terça-feira, 14 de janeiro de 2020

A incivilidade saiu do armário



Trocando impressões com um amigo sobre como anda a Humanidade, inclusive no Brasil, que parece estar tendo um surto de beligerância e imbecilidade, ele respondeu:
─ “O Brasil não imbecilizou, mas os imbecis que sempre existiram saíram do armário. Romperam a linha vermelha do pacto construído com muito sangue ao longo da História em nome da civilidade mínima.”
Quanta verdade! Os imbecis só estavam contidos, a civilidade preponderava. Civilidade é tudo aquilo que nos permite viver em sociedade. As regras de mínima convivência respeitosa datam de mais ou menos dez mil anos, no final da última era glacial, quando os seres humanos começaram a praticar a agricultura, a ter sobras alimentares para enfrentar os períodos de escassez. Mas que ao mesmo tempo eram o motivo de guerras e pilhagens. Foi quando começamos a nos agrupar em cidades, surgiram os ofícios, as trocas. Era preciso ter regras de convivência para que não déssemos asas aos instintos primitivos, que não gostamos de reconhecer, mas que ainda são tão fortes em nós, equivalentes em força à compaixão e à solidariedade que já distinguem o ser humano de outros animais.
É para colocar limites na manifestação desta porção bestial, herdada de nossos ancestrais primatas, que existem as leis, os princípios éticos e religiosos que buscam reforçar aquilo que já alcançamos de humanos frente às investidas do que ainda há de primitivo em nós. Todos temos estes dois lados, o bestial e o civilizado. A preponderância de um ou outro oscila, cada indivíduo ora se encontra mais bestial, ora mais civilizado. E o mesmo acontece com os povos, e as civilizações.
A tendência a longo prazo sem dúvida é de evolução. Hoje temos muito mais justiça, mais civilidade, que há dez mil anos atrás. Mesmo que há cem anos atrás. Este surto de bestialidade atual no Brasil e no mundo, com a ascensão de líderes ignorantes e beligerantes, mistificados por uma parcela considerável da população igualmente bestializada, poderia ser encarado como um desses momentos de preponderância do selvagem sobre o civilizado. Que, ao longo da História, têm sido sucedidos por momentos de iluminação. A Humanidade progride.
Há uma singularidade neste momento atual em que a bestialidade resolveu sair do armário: nunca antes, ao longo das crises civilizatórias da História, tínhamos tanto poder destrutivo como hoje. Temos armas capazes de arrasar todo o planeta várias vezes. Temos possibilidade de inviabilizar a vida mesmo sem usar armas, deteriorando o clima, o ar, a água, os solos, os alimentos, a alma humana. A Humanidade dividida entre Eros amoroso e Thanatos destrutivo revela-nos que somos como instáveis adolescentes, ainda sem discernimento. A capacidade de destruição da vida e do planeta na mão de uma civilização adolescente é um perigo.
Se não queremos colocar em risco o futuro da Humanidade e do planeta, urge confrontarmos a bestialidade humana que saiu do armário. Talvez essa saída do armário seja uma oportunidade de civilizar o obscurantismo renitente na alma humana.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Irã, petróleo, Brasil

Publicado no Jornal da Manhã em 10/01/2020.

Estes dias fui abastecer o carro em Ponta Grossa, surpreendi-me. De manhã, vi o preço do combustível. Quando fui abastecer, perto da hora do almoço, tinha aumentado. Perguntei ao frentista, ele disse que era por causa do aumento do preço do petróleo no mercado internacional, da crise entre EUA e Irã, do atentado que matou o general iraniano.
Falei com o frentista que agora que somos autossuficientes em petróleo, ficamos a mercê das crises internacionais e das mudanças de preço. Não é um absurdo? Ele me respondeu de pronto que o culpado é o Lula e seu governo, que tinha prometido redução dos preços, mas com a roubalheira do petrolão e outros golpes tinha acabado com a Petrobrás.
Espantei-me. Com as pessoas pensando desta forma não surpreende que tenhamos sido capazes de chegar ao ponto em que chegamos no País. Meu entendimento é oposto ao que pensa o frentista. Quem estará certo?
O Brasil tornou-se autossuficiente lá pelos anos 2006-2007, graças à produção das bacias de Campos e Santos, depois aumentada com o pré-sal, a partir de 2010. Em agosto de 2019 a produção do Brasil era de 3,83 milhões de barris equivalentes por dia (petróleo+gás), sendo 63,4% dela do pré-sal. Em fevereiro de 2019 o consumo foi de 2,84 mbpd.
Foi pouco depois do anúncio da descoberta do pré-sal (2006) que a Quarta Frota dos Estados Unidos, responsável por operações na América do Sul e Central, foi reativada (2008). Ela tinha sido desativada em 1950. Foi também por essa época que se iniciou a aguda campanha midiática de demonização do PT e seus governantes. Há relação entre esses assuntos? E a relação com o Irã, com a Venezuela?
Voltando à conversa com o frentista, tentei dizer a ele para pensar se o motivo do aumento do preço do combustível no Brasil, que ele dizia ser resultado da crise EUA x Irã, não é outro. Não é o Lula e suas supostas roubalheiras e política petrolífera. Pedi para ele pensar se a imagem que temos, de que Lula é um ladrão ignorante e incompetente, não foi um engodo criado justamente para poder substituí-lo por quem governa o Brasil hoje. E se quem governa o Brasil hoje não é quem está loteando as nossas grandes reservas de petróleo, privatizando as refinarias e a comercialização no Brasil, exportando o óleo cru barato, e importando os derivados encarecidos, pelo preço internacional, que oscila conforme as crises que não têm nada a ver com nosso País.
Mas acabam tendo tudo a ver. Se deixamos de ter autonomia, de ter soberania, os preços do combustível não vão mais depender de produzirmos ou não o petróleo que consumimos. Se entregamos nosso petróleo, vamos pagar o preço imposto pelo oligopólio controlado pelas empresas estadunidenses, que não hesitam em fazer a guerra contra o Irã, o Iraque, a Síria, não hesitam em destruir econômica e politicamente a Venezuela, o Brasil, em defesa de sua hegemonia. E a Quarta Frota nos monitora.
Será que o frentista parou para comparar os pontos de vista diferentes? Será que os brasileiros estão parando para pensar no que acontece no País?