescentes impostos.

Como evitar o assoreamento? Os sedimentos depositados no lago provêm da erosão de solos expostos na bacia de captação. Nas áreas urbanas, a exposição de solos resulta das muitas obras: edificações, vias, dutos, loteamentos, etc. Há várias razões para evitar a erosão: descontrole de feições erosivas, entupimento de dutos pluviais, assoreamento de canais fluviais e lagos a jusante. Por esse motivo, os municípios precisam ter legislação eficaz que evite a exposição dos solos à erosão. E fiscalização/sanções igualmente eficazes. Caso contrário, após um trabalho de desassoreamento logo o lago voltará a ficar assoreado.

A questão da poluição por esgotos é outra que não tem sido seriamente abordada. As cabeceiras da bacia de captação do Lago de Olarias alcançam a região central da cidade. Bicentenária como é Ponta Grossa, por mais que serviços recentes tenham implantado ampla rede de captação de esgotos, muitas vezes ligações antigas, até desconhecidas, continuam despejando nas redes de captação de águas das chuvas, que vão parar no lago. Seria necessário um minucioso, longo e complicado trabalho de verificação e correção. Um serviço demorado, importuno, invisível para o público em geral. Mas um serviço que significaria entender o que seja de fato sustentabilidade.

Melhor seria que os recursos públicos fossem empenhados na adequação da bacia de captação, da legislação municipal e na formação de equipes capazes de aplicar a lei. O desassoreamento agora é sim necessário. Mas é o conserto de um erro, cometido antes. Que ele sirva para se aprender a não mais cometê-lo.

domingo, 5 de outubro de 2025

O prazo de validade da Terra

 

“Prazo de validade” e “vida útil” são conceitos que se complementam e se confundem. Costumamos ver o prazo de validade mostrado, muito acertadamente, para itens como alimentos, bebidas, remédios... Já vida útil é menos óbvio e mostrado. Está embutido em tudo, na escova de dentes, na lâmpada, no pneu e amortecedor do veículo, no celular...

Visto que tudo se transforma e acaba por distanciar-se da adequação à função inicialmente prevista, estes conceitos têm lá sua justificativa. Mas precisamos ter cuidado com eles, já que podem nos enganar. Se o prazo de validade de um medicamento for subestimado, podemos acabar descartando um remédio ainda ativo. Por outro lado, se for superestimado podemos acabar confiando num remédio que já não funciona. Há que ter muito critério e honestidade para determinar o prazo que mais dê segurança e economia ao usuário. Negligência ou desonestidade podem desperdiçar o remédio ou agravar a doença.

Quanto à vida útil, mais fatores influenciam. O sistema econômico que vivemos impõe que a vida útil dos bens, sejam escovas de dentes, lâmpadas, automóveis ou celulares, seja curta. “Senão ─ dizem ─ o consumo cai, a fábrica vai à falência, o desemprego provocaria agudas crises sociais”. O que é uma inverdade, há vários setores carentes da sociedade ─ tais como saúde, educação, cultura, lazer, justiça... ─ que poderiam absorver trabalhadores. Bens que poderiam durar anos são feitos para durar meses. Ou, como na moda, que muda todo ano, poderosas campanhas midiáticas induzem o consumidor a comprar um bem para substituir um outro ainda em ótimas condições de uso, mas transformado em “ultrapassado”.

Ampliando mais a ideia, os conceitos de prazo de validade e vida útil aplicam-se também ao ser humano. A “expectativa de vida”, variável usada, por exemplo, para definir a idade mínima para a aposentadoria, parece corresponder ao prazo de validade dos bens materiais. A saúde do organismo e dos órgãos que o mantêm funcionando parece corresponder à vida útil das coisas. Há alguma correspondência entre os bens que consumimos e o nosso próprio ser. Para o ser humano, entretanto, as implicações são outras, muito mais complexas. É de se esperar que não se descartem pessoas que já não funcionam como quando eram jovens. Nem que se as obrigue a terem bom desempenho por tempo indeterminado. Mas estes são princípios éticos, muitas vezes esquecidos.

A manipulação do prazo de validade e da vida útil visando o aumento do consumo tem muitas vítimas. Uma delas é o planeta Terra. Neste ano de 2025, o “dia da sobrecarta da Terra” ─ ou “dia da pegada ecológica” ─ está sendo calculado para 24 de julho. Ou seja, tudo o que o planeta pode produzir de recursos naturais ao longo de todo este ano, até o dia 31 de dezembro, já foi consumido pela humanidade até o dia 24 de julho. Desde então, ultrapassamos o prazo de validade, ou a vida útil do planeta.

A vida útil do planeta encurta a cada ano, resultado da insana sociedade consumista e desperdiçadora que vivemos. É bom lembrar: a falência dos sistemas naturais vai afetar toda a humanidade, independente de país, raça, credo ou classe social.

Refletir sobre o consumismo que vivemos é como administrar o orçamento para não criarmos um débito impagável. A humanidade está trazendo para o presente o prazo de validade do planeta Terra, que deveria estar milênios no futuro.