É irrefutável, Bolsonaro e seus
seguidores lograram apropriar-se de dois dos maiores símbolos do país Brasil: a
bandeira nacional e a camisa da seleção de futebol. Que força têm (ou deveriam
ter) estes símbolos para a identificação do brasileiro com sua pátria! A
bandeira, assim nos é ensinado desde que somos crianças, tem as cores das
matas, da riqueza do ouro ─ que representa os recursos naturais ─, do céu. A
camisa canarinha representa a redenção do complexo de vira-lata que pôs de
joelhos a autoestima nacional, após a humilhante derrota para a celeste
uruguaia em 1950, perante um Maracanã lotado, garganta muda, dignidade enlameada.
Só em 1958 e 1962, na Suécia e no Chile, resgatamos a confiança de podermos ser
vitoriosos. O futebol, simbolizado pela camisa canarinha, foi o nosso redentor.
A escolha destes símbolos pelo
bolsonarismo é bem coerente: o mote do governo atual, “Brasil acima de tudo,
Deus acima de todos”, faz supor que a pátria seja uma prioridade, junto com a
fé religiosa. Vale refletir sobre esta declarada intenção de patriotismo.
George Orwell ─ pseudônimo do autor
inglês Eric Arthur Blair ─ escreveu no final de 1940 o ensaio O leão e o unicórnio: o socialismo e o gênio
inglês (no livro Por que escrevo,
Penguin e Companhia das Letras, 2021). Esse texto ganha importância pelo fato
de ter sido escrito logo após a Retirada
de Dunquerque, o episódio em que 300 mil soldados ingleses, vencidos e
sitiados pelas avassaladoras forças alemãs, foram evacuados por um “milagroso”
esforço dos proprietários de embarcações civis, que arriscaram a vida para
salvar os conterrâneos. No ensaio, Orwell conjetura que a Inglaterra só não
seria invadida e dominada pelas forças nazistas se o patriotismo fosse mais
forte que a luta de classes, existente desde sempre, mas acirrada pelas ideias
trabalhistas e socialistas que naquele momento varriam a Europa. A bem-sucedida
Operação Dínamo, que resgatou os
vencidos soldados ingleses, foi uma demonstração de que a unidade nacional do
povo inglês não tinha se esgarçado.
E no Brasil atual? Aqui a luta de
classes é muito diferente daquela de 1940 na Inglaterra. Parafraseando Darcy
Ribeiro, no Brasil a casa-grande não é uma instituição histórica, é uma
estrutura mental. Isto fruto da mais longeva escravidão do mundo recente, que
perdurou por mais de três séculos. O trabalhismo no país é incipiente, e seguidamente
golpeado cada vez que alcança algum progresso. A luta de classes por aqui é uma
luta desigual: a casa-grande dominadora não mostra intenção de ceder seus
privilégios em favor da unidade nacional; a massa assalariada não alcança discernimento
e organização suficientes para negociar direitos com equidade. A casa-grande
não abdica de seus privilégios. A senzala ─ a classe trabalhadora ─ não
consegue alforriar-se. O que esperar de patriotismo?
A atual apropriação da bandeira e da
canarinha tem outros significados. Quem exibe esses símbolos tem consciência do
que seja patriotismo? O governo atual está permitindo ─ e incentivando ─
destruir as matas, está entregando para o mercado internacional os recursos
naturais, as empresas estatais, o alimento produzido no país, com graves
consequências, no risco de crise hídrica e humanitária, apagão, insegurança
alimentar, encarecimento de alimentos, combustíveis, gás e serviços como
correio, luz e água. O Brasil nunca foi tão devastado e servil aos interesses
do mercado internacional como está sendo agora, em prejuízo das necessidades da
gente brasileira. Nunca os símbolos da nação brasileira foram tão desvirtuados.
E a canarinha? Ela, que já simbolizou a “seleção
de ouro”, agora representa a seleção amarelada. A humilhação maior foi o 7 X 1
da Copa de 2014, para a Alemanha, até então freguesa de caderneta. Foi pior que
o “maracanazo” de 1950. O vexame pareceu uma represália dos céus à afronta
imputada à presidenta no jogo de abertura daquela copa, uma ignomínia
injustificável, com vaias e xingamentos, transmitidos ao vivo para todo o planeta. A decadência
da canarinha completou-se na Copa América de 2021, quando perdemos para os
eternos rivais argentinos.
A construção da nação Brasil depende de
avançarmos em dois fundamentos: a ideia de pátria superar as rupturas da luta
de classes; a soberania nacional impedir a venda do país para o mercado
internacional. Desafios colossais. Não basta verde-amarelar.
Pois é, precisamos encontrar um caminho simbólico para retomar e usar de novo os símbolos nacionais, porque usá-los hoje virou sinônimo de bolsonarose (a patologia). Mas o Brasil não é desses!
ResponderExcluirNo Brasil de hoje, bandeira é um trapo que idiotas e incautos usam para limpar o país sem se aperceber que vão juntos ao ralo, com um sorriso irônico de canto de boca dos manipuladores dos cordéis.
ResponderExcluirMarionete não pensa, reage a comandos.