quarta-feira, 26 de agosto de 2020

A verdade 50 anos atrasada

Publicado no Jornal da Manhã e no Diário dos Campos em 27/08/2020 e no blog de Carta Capital em 04/09/2020.


O Le Monde Diplomatique de 11 de setembro de 2007 traz uma reportagem perturbadora (https://diplomatique.org.br/o-golpe-da-cia-contra-o-ira/). Ela analisa matéria do New York Times de junho de 2000, revelando relatório secreto da CIA sobre a participação dessa Agência no golpe que derrubou o primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadeg em 1953, quase cinquenta anos antes.

Mossadegh apoiava a nacionalização da indústria petrolífera, então dominada pelos britânicos, e a democratização do sistema político. Os EUA alegaram temer que esses fossem sinais de que o Irã estaria prestes a passar para trás da Cortina de Ferro, e decidiram derrubar Mossadegh.

O relatório teria sido propositalmente vazado no ano de 2000, supostamente como estratégia de reaproximação entre EUA e Irã, iniciativa apoiada pela então secretária de Estado Madeleine Albright. Isso foi antes do atentado de 11 de setembro de 2001, que mudaria tudo. O que o relatório revela sobre como a CIA agiu para derrubar Mossadeg em 1953 é surpreendente: propaganda e atividades políticas clandestinas; cooptação de rede de oficiais do exército para um golpe; suborno de parlamentares iranianos; pressões para persuadir o xá Reza Pahlevi a apoiar o golpe; manipulação de manifestações de protesto pela renúncia de Mossadegh.

Foram milhões de dólares gastos pelo ramo iraniano da CIA, comandado por Kermit Roosevelt, para a consecução do golpe. Ele falhou num primeiro momento, mas acabou sendo bem-sucedido graças a subsequentes grandes manifestações de rua e atentados simulados contra religiosos, ambos organizados por infiltrados a serviço da CIA, que se faziam passar por membros do Tudeh, o “Partido das Massas”, o mais importante partido de esquerda no Irã à época.

Em seu livro “Novas confissões de um assassino econômico” (Cultrix, 2018), John Perkins mostra que o golpe no Irã em 1953 foi um aprendizado para a CIA. O fracasso inicial revelou o envolvimento da Agência, e obrigou os EUA a chamar Kermit Roosevelt de volta ao país. Desde então, golpes semelhantes perpetrados em outros países do mundo passaram a ser cometidos pelos assassinos econômicos, ou, no insucesso destes, os chacais, os assassinos de fato. Podemos supor que estes tenham sido os responsáveis pelas mortes “acidentais”, no Brasil, de Juscelino Kubitschek, Ulysses Guimarães, Eduardo Campos e Teori Zavascki. Mais recentemente, os chacais humanos foram substituídos pelos drones, como o que assassinou o general iraniano Qassem Soleimani no início de 2020, no Iraque.

O golpe no Irã em 1953, a revelação do relatório secreto em 2000, a demonização dos partidos de esquerda no Brasil, as manifestações iniciadas no país em 2013, o golpe em 2016 e a ascensão de governos antidemocráticos empenhados na perpetuação do país como colônia reserva de mão de obra barata e exportadora de matérias-primas sem valor agregado nos revelam que os aprendizados da política externa dos EUA têm resultado em sucesso para a ambição hegemônica do Tio Sam.

Enquanto espalham corrupção, ditaduras, guerras e miséria pelo mundo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Uma revolução da consciência

 

Pensadores que têm refletido sobre o momento que passamos têm falado na urgência de uma “revolução da consciência”. São desde administradores e economistas até filósofos e sociólogos. Talvez o que tenham em comum seja a compreensão do que anda se passando com a humanidade e a civilização atual.

Duas preocupantes constatações atestam que estamos seguindo um caminho equivocado: a crise ambiental provocada pela exploração predatória do planeta, comprometendo o equilíbrio da natureza que sustenta a vida; a crise social decorrente da concentração de riquezas, com aprofundamento do fosso que separa ricos e pobres.

A pandemia da Covid-19 resulta dessas duas crises. O vírus é fruto da desfaçatez com cuidados sanitários indispensáveis num mundo globalizado e de imensa concentração urbana. A sua disseminação atinge sobretudo os mais pobres, sem condições de confinamento e com precários saneamento e condições de saúde. Mas atinge também os profissionais de saúde, os que lidam com as atividades ditas essenciais, que não podem parar, os idosos, os fragilizados por diversas razões. O vírus é seletivo, mas é também imprevisível.

Muitos especialistas estão afirmando que as crises ambiental, socioeconômica e sanitária não são passageiras. Se não promovermos uma aguda revolução da consciência e uma profunda mudança em nossa civilização, vieram para ficar. A Covid-19 é branda, devemos esperar pandemias ainda piores, num futuro próximo. Urge mudar, se não queremos aprender por uma dor ainda mais dilacerante.

Quais seriam as mudanças na nossa consciência para evitarmos o previsível trágico futuro? Basta ver o que temos feito que nos conduziu até onde estamos hoje: a superexploração predatória do planeta, o consumismo irrefreável, a exploração e dominação do próximo, a ambição desmesurada, a intolerância com a diferença, o orgulho e a inveja.

Tudo isto resultaria de uma marcante qualidade humana: a cobiça. Cobiçamos conquistar, cobiçamos ter, cobiçamos acumular. E criamos sistemas econômicos e de governo, princípios morais e legais que acolhem e incentivam a cobiça. Cobiçar passou a ser a qualidade que distingue bem-sucedidos de fracassados, dinâmicos de acomodados, antenados de alienados, celebridades de joões-niguém, racionais de emocionais. Mais recentemente, a cobiça passou também a distinguir direitistas de esquerdistas, capitalistas de socialistas, ditadores de democratas.

Quantos rótulos! Mas a revolução da consciência dispensa os rótulos. A grande mudança que se impõe é aquela que os verdadeiros messias têm tentado nos ensinar há milênios: a humildade, a solidariedade, o discernimento; a empatia com todos os outros seres vivos e com o planeta Terra, nosso lar.

Oxalá não seja necessário a natureza castigar-nos com lições ainda mais contundentes que a pandemia, os eventos climáticos extremos e os conflitos sociais e a insegurança que já vivemos, para que aceitemos que a revolução da consciência é urgente. E enfim a concretizemos.