Dizem que o vinho quanto mais velho melhor. Será? Não é bem
assim. O vinho de boa qualidade pode ser. O de má qualidade, azeda, vira
vinagre. Mesmo o de boa qualidade, o envelhecimento tem que ser acertado: sem
mudanças de temperatura, sem luz, sem sacolejos, sem trocas de fluidos através
da rolha. E ainda, na hora de degustar, depois de desarrolhar, aguardar o tempo
certo necessário para uma decantação ideal.
Dizem também que a amizade é como o vinho. Então valem para
a amizade as mesmas ressalvas que valem para o vinho. E dizem também que o
envelhecimento das pessoas é como o do vinho: traz a maturidade, a emancipação
do ser humano, que com o passar dos anos livra-se de muitas das opressoras e
hipócritas convenções de nossa sociedade. Ah, aqui não se têm dúvidas: se a
velhice humana é comparável ao envelhecimento do vinho, pelos resultados –
velhos ora sábios, ora amargurados ranzinzas, ora soberbos, ora alienados –
deduzimos que por certo há os de boa e os de má cepa, há os que não tiveram o
envelhecer – o decorrer da vida – que propiciasse um amadurecimento adequado.
Gosto de compartilhar um exemplo marcante da Geologia para
exemplificar a velhice tão cheia de ranços e presunções, que nada se pode
atribuir-lhe de sábia. A teoria geológica mais aceita até meados do século XX
era a “teoria geossinclinal”, que vinha sendo aperfeiçoada há mais de cem anos.
Ela explicava a ocorrência de fósseis marinhos no alto das grandes cadeias
montanhosas admitindo movimentos verticais da superfície terrestre: ora
depressões invadidas por mares, seguidas de soerguimentos formando as cadeias
de montanhas. Essa teoria prevaleceu até depois da segunda guerra mundial.
Cursei a graduação em Geologia na USP de 1971 a 1975, e boa parte de meus professores
ainda era adepta da teoria geossinclinal.
Mas desde 1915, um jovem geocientista alemão, Alfred
Wegener, então com 35 anos de idade, já publicava artigos e defendia em
encontros científicos uma hipótese alternativa à teoria geossinclinal: a “teoria
da deriva continental”. Baseado em vários argumentos – nítido ajuste de
continentes, tal como entre África e América do Sul, semelhanças dos fósseis,
rochas, estruturas geológicas e evidências paleoclimáticas em continentes hoje
afastados – Wegener advogou que no passado as terras emersas estavam unidas num
único grande continente, a Pangeia. Assim, ao contrário da teoria
geossinclinal, a deriva continental falava em movimentos horizontais da crosta
terrestre. Mas o jovem geocientista não soube explicar o mecanismo que causaria
a desagregação da Pangeia e a deriva de seus fragmentos, as placas tectônicas. Os velhos e
catedráticos doutores, que se presumiam os donos da verdade sobre a dinâmica
terrestre, condenaram a brilhante teoria de Wegener à ridicularização. Mas,
passadas algumas décadas, com as evoluções tecnológicas devidas às duas guerras
mundiais, o mapeamento do fundo dos mares e o desenvolvimento das técnicas de
datação radiométrica das rochas, as ideias do jovem cientista foram finalmente
sendo aceitas.
Atualmente é graças à tectônica de placas que se orientam
as prospecções de recursos minerais e energéticos, e se faz a gestão de
desastres naturais de natureza geológica. As modelagens apoiadas na teoria são
fundamentais. Entretanto, talvez mais que a evolução da ciência, a deriva
continental e a moderna tectônica de placas tenham tido que aguardar a morte de
uma presunçosa e velha geração de geocientistas, que se considerou ofendida com
a revolucionária teoria de Wegener.
Aqueles velhos geocientistas não tinham amadurecido como um
bom vinho. Retardaram por meio século a evolução das Geociências.
O eterno apego ao já experimentado. É medo do novo.
ResponderExcluirTodos os gênios foram todos por loucos, ou quase todos .