Publicado no Jornal da Manhã em 27/06/2025.
Surpreendi-me com a notícia divulgada em maio passado: 29%
dos adultos no Brasil são analfabetos funcionais; 36% estão no nível elementar,
são capazes de compreender textos simples e de tamanho médio; só 35% são considerados
alfabetizados plenos. O estudo foi realizado por uma parceria de instituições,
incluindo Unesco e Unicef. É sério e isento, e não uma peça de desinformação.
Esses resultados são alarmantes. A realidade atual, com a comunicação digital,
a inteligência artificial, a manipulação do comportamento usando a neurociência
e recursos milionários, é muito complexa. Só a plena alfabetização tem chance
de lançar alguma luz sobre tal complexa realidade. E não estamos preparados
para tanto. Talvez esses dados expliquem por que se elegem tantos parlamentares
vendilhões da pátria, entreguistas e a serviço de lobbies fisiológicos, e não
estadistas de verdade.
Nestes tempos que vivemos, discernir é vital. A
desinformação e o logro foram potencializados com o advento do mundo digital,
das redes sociais e dos algoritmos da inteligência artificial. Eles, mais que
libertar e emancipar o gênio humano, empenham-se em condicionar-nos para
objetivos escusos: comprar, temer, alienar, imitar, mentir, fraudar, segregar,
odiar... Os muitos apelos que nos chegam são perturbadores: se não soubermos
triá-los, endoidamos. Ou, confusos, não conseguimos entender: consuma-se o
analfabeto funcional.
Talvez o principal objetivo da manipulação da informação
seja mesmo preservar a tirânica injustiça social, que divide em classes: a
produção de riquezas pela força de trabalho seria suficiente para toda a
população mundial ter vida digna e saudável. Entretanto, a maior parcela da
humanidade vive em luta constante contra a fome, a pobreza e a humilhação,
enquanto uns poucos locupletam-se, acumulam fortunas impensáveis.
Qual a relação entre analfabetismo funcional, cultura, cancelamento,
injustiça social e colonialismo? Cultura vem com a alfabetização, vem com uma
educação – formal ou informal – que seja inclusiva, crítica, que ensine a
pensar e a criar, e não só a repetir, conformar e conservar. Sem ela,
estaríamos ainda nas cavernas. Cultura é o cultivo do discernimento, da
compreensão, da sensibilidade, da tolerância, da solidariedade. Sem diálogo
lúcido e respeitoso, não há cultura. O cancelamento é a negação da cultura. A
injustiça social, filha do narcisismo que quer destruir o diferente, é irmã do
analfabetismo. Se a humanidade não for capaz de, com a cultura, superar a
ignorância, está condenada à extinção. O colonialismo é só um resultado de todo
desatino humano: países subjugando países, povos explorando povos, ricos
explorando pobres, exércitos de pobres guerreando pelos ricos, alfabetizados
iludindo analfabetos.
Escrevo regulamente crônicas, artigos e ensaios críticos.
Textos que procuro fazer um apelo mais à razão que à emoção e aos preconceitos.
Claro, sou humano. Apesar de tentar, não quer dizer que consiga dominar meus
próprios arroubos emocionais e preconceituosos. Ademais, há muito compreendi o
sentido do aforismo “A mentira desgasta
relacionamentos; a verdade não, a verdade devasta!”. Procurar enxergar e
dizer a verdade rompe relacionamentos. Afasta, inimiza, e, atualmente, cancela.
Preferiria ser mais afeito a escrever textos que tocassem só os sentimentos.
Eles não polemizam, parecem mais capazes de revelar e transformar que os
pensamentos. Entretanto, o espontâneo e sincero impulso de refletir é parte da
minha identidade. Negá-lo seria traí-la.
Recentemente, fui cancelado num grupo que se diz de cultura
em Ponta Grossa. Motivo: postei um trecho do discurso do Presidente Lula
agradecendo a homenagem da Academia Francesa. Ele lembrava os acadêmicos que só
tem o primário e um curso técnico, mas tornou-se sindicalista, criou um partido
e é presidente. O reconhecimento da Academia Francesa significa que é um ser
humano singular, merecedor da rara homenagem. O discurso de Lula sugeria que a
principal qualidade humana, a solidariedade, não depende da erudição: depende
da escola da vida, e decerto também da índole de cada um.
A postagem do vídeo motivou minha exclusão do grupo de
cultura. Ele não admite conteúdo político. Sinto que esta ideia de cultura
também pode conduzir-nos à extinção.
Eu já tinha acessado aos dados a que o professor se refere. Me dá uma tristeza muito grande ver o que está acontecendo com a cultura e a educação em nosso país. As redes sociais estimulam discurso de ódio, sem precedentes.
ResponderExcluirVIVER É POLÍTICO!
ResponderExcluirHumanidade caminha para facistização plena!
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