segunda-feira, 25 de maio de 2020

Projeto de Brasil – ditadura ou guerra civil?

Publicado no Jornal da Manhã em 27/05/2020.

A divulgação na sexta-feira 22/05 da (quase) íntegra da reunião ministerial de 22/04 tem provocado muita discussão, muita revolta e também algum apoio. Muitos se têm declarado assombrados com o baixo nível da reunião, o vocabulário chulo incompatível com supostos estadistas, as frases quase ininteligíveis por faltar-lhes a articulação adequada para a expressão de ideias e proposições. E muitos ainda manifestam enorme preocupação com o possível vazamento dos trechos censurados pelo STF, pois eles colocariam em risco as relações econômicas e diplomáticas com nosso principal parceiro comercial, a China.
Vendo o conteúdo daquela emblemática reunião ministerial, também me assombrei com tudo que vi lá. Mas o que mais me estarreceu foi o que se pode extrair de nosso desgoverno, na fala de seu presidente, acerca de projetos para o Brasil. Além do aparelhamento do Estado visando atender interesses de sua família, o único projeto de país que se pode depreender da fala do presidente é:
─ Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais... (ver em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/22/confira-a-integra-da-degravacao-da-reuniao-ministerial-de-22-de-abril.htm?cmpid=copiaecola).
No meu entender, nessa frase seu autor afirma que não quer uma ditadura, quer uma guerra civil! Na qual milícias civis sejam o braço armado do poder, e não as forças legalmente constituídas para tanto, as polícias e as forças armadas. A frase é um insulto à capacidade das forças armadas.
Muitos têm diagnosticado que nosso presidente é um psicopata, quadro que tem como característica a incapacidade de enxergar além de si mesmo, de seus devaneios e loucuras. Ao atacar os outros poderes do Estado, Judiciário e Legislativo, o presidente mostra sua incompreensão com o que significa o sistema de governo da nação cujo cargo de mandatário assumiu: República. Nela a existência de três poderes tem justamente a finalidade de ponderar os desmandos que possam alastrar-se em um deles, se isso acontecer os outros têm a função de moderá-lo, evitando totalitarismos.
Temos um psicopata eleito presidente da República? Tudo tem indicado que sim. Autoritarismo, incapacidade de diálogo e de negociações, negacionismo escancarado no combate ao COVID-19 e ao desmatamento da Amazônia, armamentismo e milicianismo, destemperos com parceiros comerciais e, ao mesmo tempo, incondicional subordinação ao ainda mais ensandecido presidente dos EUA, indicam a personalidade doentia do presidente eleito.
E como é possível que um país como o Brasil, com tanto potencial, tenha eleito tal personalidade? Isso é algo para ainda discutirmos muito até entender bem. Alguns fatores já conhecemos: o papel da grande mídia demonizando setores de nosso universo político; a atuação criminosa das milícias digitais (quer dizer Cambridge Analytica); a barulhenta e agressiva fração da população que se identifica com a psicose do presidente eleito; a tibieza do Judiciário e do Legislativo; a ausência de real sentido de nacionalismo e soberania nas forças armadas; a falta de clareza e a omissão de boa parte da população...
São muitos fatores. Devemos pensar neles e agir. Logo. Se não quisermos a guerra civil nem a ditadura.

sábado, 16 de maio de 2020

Somos ogros ou gente?



Ogros (ou orcs, morlocks) são aqueles seres míticos imemoriais, que desde as mais antigas culturas têm encarnado os monstros sombrios que emergem das profundezas. Funduras da Terra? Do subconsciente? Da alma? Este tema há muito tem sido um prato cheio para os antropólogos e psicanalistas.
Já foi dito, um país é feito de seu povo. Como isto é verdade no Brasil! O gigante continental com riquíssimos recursos naturais, deitado eternamente em berço esplêndido. Deve estar a lhe faltar o povo que o faça despertar. Neste instante próximo do clímax da pandemia do COVID-19, somos motivo de escárnio e de aguda preocupação em todo o mundo: os esforços de enfrentamento e de contenção do vírus, que são de todos os países, veem-se ameaçados pela insensatez que emana do que se faz por aqui. Arriscamos continuar propagadores do vírus para o resto do mundo, a despeito das medidas sérias e bem sucedidas de erradicação que tenham tomado por lá. Hoje já somos os principais transmissores para o Paraguai, a Colômbia e outros vizinhos sul-americanos menos ensandecidos.
A insanidade dentro do nosso território tem ares de festim diabólico, que dá vida aos ogros. Os números de contaminados e mortos só fazem crescer, mas uma parte da população teima nas manifestações ruidosas, agressivas, contagiosas, de apoio a uma liderança que ameaça endurecer as regras rumo ao totalitarismo. Quem são essas gentes unha e carne com o líder mitificado sem rumo, que elegeram e defendem como uma matilha a remedar seu agressivo alfa?
Há quem compare as gentes que têm se aglomerado semanalmente vestidos de verde e amarelo para proferir insultos contra todos que discordam, agredir jornalistas, profissionais de saúde, funcionários públicos, professores, artistas, com os ogros monstruosos desenterrados dos subterrâneos. Onde sempre estiveram, à espera do momento de descuido para revelar-se e vir subjugar as gentes simples a quem ainda resta um laivo de consciência, de humanidade, de dúvida. Para os ogros não resta dúvida. Estão certos da sua verdade, ainda que ela contradiga a ciência e os cientistas, os organismos mundiais de saúde, a experiência de outros países, os dados crescentes de contaminados e mortos entre nós, os alertas de desapaixonados e experimentados profissionais aqui dentro de nosso país.
Os ogros emergiram das trevas, libertaram-se das amarras do frágil contrato social que nos dá ares de civilizados. Estão à vontade para dar vazão à bestialidade antes reprimida, mas que existe latente em todo ser humano. Mas onde andam as pessoas que têm logrado resistir à irrupção do ogro, cuja civilidade ainda domina a tentação de entregar-se à bestialidade? Estão assustadas e confinadas? Estão confusas? Seria enfim preferível extravasar o ogro adormecido dentro de cada um de nós? Estará certo o líder da potência armada que não reluta em destruir ou sufocar economicamente os países que se negam a submeter-se ao seu projeto de hegemonia mundial? O lema de Tio Sam é “nós primeiro”, um bordão sinistro de destrutivo egocentrismo e furiosa competitividade que contraria a solidariedade imprescindível para a sobrevivência e o progresso da humanidade. Bordão copiado por nosso inqualificável presidente e seu governo.
O Brasil está voltando a ser o quintal explorado do tempo de colônia. As gentes não ogros que porventura ainda restem por aqui estão estarrecidas. Urge superar a indecisão, a imobilidade, a frouxidão. Talvez o país nunca antes tenha tido tanta precisão do brio de sua gente.

domingo, 3 de maio de 2020

Esquerda versus direita


Conversando sobre o que significam esquerda e direita e sobre nosso próprio enquadramento ideológico, senti necessidade de debruçar-me sobre esse assunto. Falamos que, e dados históricos mundiais mostram isso, a população pode ser dividida em três grupos mais ou menos equitativos: os que querem que tudo continue organizado como está; os que se inquietam com o estado de coisas, e apostam na possibilidade de transformações para arranjos sociais mais equânimes; os que são indiferentes, não se identificam com nenhum dos dois tipos anteriores. Este terceiro grupo costuma alegar que não quer se envolver nas radicalizações dos dois outros, os quais quereriam impor a qualquer custo suas concepções de sociedade.
Os significados de esquerda e direita vêm da Revolução Francesa; à direita na Assembleia Nacional ficavam os monarquistas (continuístas), à esquerda os republicanos (revolucionários). Nas religiões, Cristianismo, Islamismo, Budismo, Taoísmo, Judaísmo, etc., seus fundamentos pregam sempre a solidariedade e o amor, o que implica transformação. Quando não é assim, o é pelas interpretações tendenciosas que se tem dado aos escritos sagrados.
Cristo era de esquerda? Ele pregava a transformação social, mas pelo amor, pela paz, não pela guerra. Uma revolução espiritual, não armada. Será que isso é possível? Mas Cristo tanto assustou o status quo da época que acabou crucificado, acusado pelo Império Romano, pelas autoridades religiosas e pelo povo, que o viram como uma ameaça à ordem estabelecida. Cristo pregava a justiça, o amor. Assim também Gandhi, John Lennon, Chico Mendes, Dorothy Stang, Marielle Franco e tantos outros. Pregavam, como Cristo, a revolução em prol da transformação para a justiça e o amor via pacífica. Acabaram todos assassinados.
Não creio que a divisão entre pobreza e riqueza seja questão de índole do ser humano, nem mérito, nem carma. Vejo mais como questão de oportunidades. A apartação social que vemos hoje resulta em sua maior parte da exploração do trabalho e da sabotagem da oferta de oportunidade à maior parte da população, que é confinada na miséria econômica e social. Mas acredito na mensagem cristã: a transformação deve ser pacífica.
Vejo entre os de direita aqueles que ou já pertencem às elites privilegiadas ou têm fortes intenções de logo chegar lá. E acreditam que isso seja fruto do mérito próprio: quem se empenha conquista. Existe gente assim em qualquer classe econômica e social. Entre estes também existem os pacíficos e os belicosos. Vejo muito mais belicosos; são individualistas, a quem falta o anseio da justiça social.
O grupo que fica em cima do muro, creio que são mesmo de direita. Alheamento, indiferença, só fazem perpetuar o status quo. Mas e aqueles que não querem saber de alinhamento político ou ideológico, mas dedicam a vida à emancipação das pessoas, venham elas da direita ou da esquerda, dos pobres ou dos abastados? Bem, estas pessoas diria que se parecem com Cristo, Buda, Maomé... Estão contribuindo para a grande revolução da compaixão, que desafia a humanidade. São portanto de esquerda?
Êita tema cabeludo!