Publicado no Jornal da Manhã em 01/08/2023.
No quintal aterrissa, feito um
helicóptero, uma daquelas engenhosas sementes voadoras, que a natureza criou
para que as plantas-mãe possam reproduzir-se a grandes distâncias. O vão das
telhas do beiral da edícula já voltou a acolher a família de andorinhas que
retorna todo ano, depois da migração de inverno. E, no céu, as exibidas
andorinhas fazem graciosas acrobacias, salpicadas de chilreios de
alegria. Debaixo da caramboleira do jardim, a metade de um pequeno ovo de
pássaro, as bordas serrilhadas de bicadas, mostra que o ninho acima acolhe uma
nova ave. Ao lado, a pitangueira já está coberta de flores e botões, o ar está
perfumado, os ouvidos zumbem com a presença de um diligente enxame de abelhas.
Em frente à casa, na calçada, a sibipiruna, que ficou completamente desnuda de
folhas há duas semanas, já está repleta de novos brotos de um verde
luminosamente juvenil.
A natureza está nos dizendo: a primavera
chegou! E estamos falando de Ponta Grossa, cidade com clima subtropical,
situada num planalto do sul do Brasil a quase mil metros de altitude, com
temperatura média histórica do mês de julho de 13,8ºC! Mas, apesar dos sinais
que a natureza nos dá, não chegamos ainda ao final de julho, não alcançamos a
metade do inverno. Ademais, o noticiário nos informa que temos tido no planeta
as maiores temperaturas médias de que se tem notícia. Florestas ardem no
Canadá, ondas de calor e temporais fazem vítimas na Europa.
A apressada chegada da primavera, mais de
mês e meio antes da data prevista no calendário, a par de ser motivo de alegria
pelos sinais de renascimento, torna-se também motivo de grande preocupação. As
evidências do aquecimento do planeta estão indisfarçáveis. Para quem quer
enxergar, não é mais possível alegar que os alertas para mudanças climáticas
radicais sejam fruto do alarmismo de desatinados ou do oportunismo de aproveitadores.
Já há 60 anos temos tido os primeiros
alertas do aquecimento global causado pela ação humana. Mas pouco conseguimos
fazer para deter essa radical transformação, com consequências imprevisíveis
para a humanidade. Iremos sobreviver?
A queima de combustíveis fósseis, os
desmatamentos, a descriteriosa utilização agrícola dos solos e a atividade
industrial têm sido os principais responsáveis pela emissão dos gases estufa
que acirram o aquecimento do planeta. O arranjo socioeconômico que engloba
estas atividades declara guerras, é hiperconsumista, incentiva a cupidez
humana, cultiva o individualismo e a alienação, concentra renda, dissemina a
pobreza, acarreta imenso desperdício de recursos e bens, depreda o ambiente,
extingue espécies, desequilibra a biodiversidade. E causa o aquecimento global!
O que falta então para tomarmos consciência das insanidades que cometemos? E
mudar para uma outra civilização, mais comprometida com sua própria
sobrevivência?
Talvez esteja faltando abrir mão da cupidez,
que gera a injustiça, a pobreza e a ignorância. Talvez esteja faltando chegar à
beira da catástrofe e do morticínio, quando a evidência do erro nos faça
escolher, a tempo, caminhos mais ajuizados.
Oxalá despertemos antes de nos
precipitarmos no abismo.