domingo, 6 de abril de 2025

Dividir para dominar

 Publicado no Jornal da Manhã em 08/04/2025

Esse aforismo decerto tem sido praticado desde os tempos pré-históricos. Mas é ao longo da história conhecida da humanidade que se constata a eficácia dessa ancestral estratégia de dominação: dividir os povos dos territórios a serem dominados, insidiosamente lançando tribos contra tribos, povos contra povos, etnias contra etnias, religiões contra religiões, culturas contra culturas, homens contra mulheres... Atualmente, nacionalidades contra nacionalidades, classes sociais contra classes sociais, ideologias contra ideologias, até o clímax da cizânia, irmãos contra irmãos.

Certamente há na índole humana teimosos resquícios do instinto de competição e dominação, inerente à nossa natureza animal e sua sujeição aos princípios da sobrevivência e da seleção natural. Mas desde que nossa inteligência tomou ciência de que somos esses seres naturalmente competitivos, esse traço primitivo tem sido manipulado com o fim de dominar-nos. É assim para assanhar a ânsia de consumir da sôfrega civilização atual. Possuir é sobressair-se, ambicionar faz íntima ligação entre a posse de bens e a ostentação da supremacia dos dominadores. Tornamo-nos consumidores compulsivos, à mercê de quem lucra com nossa compulsão. E, vítimas da guerra cognitiva, competimos com nosso conterrâneo, nosso vizinho, nosso irmão. Um instinto tão forte que nos cega para a compreensão de que, alhures, alguém nos manipula, dividindo-nos, enfraquecendo-nos, enquanto nos controla e nos explora.

A fraqueza que nos é incutida não o é só na nação, na etnia, na classe socioeconômica. Manifesta-se também na tibieza do caráter. A guerra cognitiva é vitoriosa quando subjuga a mente do inimigo. Implanta nela a desinformação, a ignorância, o negacionismo, a intolerância, a segregação, o medo, o ódio, a incapacidade de refletir, de discernir, de dialogar, de ter sensibilidade e empatia. Os subjugados reagem como animais acuados.

Será que seremos capazes de quebrar esse ancestral arquétipo? Seremos capazes de perceber quantos fantasmas nos são imputados para que, amedrontados, transformemos nosso próximo num inimigo visceral? Desde a cuca que vem pegar a criança inquieta, monstro fictício inventado para assustá-la e controlá-la, até o apregoado perigo, não menos fictício, da outra ideologia, da outra religião, da outra cultura, são muitas maldosas criações para nos provocar medo, nos dividir e dominar.

Dominação não é só de um país sobre outros, como temos constatado hoje com a ânsia estadunidense de submeter hegemonicamente todo o mundo. Tão perversa e tão global quanto ela é a dominação econômica, num arranjo universal onde uma elite usufrui dos benefícios da riqueza produzida pelo trabalho de uma imensa maioria excluída e empobrecida.

Na verdade, todas as formas de dominação – territorial, cognitiva, econômica, racial, de gênero – estão ligadas. São múltiplas expressões do impulso primitivo único, agora manipulado por moderníssima tecnologia, com apurados métodos científicos.

Se quisermos escapar da dominação de quem nos divide, para alcançarmos a emancipação e a liberdade pessoal, e a soberania de nosso País, é essencial que deixemos de ter nossos instintos manipulados. Isso é possível. Basta cultivarmos e cuidarmos de nossos princípios e convicções – nossa cultura – com mais força que o nosso inimigo invisível da guerra cognitiva que já nos foi declarada.

Nossa consciência, desde que apelemos a ela, é muito mais poderosa que esse inimigo estranho que quer nos dominar.

4 comentários:

  1. ótimo texto, tão necessário nos tempos atuais

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  2. Bem aventurado é aquele q consegue fazer bom uso da consciência...

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  3. Excelente reflexão. Precisamos encontrar os pontos de união entre nós e fortalecê-los.

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  4. Excelente texto,isso é o cerne da sociedade

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