quinta-feira, 30 de junho de 2016

O novo surto da intolerância

          Já vivemos na Terra momentos de desbragada intolerância, esta muitas vezes a serviço de cruéis autoritarismos. Lembremo-nos da inquisição que queimava seus opositores na idade média, as limpezas étnicas na Europa nazista e em países como a África do Sul, Nigéria, Ruanda e ex-Iugoslávia, o macarthismo anticomunista nos EUA, as guerras entre torcidas de futebol na Inglaterra e em outros cantos do mundo, até no Brasil, e, nos dias atuais, os fundamentalismos que segregam gênero, crença, nação, que só fazem alastrar-se.

          E muitos outros tristes exemplos em que ignorância e instintos de violência fazem sucumbir a razão e a compreensão. Sem dúvida, situações cuja explicação está no campo da psicologia e da sociologia. Embora nos denominemos seres racionais e sociais, ainda resta muito em nós, humanos, de inconscientes instintos animais que nos fazem agressivos defensores de um território que pode ser desde o espaço físico da moradia, do trabalho, do bairro, cidade ou país até o território imaterial no campo das ideias, convicções ou o time de futebol preferido.

          A decisão do Reino Unido de retirar-se da União Europeia parece ser a mais recente demonstração deste novo surto de intolerância que assola a humanidade. A União Europeia surgiu do esforço de integração após a lição das duas grandes guerras que destroçaram a Europa no Século XX. E não é de espantar que seja justamente o Reino Unido, a outrora maior potência colonizadora e opressora do planeta, o país a iniciar a desagregação desse imenso esforço de reconstrução e concórdia. Mas é preciso reparar que o plebiscito que decidiu a saída do Reino Unido foi decidido por maioria muito apertada. Os mais idosos votaram maciçamente pela saída, levados sobretudo pela xenofobia. Contrariando a vontade dos mais jovens, que votaram pela permanência do país na comunidade. Jovens que se revoltam com o resultado, que parece lhes tolher a possibilidade de ter mais liberdade de escolher onde trabalhar, onde viver, onde encontrar amigos e cônjuges...

          No Brasil, o surto de intolerância também é bem visível, e não só nas tradicionais guerras de torcidas. Não é por acaso que se produz no país um orquestrado esforço de convencimento do cidadão comum do que é certo (o bem) e o que é errado (o mal) e de cultivar a raiva, o ódio, àquilo que é rotulado como “o mal”. Nunca antes presenciei tantas pessoas, sejam desconhecidos na rua, sejam colegas de trabalho, sejam alunos, sejam amigos, sejam protagonistas de notícias, a manifestar irracionais reações agressivas perante diferenças que divergem do consenso implacavelmente construído pelo massacre midiático que vivemos no país.

          Este é um ponto crítico, que deve nos fazer refletir. Ao longo da História, os agudos surtos de intolerância sempre resultaram de manipulações de autoritários e inescrupulosos poderes hegemônicos, que assim se faziam impor aos povos e nações conquistados. É a aplicação da velha máxima “dividir para governar”, cujos mestres maiores foram os britânicos, que a empregaram por séculos em suas colônias pelo mundo.

          Aqui no Brasil também estamos sendo vítimas de uma perversa e modernizada estratégia de divisão interna. Parece que ainda não acordamos para o fato que existe um astuto e obstinado protagonista externo, que manipula mercenários aliados internos, e que está bem feliz com sua eficácia em promover nossa ruína interna. E conta com esse nosso embotamento de ideias e o crescimento de nossa intolerância para prosperar e disseminar sua hegemonia sobre o planeta.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Viagens psicotrópicas

Publicado no Diário dos Campos em 11/06/2016

          As substâncias ditas psicotrópicas, entre elas a maconha, são aquelas que agem sobre o sistema nervoso central e alteram nosso psiquismo, ou seja, a forma como pensamos, fazemos, percebemos, reagimos e, sobretudo, sentimos. Entre os tipos de drogas psicotrópicas, a maconha é incluída no grupo daquelas que são perturbadoras da atividade do sistema nervoso central. Trata-se de uma mudança qualitativa, o cérebro passa a funcionar fornecendo uma leitura perturbada da realidade.

          Por isso o uso das drogas psicotrópicas proporciona as faladas “viagens”. A mesma realidade vista e sentida de uma forma alterada pela droga é como se fosse o descobrimento de uma nova realidade, como aquela que é buscada numa viagem a um outro lugar, um outro país. Mas seriam estas duas viagens comparáveis? Ou seria uma delas a fuga de uma realidade inconveniente, muitas vezes cruel, e a outra um alargar de horizontes que acrescenta à visão que temos do mundo real e da humanidade?

          O uso das drogas psicotrópicas para as “viagens” que elas propiciam é crescente, principalmente entre nossos jovens, nas escolas, universidades, festas e lazer. Talvez porque a realidade que estejamos oferecendo aos nossos jovens seja por demais decepcionante e frustrante, e as drogas ajudem a criar a temporária ilusão de uma realidade menos dura. Então a atração pela droga de fuga torna-se por demais tentadora.

          Mas a que custo? As drogas trazem grande risco de dependência física ou psíquica, de abertura do caminho para drogas ainda mais nefastas e, o pior, de encarceramento dos jovens na implacável rede do tráfico. De consumidor a devedor, de devedor a “avião”, de “avião” a traficante, deste a presidiário ou um nome no obituário é uma trajetória muito provável. Jovens talentosos e promissores seduzidos para a fuga da dura realidade perdem o foco, desacreditam da sociedade e de todos os caminhos ditos “normais”, passam a cometer pequenos delitos, e muito frequentemente acabam por percorrer o lamentável caminho que os levará até o ceticismo, a criminalidade e suas drásticas consequências.

          O caso das faculdades e universidades, se não o mais crítico, é alarmante. Nessa época os jovens encontram-se particularmente vulneráveis à sedução da droga. É no curso superior que os jovens deixam de ser adolescentes e tornam-se adultos. Uma transposição de muitos conflitos e inseguranças íntimas, agravadas atualmente pelos desatinos de nossa civilização. E é uma etapa em que em tese os jovens estão adquirindo a qualificação na profissão que virão a exercer. No caso das universidades públicas, toda a sociedade, desde o mais humilde até o mais ilustre e abastado cidadão, estão investindo, com seus impostos, na formação de um profissional de quem se espera uma retribuição para o bom funcionamento da comunidade em que vivemos. Que tem muitos problemas a serem resolvidos. O desvio destes objetivos, a fuga da realidade, no caso, configura a quebra da responsabilidade de fazer bom uso de todo esforço na formação de um bom profissional.

          Como alertar, ou melhor, convencer os jovens de que, apesar dos muitos reveses que certamente sobrevirão, enfrentar a crua realidade pode ser um caminho mais promissor, seja para transformar esta nossa deteriorada sociedade, seja para a realização e emancipação pessoal? O que dizer a eles? Que as drogas enganam, criam uma ilusão, mas o seu caminho é o do fracasso e do encarceramento? Ou que mais vale um franco confronto com as muitas iniquidades cotidianas, cujas ainda que raras vitórias compensarão largamente as inumeráveis derrotas, graças à sensação de uma lenta mas consistente transformação da bizarra civilização que vivemos?

          O caminho que o sistema tem encontrado para coibir o uso das drogas psicotrópicas é a lei e a repressão. A produção, o porte, o uso, o tráfico são crimes punidos com penas severas. Apesar disso, parece crescer o número de adeptos e defensores do uso das drogas, como se elas pudessem libertar o indivíduo e modificar a realidade. Será? Preferiria conseguir convencer os jovens que, sim, empenhem-se firmemente em modificar a realidade, revolucionem-na! Mas não fujam dela, transformem-na, com revoluções verdadeiras, e não fugazes e químicas ilusões de mudança.