Postado no Portal Aponta.jor em 18/04/2021.
A cidade de Cubatão, ao pé da Serra do
Mar no trajeto entre o porto de Santos e a metrópole São Paulo, ilustra bem
qual é a moral do lucro. A localização de Cubatão atende a razões econômicas:
ela fica no meio do caminho entre a maior cidade e o maior porto do país, por
este chegam e partem insumos e produtos industrializados. Desde meados do século
XX a estratégica situação da cidade fez com que ela recebesse agigantado parque
industrial, com refinarias, petroquímicas, siderúrgicas, metalúrgicas, muitas fábricas
que aproveitam a facilidade logística entre o porto e a metrópole.
As fábricas foram instaladas sem nenhuma
preocupação ambiental e social. Era a época do “desenvolvimento a qualquer
custo”. Quem conheceu a cidade no início da década de 1980 tem dela uma
lembrança inesquecível: chaminés vomitando fumaça escura, o ar e a silhueta da
cidade cinzentos e sombrios, o sol pálido mal conseguindo atravessar a barreira
de névoa química. A população sofria de várias doenças por intoxicação. Cubatão
ficou famosa no mundo pela incidência descomunal da monstruosa anencefalia, o
nascimento de crianças sem cérebro, por efeito da poluição. Em 1984, o
vazamento de um duto de gasolina em Vila Socó ocasionou incêndio com número
incalculável de vítimas, entre 90 e 500 mortos. A situação era tão calamitosa que a ONU declarou
a cidade a mais poluída do mundo.
Apesar dos protestos dos operários e
suas famílias, a tragédia na saúde da população não foi suficiente para as indústrias
se convencerem da necessidade de evitar a poluição. Mas a vida parece esforçar-se
em nos ensinar que não há incúria sem desforra. Em meados dos anos 1980, a
natureza revidou. Cubatão situa-se no sopé da escarpa da Serra do Mar, muralha que
ultrapassa mil metros de desnível e é coberta pela exuberante Mata Atlântica. Mas
a poluição matou a floresta nas encostas próximas à cidade. Logo se constatou
que, sem a mata a protegê-los, os solos das íngremes vertentes
instabilizavam-se, durante as torrenciais chuvas orográficas provocavam inúmeros
escorregamentos de terra, que coalesciam nos fundos dos vales e poderiam originar
catastróficas corridas de lama, fenômenos que destroem o que encontram pela
frente. As indústrias estavam ameaçadas.
Então, em nome dos investimentos e seus
lucros, e não da vida e saúde da população, tomaram-se medidas urgentes para
evitar a tragédia: nas fábricas enfim instalaram-se filtros contra a poluição, construíram-se
barreiras para conter eventuais corridas de lama, usando-se helicópteros realizaram-se
semeaduras de espécies nativas para reflorestar as encostas, desencadeou-se uma
operação de guerra, contando com criação de brigadas e instalação de sofisticados
sistemas de monitoramento e alerta. Um investimento altíssimo, mas não
proibitivo, para sanar a anterior desfaçatez da ânsia de lucro ao menor custo.
Cubatão restabeleceu-se, na década de
1990 a ONU considerou-a um exemplo de recuperação ambiental. A Mata Atlântica
recuperou-se, as ameaças às indústrias foram afastadas. E esqueceram-se os
irrecuperáveis custos sociais daquela insensatez.
No trato da pandemia da Covid-19,
voltamos à questão da economia versus
vida. Parece que ainda nada aprendemos com as muitas lições que já tivemos a
respeito, Cubatão é só um de muitos exemplos. O infame sistema que vivemos dá
mais valor ao lucro que à vida e ao ambiente que a sustenta.
Boa noite Sérgio,
ResponderExcluirMe lembro do ocorrido e da falta de sensibilidade de todos em relação às vidas perdidas por lá.
E , sim , vivenciamos essa mesma indiferença agora.
Não aprenderam nada , o que mais será necessário ?
Belo texto que pra mim só comprova uma coisa: em matéria de evolução o ser humano nem engatinha, só rasteja.
ResponderExcluirabs.
Carlos SA
Marlene Castanho
ResponderExcluirMário Sérgio, como bem expôs no texto, a realidade dos acontecimentos é preocupante... Pelo andar da carruagem, parece q estamos fadados a repetir o mesmo destino dos dinossauros... Será que a culpa da extinção dos dinossauros foi mesmo o tal meteoro?! A humanidade, "dotada de inteligência", está deixando a desejar...