quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Feliz 2023, Brasil!

 Publicado no Jornal da Manhã em 28/12/2022.

Esperamos que, no final do mês de dezembro de 2023, as redes sociais, TVs, rádios, jornais e revistas tragam a seguinte retrospectiva do ano:

- após uma espantosa retomada da confiança no país e na democracia, expressa em massivas e legítimas manifestações populares que encheram ruas e praças de muitas cidades, o Legislativo, constrangido e pressionado, passou a debater e aprovar leis que beneficiam o pleno emprego, salários justos, educação e saúde de qualidade para todos;

- o Judiciário capacitou-se a exercer a justiça com rapidez, transparência e uma equidade nunca antes vistas; em decorrência, as polícias passaram a agir com probidade exemplar; a corrupção e outros crimes passaram a ser evitados ou punidos com rigor;

- o Executivo iniciou campanha de resgate da identidade, da autoestima e da dignidade da população como um todo; começando pelo respeito e valorização do diverso, reduzindo drasticamente os preconceitos de raça, cultura, credo, gênero, classe, ideologia;

- com o reaparelhamento dos órgãos de proteção e educação ambiental, recuperou-se a compreensão de que a vida saudável, em todos os sentidos, depende da natureza saudável; o país está aprendendo a utilizar seus riquíssimos recursos de forma sustentável, preservando as funções vitais dos processos naturais;

- a ciência, revitalizada, logrou desenvolver no país sistemas de controle e vacinas eficazes contra várias doenças endêmicas e epidêmicas, principalmente a Covid, a dengue, a febre amarela, a malária, a varíola, a zika, a chikungunya e outras; ao mesmo tempo fortaleceu-se o SUS, garantia de cuidado da saúde de todos;

- a economia passou a priorizar o mercado interno; alimentos, construção civil, roupas, maquinários e outros bens e serviços passaram a beneficiar antes os brasileiros; graças a isso, a economia ficou menos suscetível a crises internacionais e a golpes especulativos do mercado manipulado; os preços caíram e se estabilizaram;

- a economia forte deu sustentação para ações governamentais em teimosas questões tributárias e político-partidárias; os impostos tornaram-se mais justos, os partidos políticos têm novas regras que reduziram o clientelismo, o fisiologismo, o corporativismo; fortaleceu-se a “Constituição Cidadã” de 1988;

- no Congresso, respeitando-se o que seja a democracia representativa, passou a vigorar a “lei da transparência”: não existem mais os votos e orçamentos secretos, nem os sigilos sobre transações que envolvam recursos públicos;

- o governo desencadeou tratativas internas e internacionais para desbaratar os infames paraísos fiscais, que toleram contas anônimas que se prestam a lavagem de dinheiro auferido com crimes que vão desde o tráfico de pessoas e armas até o esbulho de recursos públicos;

- o Brasil recuperou o protagonismo relevante nas questões internacionais, como país engajado no respeito à soberania e liberdade dos povos, na justiça social, nos direitos humanos, na preservação ambiental e na paz;

- a rica cultura, em todas as suas áreas, fruto do sincretismo dos povos formadores do brasileiro, foi valorizada e incentivada; voltamos a ser uma referência mundial na criação cultural autêntica;

- no meio do ano que se encerra, Brasília foi a capital mundial da paz e da espiritualidade; líderes de todas as religiões do planeta reuniram-se para um ritual ecumênico de celebração do sagrado, que conduz a humanidade no caminho da luz; todos os seres humanos sentiram e repercutiram as vibrações de amorosidade que emanaram do evento;

- recentes pesquisas de opinião revelaram que a população do país está vivendo uma nova era de confiança, solidariedade, honradez e sincero orgulho de ser brasileiro; a ideia de nação está firmemente embasada no sentido de justiça social e fé no porvir;

- o Brasil melhorou muito em 2023; que 2024 seja ainda melhor!

sábado, 10 de dezembro de 2022

O Brasil não podia ganhar!

 Publicado no Jornal da Manhã em 13/12/2022.

Desta vez não foi tão humilhante como em 2014. Mas não poderíamos ir longe numa copa em que a camisa canarinha carrega simbolismos tão antagônicos. Lembremo-nos, o futebol teve um papel capital no processo de conquista da autoestima do povo brasileiro, resgatando-o do complexo de vira-lata, incutido pelos séculos de colonialismo predatório e escravagismo.

Da marcante atuação da seleção na copa de 1938, com o artilheiro negro Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, até a conquista de 1958, com outro fenômeno negro, Pelé, foram duas décadas de busca da identidade miscigenada e até então segregada do brasileiro. Com as conquistas de 1962, 1970, 1994 e 2002 o futebol definitivamente emancipou-nos.

Depois veio o vexame de 2014. Alguns dizem que a humilhação dos 7x1 para a antes freguesa Alemanha foi um “carma coletivo instantâneo”. A justiça divina teria punido exemplarmente a elite brasileira presente ao estádio no jogo de abertura, que, menos de um mês antes, perpetrara o maior ato de injúria da história das copas, para com a presidenta Dilma Rousseff. Eleita legitimamente, ela era então uma governante empenhada num governo que priorizasse os pobres e reduzisse as abissais injustiças sociais que acometem o país. Foi vítima de um estrepitoso “Dilma, vai tomar no cu”, orquestrado pela elite ressentida e rancorosa por ver questionados o que considera seus privilégios sacralizados.

O vexame dos 7x1 não recaiu só sobre a elite no estádio que proferiu o coro vergonhoso. Recaiu sobre toda a nação, que não soube opor-se ao farsesco processo de afastamento de Dilma, consumado em 2016.

Agora, em 2022, o resultado não poderia ter sido outro que não novo tropeço da seleção canarinha. Até que ela foi longe! O futebol ainda voltará a representar a emancipação do povo brasileiro de sua algoz elite escravagista. Ainda haveremos de comemorar com festa e alegria popular a vitória da habilidade da ginga e do drible, que parece que só a miscigenação de raças e culturas foi capaz de engendrar. Expressão máxima do esporte bretão que nasceu elitista e  segregacionista, e tornou-se o maior espetáculo mundial quando alcançou as várzeas e as massas.

A seleção de 2022, cindida como o povo brasileiro num cisma político-ideológico sem precedentes, não poderia ir mais longe. Voltaremos a conquistar um título quando a camisa canarinha voltar a representar um ideal de nação e de um povo libertos, e não a expressão de ressentimento de uma parcela da população inconformada e desinformada, que não quer abrir mão de seus sovinas privilégios, não quer compartilhar as riquezas que nunca se sacia de pilhar e acumular. Tal qual o craque que, cegado pelo egoísmo e o deslumbre, apesar de já celebrizado não consegue jogar o jogo coletivo do time; tem sempre que jogar antes o jogo para si mesmo. E não percebe que ambos perdem, ele e o time.

Perde junto a nação, que enquanto não conseguir superar o egocentrismo de parte da população, vai amargando a espera. Mesmo com a melhor seleção do mundo, e o melhor país do mundo, ainda continuará perdedora.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Filme “O milagre” – retrato da natureza humana

 

A Netflix está exibindo o filme “O milagre” (direção de Sebastián Lelio, Irlanda, Reino Unido e EUA, 2022, com Florence Pugh e Niamh Algar nos papéis principais). Imperdível. A começar pelo primor da ambientação em meados do século XIX. O filme trata da “observação” de um aparente milagre no seio de uma isolada e pobre família de camponeses da Irlanda: uma adolescente de onze anos mantinha-se saudável após meses sem se alimentar, e assim tornava-se uma notoriedade regional que atraía curiosos e devotos.

O conselho de notáveis do vilarejo resolve contratar uma enfermeira ─ vinda de Londres ─ e uma freira para verificar o milagre e produzir, em duas semanas, um relatório a respeito. A enfermeira deveria realizar a observação racional do fenômeno, a freira seria a visão pelos olhos da fé.

Os eventos da trama que se sucedem nas duas semanas de observação são uma metáfora em que se consubstanciam fatos históricos da Irlanda em ambiente ainda vitoriano, a natureza e o comportamento humanos, estes atemporais. Uma mescla inextricável de componentes racionais e irracionais, objetivos e subjetivos, conscientes e inconscientes. Um constante caminhar entre a realidade cotidiana e as profundezas do psiquismo dos personagens.

A adolescente milagrosa, sua família em busca de publicidade, seu irmão falecido, a enfermeira e seus traumas pregressos, a freira e sua fé obediente, o conselho de notáveis do vilarejo e o jornalista vindo de Londres para noticiar o milagre têm suas existências, conhecidas e desconhecidas, emaranhadas numa urdidura que é o retrato possível da indecifrável natureza humana.

O desfecho do filme é um clímax de riqueza impressionante: cada personagem assume uma explicação própria para o enigma do milagre. O que vale dizer desde a visão beatificada da freira até a conclusão legalmente chancelada do conselho de notáveis, passando pela imersão nas nebulosas razões psicológicas do fenômeno e nos engenhosos artifícios, consentidos e não consentidos, para resolvê-lo.

Quer ver um filme que nos transporta para o insólito da natureza e do comportamento humano? E ao mesmo tempo apresenta surpreendentes e factíveis soluções? Veja “O milagre”. Ele contribui para instigar-nos na busca da compreensão dos inexplicáveis desatinos que têm acometido a sociedade em que vivemos.