sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Fracassos e panelaços

Publicado no Diário dos Campos em 25/02/2016

          A grande mídia nos estonteia de tanto martelar: vivemos no Brasil uma crise sem precedente, um momento de indescritível fracasso. E não se cansa de atribuir tal fracasso a protagonistas cuidadosamente selecionados: os governos de Dilma e Lula (ou seja, do PT), a Petrobrás e a corrupção, que na visão dos jornalões, ocorre somente no PT e na aparelhada Petrobrás e suas parceiras.

          O fracasso do país se mede pelo pibinho e o dragão da inflação, pelas incontáveis denúncias de corrupção, pela falência de serviços públicos, pela ameaça de desemprego, pela derrocada do grau de investimento do país segundo agências internacionais. Tudo atribuído aos vilões que estão a fazer perder o país.

          Mas esta é a explicação para os problemas do país? A recessão não acontece só no Brasil, embora mundialmente afete principalmente os países que, como nós, são fornecedores de commodities para as grandes nações, elas também lutando com tempos difíceis e, por isso, reduzindo drasticamente suas importações. E se no Brasil a crise é aguda, talvez isso se deva mais a causas internas do que externas. Estas causas internas talvez não sejam os vilões propalados pelos jornalões. Todo economista sabe que um fator essencial na economia é a expectativa, que estimula investir para aumentar a produção. No Brasil, a grande mídia martela insistentemente o desestímulo, apregoando uma crise maior que a realidade. Isto além de razões ideológicas, quer dizer, sabotadoras, de muitos empreendedores que recusam investir durante um governo que se declara abertamente a favor da redução dos abismos sociais, econômicos, culturais. E, se não há investimento para aumentar a produção, cai o PIB, aumenta a inflação, diminuem os empregos...

          E a Petrobrás? A Petrobrás é fruto de lutas nacionalistas das décadas de 1940 e 1950, e sua criação nos moldes de empresa do monopólio do petróleo no país foi uma vitória de lutas populares e de homens públicos com verdadeiro espírito patriótico. E a Petrobrás cresceu até descobrir as grandes jazidas do pré-sal, que transformaram o Brasil de importador em virtual exportador da principal fonte de energia do planeta, que é hegemonicamente controlada por um cartel que não mede consequências para manter seu controle. Sejam fraudes, assassinatos, guerras, golpes de estado ou o que for. A Petrobrás é um gigante, mas está ameaçada pelo incessante bombardeio a que está submetida. A ponto de ver os legisladores apoiarem novas leis que retiram o pouco que ainda resta do histórico patrimônio representado pela empresa e pelas lutas que lhe deram origem.

          Mas e a corrupção denunciada na Petrobrás e em tantas empresas parceiras, sempre envolvendo políticos, aparentemente sempre com a predominância daqueles pertencentes à base do governo atual? Ora, brasileiros, querer dizer que a corrupção começou no país nos últimos quinze anos é uma farsa cujas consequências poderão ser funestas, a começar por inviabilizar qualquer esforço verdadeiro de acabar com ela. Não é possível acabar com a corrupção começando com a farsa de querer imputá-la a somente um segmento político ou empresarial do país. Infelizmente, a corrupção é um mal culturalmente enraizado não só nas instituições, mas no povo.

          E a derrocada do grau de investimento do país? Bem, primeiro é preciso lembrar que foi nos governos recentes, os vilões dos jornalões, que o país ascendeu ao grau de investimento. Antes, éramos tidos como de risco. Mas vale refletir um pouco sobre a credibilidade das agências responsáveis por tais classificações. A quem elas servem? Qual foi o papel delas durante a crise financeira de 2008 e 2009, que custou trilhões de dólares, pagos inclusive por nós, para salvar instituições financeiras fraudulentas nos EUA e pelo mundo afora? Aliás, crise da qual ainda sentimos as consequências.

          Bem, e o panelaço? O panelaço tem duas possibilidades: ou nos revela que os batedores de panelas são contra a redução dos abismos sociais, são contra a construção de um país com mais equidade, ou nos revela que a grande mídia e seus jornalões têm um elogiável poder de convencimento, capaz de fazer o cidadão equivocar-se totalmente com relação a quem são os vilões que se preocupam com interesses próprios e não com os interesses do país.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Vinganças divinas

Publicado no Diário dos Campos em duas partes (31 de janeiro e 3 de fevereiro de 2016)


Conta-se que o Criador, após criar o Planeta Terra e nele distribuir tendenciosamente os recursos naturais (ver o texto Estória da criação, neste blog), por muito tempo distraiu-se ocupando-se de criar e cuidar de outros mundos pelo universo sem fim. Um belo dia, lembrou-se daquele iluminado e abençoado planeta azul, e perguntou ao seu fiel ajudante:

¾ Pedro, e como vai o Planeta Terra?

¾ Ah, Mestre, está passando por um momento bem complicado...

¾ Como assim?

¾ Pois lembra-se que ele foi criado para ser um planeta de aprendizado pelo erro? Lá colocamos benesses indescritíveis, únicas em todo o universo, mas ao mesmo tempo para lá destinamos seres com a bênção da inteligência mas aos quais ainda faltam a moral e a ética?

¾ Sim, sim... Agora me lembro. Pensávamos que ao juntar esses ingredientes ajudaríamos a evolução daqueles presunçosos e deslumbrados seres. E no que foi que deu?

¾ Pois quero crer que estejam vivendo uma espécie de adolescência da civilização. Ao mesmo tempo que conquistaram maravilhas tecnológicas, ignoram os limites do respeito para com o próximo, para com o planeta, e até para consigo mesmos! Praticam iniquidades cotidianas, destroçam-se em guerras e em crueldades impensáveis, envenenam o planeta e até o próprio alimento... E eximem-se de qualquer culpa sobre tudo o que fazem. Culpam os governantes que eles mesmos escolhem, e às vezes culpam até nós, seus criadores! Parecem mesmo adolescentes, com o corpo maduro para enfrentar as agruras da vida, mas sem nenhum juízo para orientar as suas já evoluídas aptidões.

¾ Ora vejam! Mas há salvação para esses seres desnorteados?

¾ Vamos ver, vamos ver! Estão na adolescência de sua civilização! Se não se perderem embriagando-se nos poderes que descobrem nesta fase, poderão aprender com os próprios erros, e repensar os caminhos para uma civilização mais consciente, mais solidária...

¾ Lembro-me que ao distribuir as benesses naturais na Terra fizemos questão de concentrá-las naquele imenso país que se chamaria Brasil. E como vai essa nossa experiência?

¾ Ah, Mestre... É bem uma mostra do que vai pelo mundo todo. Lembra-se que apesar de sua imensidão e das incontáveis bênçãos que lá pusemos, seu povo andava com uma deplorável baixa-estima, a ponto de seus pensadores autoimputarem-se um tal “complexo de vira-lata”?

¾ Lembro, lembro... Mas fizemos algo a respeito, não foi?

¾ Sim, aproveitamos atributos daquele ultrajado povo, a ginga e a malícia, e os fizemos campeões mundiais de futebol. Passaram a ser admirados e respeitados em todo o mundo, o que lhes serviu para fortalecer a identidade e melhorar a autoestima.

¾ E então?

¾ Então que pouco mais de cinquenta anos depois, este povo, assolado por um ressentimento de origem muito vil, saiu às ruas para protestar contra o campeonato mundial de futebol no país. E o que é pior, na abertura do evento perpetraram a maior grosseria de que se tem notícia na História para com um dirigente legítimo, no caso uma mulher, ofendendo-a chulamente!

¾ Vixe! Quanto desatino... E como ficou isso?

¾ Nosso Departamento de Compensação de Iniquidades providenciou uma humilhante derrota de 7X1 para o time que até então tinha sido freguês. O que era um orgulho daquele povo virou sua vergonha. Vamos ver se eles aprendem...

¾ E estão aprendendo?

¾ Não sei não... Essas coisas demoram tempo até serem compreendidas e modificarem a postura do povo. Daquele 7X1 até hoje eles têm alimentado um ódio interno, que ora se manifesta nos estádios de futebol, ora se mostra em manifestações de protesto nas ruas, ora se manifesta contra governantes e ideologias. Aquele que era um país de povo pacífico parece que está alimentando um ódio interno, que pode resultar num conflito fratricida, e não numa luta contra alguma ameaça externa.

¾ Mas que coisa estranha, Pedro. Como é isso?

¾ Complicado, difícil de explicar. Parece que forças externas ao país ainda praticam aquela velha máxima “dividir para governar”. E o Brasil já ensaiava tornar-se outra grande nação a buscar seu espaço entre os poderosos, mas estes não desejam concorrência. E esses poderosos têm fortes aliados dentro do Brasil, que trabalham incansavelmente para alimentar o ódio interno. E o povo, que não gosta muito de refletir nem de assumir responsabilidades, deixa-se levar.

¾ O povo é assim, leviano e omisso?

¾ Pelo menos até agora muitos têm se comportado assim...

O Criador calou-se por um instante, parecia refletir com os imateriais botões de seu manto de luz. Então pronunciou-se:

¾ Pedro, isso não pode ficar assim! Desta vez vou antecipar-me ao Departamento de Compensação de Iniquidades. Já que parece que aquele povo está demorando muito para aprender a usar as bênçãos do discernimento e da responsabilidade, vamos diminuir-lhes a capacidade de pensar...

¾ Mas Mestre, como vamos fazer isso sem contrariar a lei da evolução?

¾ Ora, simples! Já tenho tudo planejado. Um mosquito disseminado pela própria negligência do povo vai transmitir um vírus que vai diminuir o tamanho do cérebro, e com ele a capacidade de pensar! Vamos ver se agora aprendem! E esse vírus vai se chamar Zika...