Publicado no Jornal da Manhã em 16/05/2025.
O Papa Francisco e Pepe Mujica nos deixaram. Comove ver
como são incensados na mídia, nas redes sociais, nas rodas de conversas – estas
cada vez mais raras. Muita gente parece celebrar as qualidades destes homens
notáveis que nos deixam, mas nos presenteiam com um legado de amorosidade, bom
humor, lucidez, solidariedade, cuidado com a Mãe Terra, os povos originários, o
trabalhador simples, as minorias, os refugiados da insensatez humana, as
mulheres que lutam e começam a transformar o perverso mundo patriarcal.
Francisco e Mujica foram homens de paz, de simplicidade.
Quantas irmãs podemos encontrar para estas duas já abençoadas irmãs: liberdade,
justiça, bondade, fraternidade, a amorosidade que se estende a todos e a tudo o
que a natureza nos oferece, que transforma nosso planeta na Mãe Terra que nos
acolhe e nos nutre, mas que teimamos afrontar e magoar.
Mas, se tanto escutamos incensar e louvar as qualidades de
Francisco e Mujica, é porque uma imensa maioria silencia. Esse silêncio
encoberta, talvez, rancor, culpa, desdém? Os dois homens notáveis que agora são
incensados foram chamados de comunistas, de esquerdistas – pejorativamente, por
quem ignora o verdadeiro sentido destas palavras – e até considerados inimigos
da sociedade. Qual sociedade? Francisco dizia que preferia tomar suas refeições
no restaurante dos funcionários do Vaticano, assim evitava ser envenenado.
Mujica foi perseguido e preso por mais de uma década. Que sociedade persegue e
condena estes homens, e depois celebra-os quando nos deixam? Celebramos seu
legado, ou sua partida?
Triste, temos de concluir que a sociedade está doente. Um
diagnóstico que o paciente se recusa a reconhecer, algo comum nos distúrbios
mentais e emocionais. Nossa doença é mental, emocional, e também ética e
espiritual. Não apresentamos só sintomas de insanidade – ao acumularmos
arsenais capazes de destruir o mundo várias vezes –, de desvario – ao
escolhermos e seguirmos líderes e ícones psicopatas, megalomaníacos e malignos –,
de enfermidade espiritual – ao adorarmos o deus dinheiro e o hiperconsumismo,
ao professarmos fé cega e segregacionista, inculcada por falsos profetas, ao
abraçarmos a deturpação dos princípios religiosos legítimos.
Francisco foi um apóstolo da fé no homem celestial e na
amorosidade. Mujica foi um apóstolo do homem amante da liberdade, da justiça,
do despojamento, da simplicidade. Ambos foram apóstolos do respeito ao próximo
e à natureza. E por assim serem, se por um lado são agora incensados
midiaticamente, na verdade continuam vetados nas engrenagens ocultas que movem
o sistema ensandecido que vivemos. Um sistema cruel, que manipula e explora o
ser humano e a natureza, mas que acaba por ser interiorizado por todos nós, que
o realimentamos com nossos medos e preconceitos.
Uma realidade enlouquecida. Talvez por esse motivo, junto
com os louvores midiáticos a Francisco e Mujica, estejamos fazendo também uma
penitência, um mea-culpa. Um
resquício de esperança de que herdemos suas qualidades, e nos tornemos capazes
de contribuir para mudar o destino ensandecido da sociedade atual.
Sergio ,
ResponderExcluirGosto demais de suas crônicas , de suas observações, de tudo que escreve.
Mas esse texto doeu , pq eram dois homens magníficos. Não havia sacrifício ou renúncia em seus estilos de vida.
Não sei se existe ainda nesse plano homens como.eles, talvez os .
monges do Tibet.
E não conseguiremos nada daqui em diante , pq não somos como eles .
Claro que falo.poe.mim.
´
ResponderExcluirÁlvaro, compactuo com as tuas observações bem enraizadas no saber. Infelizmente, ficamos sem dois ícones, seres humanos dignos e de serenas sabedorias. Humanos como nós, mas distintos no pensar e agir por uma sociedade mais justa, participativa da vida comunitária, solidária e despojada de ódios. Como você observou, fica o legado. Mas a pergunta é: Quem ou quais líderes assumirão este patrimônio moral, religioso, político? Infelizmente, suspeito que muitos oportunistas se aproveitarão do imenso vácuo moral, social e religioso, deixado por ambos, para (nas peles de cordeiros) se promoverem como herdeiros destes legados. Planos de ações políticas, sociais e religiosas de grupos bem intencionados farão muito bem aos nossos futuros e ao futuro da Mãe Terra.
Walter.
"Nossa doença é mental, emocional, e também ética e espiritual."
ResponderExcluirTão necessário que se enumere esses pontos para que nossa lucidez não seja comprometida pelos estigmas que nos impingem.