terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Feliz 2020, Brasil!



Os votos de ano novo confundem-se com os votos natalinos. Natal, não esquecer, é a data em que convencionamos comemorar o nascimento de Jesus Cristo, principal guia espiritual da Humanidade. Embora ela esteja se transformando na data apoteose do consumismo.
Cristo, sejam quais forem nossas convicções e crenças, simboliza um ideal de ser humano. E qual foi a lição que Cristo procurou nos ensinar, há mais de dois mil anos? Creio que ela possa ser abreviada na sentença “Ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”. Advertência que teimamos, resistimos aprender, negamos. Esse ensinamento-advertência nos diz muito.
“Ama a Deus”. Qual o entendimento que temos sobre Deus? Creio que não existam duas pessoas que pensem igual. Talvez seja mais certo acreditarmos que não o conhecemos plenamente, mas conhecemos sua obra. Deus seria o criador. Da vida, de nós mesmos, do planeta Terra, do sistema solar, do universo. Se não conseguimos entrar num acordo sobre quem seja Deus, deveríamos entrar num acordo sobre amar, e respeitar, a sua obra. Amar a vida, em todas as suas formas, humana, animal, vegetal. E amar o planeta Terra, essa joia única pairando no espaço, que nos concede o milagre da vida. Amar o ar que respiramos, a água que nos dessedenta, os solos que produzem nosso alimento, os recursos naturais com os quais a civilização prospera, as belezas naturais que nos iluminam a alma. Amar os arranjos que fazem funcionar com perfeição tudo isso que conhecemos. Amar a Deus poderia então ser traduzido como amar a natureza.
“Ama o próximo”. Quem é mesmo o próximo? O familiar, o amigo, o colega de trabalho, o correligionário, o vizinho de bairro? Ou o nosso contemporâneo, esteja ele onde for, e que conosco compartilha este momento de encruzilhada do ser humano, em que convivem o desperdício e a miséria, a desfaçatez e a consciência, a imbecilidade e o discernimento, a beligerância e a solidariedade, a ignorância e a sabedoria? O próximo talvez seja todo aquele que conosco, nesta época de deslumbramento da Humanidade, enfrenta o desafio de saber vencer o que dizem ser a adolescência da civilização, em que já temos tecnologia para nos emanciparmos ou para nos aniquilarmos, e nosso juízo ainda vacila sobre qual caminho seguir.
“Ama a ti mesmo”. É preciso que nos digam que devemos aprender a amar a nós mesmos? As estatísticas sobre suicídios, crimes passionais, doenças depressivas, consumo de drogas lícitas e ilícitas, parecem dizer que sim. Além da renúncia de nós mesmos ao apelo da mídia que nos aliena, do consumismo que nos ilude, dos comodismos que nos viciam, do individualismo que nos distancia, dos falsos estadistas que nos aliciam.
Mas talvez, na sentença de Cristo, o primordial não seja entender quem seja Deus, nem o próximo, nem o que signifique o ti mesmo. Talvez o essencial seja mesmo o verbo amar. É esse verbo que já demoramos mais de dois mil anos para entender.
Que em 2020 sejamos, então, mais amorosos. Um 2020 mais amoroso, Brasil!

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

... Pátria aRmada, Brasil!

Publicado no Jornal da Manhã em 14/12/2019.

O desgoverno atual elegeu-se fazendo com a mão direita um arremedo de arma de fogo disparando. Antes já fizera exaltação do talvez mais famoso e mais odiento torturador do País, no momento de votar a favor do golpe que depôs o governo democraticamente eleito, e que era pacífico. Seguiram-se declarações explícitas e leis facilitando a posse e o porte de armas, por aqueles que podem comprá-las.
Novas declarações, de que a velocidade máxima nas vias não tem que ser respeitada, as punições contra os que transformam seus veículos em armas e com elas aleijam e matam são relaxadas. Some-se ainda o explícito incitamento à indiscriminada ocupação da Amazônia, resultando em eventos de queimadas recordistas e assassinatos de nativos e seus líderes. Enquanto isso, tenta-se passar outra lei, esta felizmente barrada no legislativo, que usa a enganosa expressão “excludente de ilicitude” para dizer “licença para matar”.
A família do desgoverno tem laços indisfarçáveis com as milícias, que como se sabe resolve na bala e no terror as paradas no mundo do crime que cultiva. O novo partido do desgoverno é o 38, propositalmente o grosso calibre do revolver mais popular entre a bandidagem. Os ministros e filhos do desgoverno, nesse meio tempo, preocupados com as massivas revoltas populares nos vizinhos sul-americanos, ameaçam com a volta do regime de terror perpetrado à força das armas, da tortura e da impunidade, que traumatizou e atrasa o Brasil até hoje.
De um lado incita-se a população a se armar e à violência, de outro se ameaça qualquer revolta com a repressão dos exércitos e da polícia. Isso é demência, de perigosos desequilibrados. O desgoverno é insano, e está empenhado em enlouquecer e encolerizar os demais poderes e líderes do País. E o povo junto. Os brasileiros estão sendo incitados ao ódio de um pelo outro, pelas diferenças de convicção, de religião, do local de nascimento, da cor da pele, da cor da camisa.
Estamos com um desgoverno que quer armar, incendiar e destruir o Brasil. São pessoas doentias, destrutivas. Parece ser esse o intuito dos estrangeiros que apóiam esse desgoverno. O País destruído poderá enfim ter seus imensos recursos, petróleo, minérios, solos agricultáveis, água, Amazônia, o território geoestratégico, apossados pela rapinagem transnacional que nos espreita ávida.
O Brasil enlouqueceu? Não temos mais brasileiros sãos e nacionalistas que percebam a destrutiva insanidade que está sendo cultivada entre nós? Quando o País vai acordar que não são as armas, não é o ódio, não é a violência que vão construir um País próspero e soberano? A prosperidade vai vir com a tolerância, com a compreensão, a paz, a cooperação. Senão vamos nos destruir e dissipar na destruição a energia que temos, sem nada construir nem para nós nem para as gerações futuras.
É hora de dizer não à insanidade. É hora de recuperarmos o que há de civilidade e solidariedade em nossa índole e recuperar a esperança de um país próspero, de paz e alegria.
... Pátria AMADA Brasil!

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Cultura enlatada

Publicado no Jornal da Manhã em 30/11/2019.

Outro dia, por acaso, parei num filme que passava num canal fechado na TV. O filme logo me impressionou, pelo realismo dos personagens que se parecem comigo e com pessoas que vejo no dia a dia, pela intensidade de emoções, sentimentos, ações desses personagens. O nome do filme: “Sem amor”. O tema: drama familiar. O diretor: Andrey Zvyagintsev. A nacionalidade: russo. Os mais exaltados já dirão: ─ Comunista! Não, pudera, não me considero comunista. Ainda falta muito de desapego e solidariedade em mim para que possa dizer-me comunista.
O filme surpreendeu-me pelo clima que cria em torno de um tema tão crucial: o amor filial. Deve ter sido uma produção muito barata comparada às superproduções estadunidenses que inundam nossas telas, e que atraem multidões e arrecadam milhões. Por que filmes realistas, baratos, sobre temas humanos essenciais, que aliam arte, reflexão e entretenimento, comumente vindos do Leste Europeu e do Oriente, são tão raros e costumam ser fracassos de bilheteria entre nós?
Ocorreu-me como resposta que vivemos uma civilização da cultura enlatada. Não só no cinema, mas na literatura, na música, no teatro... Para consumo rápido, que nos entorpece mais do que nos encoraja e desperta sentimentos e a reflexão. Uma cultura que não emancipa, ao contrário, submete. Sentir e refletir estão na contramão de uma civilização baseada na necessidade de consumir rápido e insaciavelmente, senão entra em colapso. Não é assim o mundo em que vivemos, em que as fábricas fazem produtos com vida útil programada para que tenhamos que trocá-los logo por outros, senão a produção cai, a fábrica vai à falência? E o mesmo não está se passando com a indústria cultural, que esqueceu o sentido da palavra cultura, que é cultivar a humanidade dentro de nós? Cultura passou a ser um produto como qualquer outro no mundo consumista, precisa ser vendido rápido e em grande quantidade. Mas pressa e quantidade não combinam com o sentido original da palavra cultura.
Neste mundo de consumo que vivemos uma das ciências em que mais se investe e que mais avança é a ciência que estuda o controle, a manipulação do comportamento humano. Somos bombardeados a todo instante por técnicas cada vez mais sofisticadas e eficazes, para pensarmos, desejarmos, comprarmos, agirmos, votarmos exatamente da forma como nossos manipuladores desejam. Ou seja, somos como eles querem, perdemos a identidade de ser pensante e sensível, com singularidades e aspirações intrínsecas. Somos treinados para responder com reflexos condicionados, exatamente como deseja o mercado. Somos consumidores.
O resultado dessa eficaz manipulação revela-se em tudo: nos filmes que assistimos, livros que lemos, músicas que escutamos, compras que fazemos, ideologias que defendemos, governantes que elegemos, ícones que idolatramos ou que amaldiçoamos.
O contrário da cultura enlatada seria a cultura popular, impregnada da autenticidade da realidade da vida de um povo, sua tradição, território, lutas, conquistas, subjetividade, memória. No Brasil, onde a cultura popular ainda consegue sobreviver à terraplanagem da cultura enlatada? Talvez nos rincões da Amazônia, no sertão nordestino?
Não por acaso o filme mais falado e premiado produzido no País nos últimos tempos, o Bacurau, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, aborda justamente o confronto do tradicional com a enlatada farsa no sertão nordestino.
Urge resgatar a cultura autêntica, expressa na cultura tradicional, na cultura popular.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Lula Livre é medo da verdade

Publicado no Jornal da Manhã em 13/11/2019.

Encontrou-se um controverso artifício, 6X5 no STF, para soltar Lula. Ele, que alguns consideram o maior estadista do Brasil, deve estar vivendo um sentimento ambíguo: alegre por estar solto, triste por não reconhecerem o que sua prisão significa.
Lula foi solto por uma divergência de entendimento sobre uma jurisprudência e o que reza a Constituição. E o parecer de que ele estava preso indevidamente prevaleceu por pouco. Faz pensar que o erro jurídico era uma questão difícil, passível de equívoco.
Vamos a outra interpretação. Lula foi solto porque nossos vizinhos sul-americanos, Chile, Argentina, Equador, Bolívia, Uruguai, estão dando mostras que a população lá não aprova as mesmas medidas entreguistas que estão sendo implantadas no Brasil, e pode revoltar-se violentamente. E é crescente o temor de que a população do Brasil acorde. Analistas dizem que a revolta explosiva depende de uma gota d’água depois que o copo já está cheio. Essa gota d’água pode ser o aumento na tarifa do transporte público, o aumento no combustível, o arrocho salarial, o desemprego. Mas o que enche o copo d’água até que uma gota baste para fazê-lo transbordar?
No caso do Brasil, muitos eventos têm enchido o copo d’água. A começar pelo injustificado golpe que depôs Dilma. A seguir veio a questionável condenação de Lula, contestada por juristas internacionais de renome, que apontaram falta de provas, facciosidade, atropelamento do processo e motivação política. Depois a posse de Temer que traiu o programa que o elegeu vice-presidente, e entregou o País à sanha transnacional. Depois a eleição de Bolsonaro graças a crimes digitais que nunca foram devidamente apurados. Depois as denúncias do laranjal do PSL que elegeu Bolsonaro. Depois as denúncias do The Intercept Brazil comprovando o facciosismo da Lava Jato. Depois os indícios de envolvimento da família Bolsonaro com milícias e o crime organizado. No meio de tudo isso, as queimadas na Amazônia, as trapalhadas diplomáticas com parceiros comerciais importantes, as declarações cada vez mais frequentes de autoridades nacionais e internacionais de que temos na presidência alguém que não está à altura do cargo.
Tudo isso é mais que suficiente para encher o copo d’água. Soltar Lula talvez dê a falsa impressão de que o copo não está tão cheio. Só impressão. Porque se nos lembrarmos que durante essas trapalhadas todas o desemprego subiu, a concentração de renda aumentou, a miséria cresceu, o crescimento econômico continua pífio, não há investimento, direitos trabalhistas estão sendo radicalmente precarizados, o pré-sal e estatais de energia estão sendo rifados, a Petrobras e grandes empreiteiras brasileiras foram sangradas gravemente, o povo brasileiro está dividido e desorientado, então percebemos que já há água suficiente para transbordar.
Que o Brasil acorde para a verdadeira razão da soltura de Lula: é confundir sobre a verdadeira razão de sua prisão. Que é a sabotagem de um país que ensaiava assumir um protagonismo que não interessa ao poder hegemônico mundial.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A morte do terrorista mais procurado do mundo

Publicado no Jornal da Manhã em 29/10/2019.

Ele era um homem singular. Vinha de uma família até bem sucedida, não se saberia explicar o motivo de acabar se tornando quem se tornou. Dizem que desde bem cedo, embora procurasse aparentar ser um homem de bons modos e de hábitos familiares, não conseguia esconder certa misoginia, homofobia, xenofobia, truculência, desvario e ambição de poder. Mas sabia disfarçar, todas estas tendências ele fazia parecer que eram indignação perante as injustiças que seu povo sofria, perseguido e acossado no mundo inteiro por inimigos mortais.
Com o tempo, ele foi aperfeiçoando essa cisão: aos olhos dos correligionários era um homem fiel ao seu povo, um guerreiro salvador das tradições, ideais e cultura que ameaçavam ser dissolvidos por povos bárbaros e dissolutos que invadiam as fronteiras de seu território sagrado, conquistado a ferro, fogo e sangue; aos olhos dos inimigos, era visto como um adversário cruel, implacável, imprevisível; aos olhos do restante do mundo, ele era a controvérsia personificada, hábil em tramar tais confusões entre facções e interesses, que era difícil, até mesmo para os povos diretamente envolvidos, entender quem era responsável pelas barbaridades que sofriam.
Em seu favor para criar tais confusões ele contava com um eficiente aparato midiático. Ele conseguia transformar em verdade acreditada pela multidão a mentira mais escabrosa, desde que ela fosse de seu interesse. Assim ele conseguia influenciar a queda ou ascensão de governantes, a revolta de populações inteiras, o apoio incondicional de nações que se suporia estarem acima da sordidez das baixas manipulações. Ele fingia ser defensor da ética, da honestidade, da honra, da verdade, da tradição, da cultura, na verdade era um lunático movido pelos interesses mais vis.
Graças a todas essas características, ele era um homem controvertido. Alguns o tinham como um herói, outros como um facínora. O herói era aquele que procurava resguardar a identidade de seu povo. O facínora era aquele que não hesitava em lançar mão de armas mortíferas para destruir cidades, países inteiros, que acabavam destruídos, mas ajoelhados ao poder de suas armas. E quando a submissão dos adversários não fosse pelas armas, ele tinha como alcançá-la por outros meios. Agentes sob suas ordens infiltrados nos povos e nações adversários eram capazes de tudo. De aprisionar, assassinar, enlouquecer, difamar personalidades que lhe fossem contrárias, ou perpetrar ações terroristas, arruinar a economia e tumultuar a ordem social e política. E promovia tais atos não só contra adversários, mas também contra qualquer povo ou nação que pudesse ter utilidade para levar adiante seus planos, fosse por seus recursos naturais, posição estratégica, importância econômica ou política.
Seu desvario encontrava admiradores, imitadores e servis lacaios recrutados em todo o planeta. Ele não se incomodava que jovens idealistas ou maduros oportunistas abandonassem suas famílias, seus países e fossem expor-se em confrontos mortais às vezes sem nem compreender bem a razão de estarem lutando. Morrer pela pátria e, bem entendido, pelos seus insanos mas dissimulados intentos, era a razão maior.
Mas eis que o inesperado acontece. Nosso personagem, o que deveria ser considerado o terrorista mais procurado do mundo, morreu. Não de morte violenta, uma explosão ou uma rajada, como seria de se esperar. Morreu de morte morrida. Um fulminante ataque cardíaco quando num anoitecer, à mesa de trabalho, ele manejava a arma que era a segunda que sabia manejar melhor: a caneta. A primeira era a língua.
Na manhã seguinte as notícias do mundo inteiro anunciavam: morreu do coração o homem que comandava a mais poderosa e beligerante potência do mundo.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

O mea-culpa do PT e o bode expiatório



Impressionante! Até o governador do Maranhão, que é do PCdoB, quando entrevistado foi cobrado pelos jornalistas: ─ Quando é que o PT vai fazer o necessário mea-culpa?
Com certeza é bom que se faça um mea-culpa, uma autoavaliação para tentar compreender como o Brasil chegou à situação em que se encontra no que diz respeito à economia, ao emprego, à segurança, à educação, aos valores republicanos e humanitários, aos cuidados com o meio ambiente, à imagem internacional, à moral do povo. E ao PT, que governou o país por mais de uma década, cabe uma parcela de responsabilidade nesse necessário mea-culpa. Mas, lembremo-nos, na primeira década de governo do PT o Brasil viveu seus melhores momentos dos últimos tempos. A economia ia bem, o povo tinha trabalho e prosperava, o país crescia, era soberano e respeitado internacionalmente.
O que aconteceu então? Foi a corrupção imputada ao partido que travou e fez retroceder o país? Sem dúvida a corrupção é uma doença crônica que tem debilitado o Brasil, mas ela tem existido desde sempre, não foi criada nem aprofundada nos anos do PT. Já nos esquecemos dos colossais escândalos do Banespa em São Paulo, do Banestado no Paraná, da chamada “privataria tucana” em que bancos estatais foram utilizados e falidos para desviar fortunas descomunais resultantes de fraudes na privatização de empresas igualmente estatais.
Cobrar que o PT faça o mea-culpa pela situação do país é um caso típico do bode expiatório que acaba levando a culpa de todos aqueles que se recusam a reconhecê-la em si mesmos. A começar, qual a culpa dos jornalistas, da mídia, que hoje cobra o PT? O jornalismo brasileiro é comprometido com a verdade, é informativo e isento? Ou é manipulador e partidário? E os legisladores, têm legislado em prol do interesse do país, do benefício coletivo? E o judiciário, tem julgado com firmeza e imparcialidade, sua ação tem coibido abusos e violências? O que foi feito de Eduardo Cunha, de Paulo Preto, do Queiroz, dos mandantes do assassinato de Marielle, dos responsáveis por Mariana, Brumadinho, os incêndios na Amazônia? E o povo, que escolhe pelo voto direto os legisladores e os governantes, quais critérios tem utilizado em suas escolhas? E como tem se engajado para fazer com que os eleitos depois permaneçam fiéis a compromissos assumidos mas esquecidos? E os partidos de oposição ao PT, que têm os mesmos vícios, se não piorados, mas que os imputam ao adversário e que deliberadamente minaram o governo Dilma? E o empresariado, que assustado com a ascensão de parcelas significativas da população antes excluída sabotou os investimentos necessários para o crescimento e o emprego? E a nossa soberania, como anda? Não nos damos conta que, agora que somos autossuficientes e exportadores de petróleo, depois das descobertas do pré-sal, os preços dos derivados oscilam no Brasil à mercê de cotações internacionais ao bel prazer do cartel das gigantes do óleo que não relutam em provocar guerras e destruir países na defesa de seus ganhos?
Sim, o Brasil carece de um urgente mea-culpa. Mas se queremos de fato reconhecer erros para repará-los, não podemos começar cometendo o grave erro de transferir a culpa para o bode expiatório PT. Isso só faria perpetuar os erros. Todos temos que nos repensar, repensar o Brasil. Nosso país é por demais grandioso, que imenso fracasso o nosso se o deixarmos malograr.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Decidindo o futuro da nação (uma ficção verossímil de humor)


O maior estatístico do país, bem como o engenheiro mais renomado e o político líder do governo no congresso foram chamados às pressas ao gabinete do presidente. Ele tinha uma questão urgente e embaraçosa que precisava de solução imediata, os assessores mais diretos não estavam conseguindo respondê-la.

Assim que os chamados reuniram-se na sala do palácio com o presidente, este fez os auxiliares se retirarem, só ficaram os quatro homens.

- Senhores, convoquei-os porque o futuro da nação depende de uma decisão que não estamos conseguindo tomar sem a ajuda de especialistas com a as vossas credenciais.

Silêncio, suspense. Todos aguardavam ansiosos, imóveis.

- A questão é a seguinte: quanto é dois mais dois?

O estatístico sacou de seu tablet, calculou por um bom tempo usando fórmulas complicadíssimas, por fim pronunciou-se:

- Excelência, o resultado é 3,9999999999999999999...

O presidente, aparentemente insatisfeito, encarou o engenheiro. Este sacou possante calculadora que trazia ao cinto, e pôs-se também a dedilhá-la. Após algum tempo, respondeu:

- O resultado, levando-se em conta fatores de segurança, certamente situa-se entre três e cinco!

O presidente, ainda insatisfeito, com ares de quem tentava a última chance, encarou então o político. Este pediu para retirar-se por um instante, precisava fazer algumas consultas sigilosas. Logo voltou, aproximou-se do presidente e sussurrou:

- Senhor presidente, qual o número que V. Ex.ª precisa?


"Piada" ouvida de um consultor internacional italiano em 1985. Na ocasião, as profissões dos três convocados eram outras.


terça-feira, 17 de setembro de 2019

Quanta ignorância!

Publicado no Jornal da Manhã em 19/09/2019.

O desfile de 15 de setembro em comemoração aos 196 anos de Ponta Grossa causou furor entre as velhas oligarquias da cidade, que ainda não se deram conta de que não estamos mais no tempo das sesmarias nem da monarquia. Os velhos oligarcas conservam ideias que parecem voltar aos tempos de fundação da cidade. Escandalizaram-se com a Professora secretária da Educação que desfilou de preto e com frase de Paulo Freire estampada no peito.
Mais uma pérola a dar funesta notoriedade à cidade. A Professora manifestar em público seu repúdio ao governo que trata com desprezo a Educação no país revela coragem e discernimento. Ao homenagear em sua camiseta o brasileiro que é considerado mundialmente um dos maiores educadores dos últimos tempos a Professora revela que se mantém lúcida, não se deixou levar pela onda de imbecilização que varre o país.
Sim, nós seres humanos, infelizmente, ainda nos comportamos como as bestas imbecis das quais somos descendentes. Ainda somos idiotizados por mentiras e fantasias que instigam nossos instintos e reflexos condicionados. Comportamo-nos como cães amestrados. No caso, treinados para discriminar, para odiar, para temer, para não refletir.
Felizmente, e é o que faz a Humanidade progredir ao longo da História, já temos um cérebro capaz de raciocinar, é ele que nos ajuda a superar os instintos de sobrevivência e consanguinidade. A Professora mostrou que ainda há gente, como ela, em que o raciocinar está além do instinto e do reflexo condicionado.
Por outro lado, uma boa parcela da população não logra emergir do pântano dos instintos primitivos, não logra ser capaz de fazer funcionar o neocórtex que a evolução e Deus nos deram. Parecem fazer questão de manter o neocórtex adormecido, ou entorpecido. Não compreendem que a educação emancipa. Não sabem o significado de emancipação. Não conseguem deixar de temer o próximo. Não conseguem deixar de discriminar e de odiar. Não conseguem deixar de ser autoritários, violentos e iníquos. Não alcançam a grandeza do significado das palavras liberdade, igualdade, fraternidade.
São vítimas da falta de uma boa Educação, e assim tornam-se agentes em prol da deseducação, perpetuando sua triste realidade.
Quanta ignorância!
Mas todos somos equipados com o neocórtex, que nos dá capacidade de pensar. A natureza no-lo deu. Basta querer despertá-lo, e utilizá-lo. Vamos lá?

domingo, 18 de agosto de 2019

Amazônia: um míssil apontado contra o Brasil?

Publicado no Jornal da Manhã em 20/08/2019.

O primeiro alvo atingido seria o Brasil. Depois a Humanidade toda, o planeta Terra.
Muito se tem discutido sobre a importância da proteção da Amazônia. Mas questões essenciais têm sido deixadas de lado.
Sim, a Amazônia é fundamental para o equilíbrio do clima mundial. Sua devastação implicaria em liberar carbono e outros gases estufa num montante que o planeta talvez não consiga suportar sem drásticas mudanças climáticas.
Sim, a Amazônia, e as terras indígenas demarcadas, são fundamentais para mostrar-nos que, ao longo de nossa História de devastadores conquistadores, fomos capazes de aprender algo. Que é necessário garantir ao que ainda resta dos povos originários territórios em que eles consigam preservar sua cultura. E procurar aprender com eles. O uso de ervas medicinais e outras benesses naturais, como conviver em harmonia com a floresta e a natureza, como cultivar uma espiritualidade que fortalece a grandeza da alma humana. A chamada etnociência, que a ciência convencional está aprendendo a valorizar.
Sim, a Amazônia é fundamental pelo que possa ocultar de minérios ainda não descobertos, que poderão ser essenciais num futuro próximo. Mas estamos longe de aprender a ponderar sobre a exequibilidade de explorar esses recursos sem comprometer a floresta. Estamos longe de ter a sobriedade para saber avaliar o que nos é mais vital: os recursos que o subsolo pode esconder ou o suporte para a sobrevivência que a mata já nos revelou.
Sim, a Amazônia é essencial pela sua incomparável biodiversidade, da qual ainda pouco conhecemos os préstimos ambientais operados para o resto do mundo. A floresta com certeza encerra um patrimônio genético que poderá nos revelar aplicações inestimáveis para a Humanidade e para o planeta.
Mas por outros motivos talvez mais essenciais a Amazônia precisa ser preservada. Ela é a fonte dos chamados “rios voadores”. São correntes de ar de grandes altitudes que trazem da floresta a umidade que transforma boa parte do Brasil (no Centro-Oeste, Sudeste e Sul) em áreas férteis, quando nas mesmas latitudes no restante do mundo ocorrem desertos, por conta de circulações atmosféricas que controlam o clima do planeta. Devastar a Amazônia seria secar os rios voadores, seria mais catastrófico que bombardear o Brasil como numa guerra de destruição total.
Uma vez devastada, para quê serviria a Amazônia? Pecuária? Cultivo? Os solos da floresta são os chamados latossolos, solos muito antigos e por isso empobrecidos em nutrientes. A exuberante floresta subsiste graças à reciclagem da matéria orgânica, e os nutrientes nela contidos, que provém da própria renovação da mata. Folhas, galhos, troncos formam a serapilheira que cobre o chão da mata, decompõem-se e são imediatamente reincorporados nas novas plantas que crescem. Ao mesmo tempo, a serapilheira preserva a umidade do solo e o protege da erosão. Desmatar, e o pior, queimar, é quebrar este delicado ciclo, e condenar os solos à erosão e à infertilidade.
Enfim, não perceber a essencialidade da preservação da Amazônia demonstra uma imbecilidade só concebível por uma estupidez sem tamanho, ou por uma sôfrega ambição que não consegue deixar ver além do próprio nariz. Essa imbecilidade é a mão que dispara o míssil de destruição contra o Brasil e o planeta.


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

“As guerras do Brasil” e o resgate da História



“As guerras do Brasil” é o título de uma minissérie documentário da Netflix que deve ser vista por todos os brasileiros. São cinco episódios curtos, que nos apresentam pontos de vista que não correspondem à História oficial sobre cinco temas: a colonização e o massacre dos povos originários (os indígenas); a escravidão e o massacre dos negros; a Guerra do Paraguai; a revolução de 1930 que marcou o fim da “República Velha”; a “universidade do crime”, como é chamada a formação de falanges e comandos de criminosos no sistema previdenciário em vigor no país. A seguir algumas passagens desses episódios.
Sobre os povos originários, cuja população poderia chegar a quarenta milhões, e que até hoje chamamos de índios, que para os colonizadores povoariam as Índias, o documentário nos relata como foram vítimas até de inéditas guerras biológicas, dizimados pela varíola e outras doenças propositalmente disseminadas. E o papel dos bandeirantes, heróis oficiais que na verdade eram mercenários cruéis a serviço de inescrupulosos e ambiciosos poderosos.
Sobre a guerra aos negros trazidos da África, o documentário relata o esforço de exterminar os quilombos que se formaram após a “invasão” holandesa, que chegaram a reunir dezenas de milhares de negros foragidos e livres em bem organizadas comunidades. Os negros, essenciais para a economia da cana de açúcar, não eram considerados gente, mas animais de serviço.
Sobre a Guerra do Paraguai, episódio que me pareceu que poderia ter sido melhor esclarecido, nos relata o papel do Brasil ao dar início à guerra, quando interveio no governo do Uruguai. E a obstinação em prosseguir a guerra contra um país já destruído e com uma resistência enfraquecida liderada por um tirano ensandecido. O que não nos explica é o interesse da Inglaterra em deflagrar uma guerra que ao mesmo tempo lhe abriu rentáveis mercados de armas e equipamentos e aniquilou um país que ameaçava emancipar-se e atrapalhar-lhe interesses econômicos e geopolíticos.
Sobre a revolução de 1930, o documentário relata o movimento tenentista que a antecedeu, iniciado em 1922 com a “revolta do Forte de Copacabana”, quando dezoito verdadeiros heróis enfrentaram milhares de soldados num embate simbólico. Os dezoito mártires protestavam contra as fraudes eleitorais e a política viciada dominada por oligarquias que desprezavam o país e o povo. Foram massacrados, mas seu heroísmo iniciou o movimento tenentista que muito contribuiu para o fim da “república velha”.
O episódio “universidade do crime” nos relata a história da origem das falanges e comandos do crime organizado, que dos presídios alastrou-se para as periferias pobres, as polícias e a política. É uma história que vai muito além dos presídios e dos crimes comuns.
Todos os episódios parecem transmitir-nos uma única mensagem: as guerras do Brasil permanecem declaradas nos dias de hoje. Não se trata de luta de classes, mas guerra de classes. Uma guerra de mais de quinhentos anos.

domingo, 4 de agosto de 2019

Você que apoia (ou apoiou) Bolsonaro e a Lava Jato:



- Percebeu que na economia o Brasil está andando para trás, empregos e salários estão encolhendo, e são eles que movem a economia?
- Percebeu que as antes grandes empresas brasileiras, Petrobras, construtoras, aeronáutica, alimentícias, estão sendo sangradas e loteadas graças a acusações de corrupção que acontecem em todo o mundo, mas nos outros países são resolvidas com acordos sigilosos que não esfacelam nem as empresas nem os países?
- Percebeu que a justiça no Brasil nunca antes esteve tão desacreditada, com tantas evidências de facciosismo e iniquidade?
- Percebeu que o país, que já foi símbolo para o mundo de alegria, amizade, prosperidade, soberania, hoje aparece como piada, uma nação desgovernada, com crescente violência e criminalidade, vassala de interesses estrangeiros imperialistas?
- Percebeu que, além das empresas esfaceladas, o desmatamento avança, os agrotóxicos são liberados, crimes hediondos ficam sem solução, o ódio e a discriminação nunca estiveram tão manifestos?
- Percebeu que a Amazônia está sendo tratada como uma virgem a ser deflorada (ou estuprada?) por madeireiros e mineradores, e quem assim a trata parece ignorar que ela é essencial para o equilíbrio ambiental no Brasil?
- Percebeu que a desfaçatez é a atitude perante o desmatamento indiscriminado da Amazônia, embora ele seja mais catastrófico que bombardear o resto do Brasil tal como em uma guerra, pois é a floresta que, com os "rios voadores" que dela provêm, transforma áreas no Centro-Oeste, Sul e Sudeste do país que deveriam ser desertos em áreas úmidas e férteis?
- Percebeu que temas essenciais para um povo prosperar, educação, cultura, direitos humanos, pesquisa científica, justiça, liberdade de expressão, têm sido negligenciados e proscritos, como o foram nos piores regimes de terror da História?
- Percebeu que o país nunca esteve tão dividido, com estados da federação e regiões inteiras contestando imposições desatinadas do governo federal?
- Percebeu que nunca entre nós se acreditou tanto em teorias obscurantistas, que nos países evoluídos já foram ultrapassadas na Idade Média?
- Percebeu que a miséria cresce a olhos vistos, nos moradores de rua, no desemprego, no afrouxamento dos direitos trabalhistas, no encolhimento da aposentadoria, e que a concentração de renda cresce, em nome de um ilusório crescimento que não acontece?
- Percebeu que nunca antes a opção religiosa foi tão influente na política e em outros setores essenciais da vida pública, acabando com o denominado estado laico?
Não percebeu? Então está na hora de acordar. Tudo isto é parte de um bem articulado plano de entregar o Brasil, e seus imensos recursos naturais, energéticos e a posição geopolítica estratégica, aos tirânicos poderes hegemônicos do planeta, que visam definitivamente transformar o Brasil em seu quintal.
E você está colaborando para isso. Não é só sua culpa, pois um colossal massacre midiático é utilizado para manipular a percepção e opinião dos brasileiros. Esse massacre também conspira para entregar nosso país aos interesses estrangeiros.
Mas você ainda pode redimir-se. Corrija-se!

segunda-feira, 22 de julho de 2019

A moeda de troca do bolsonarismo: submissão ou rabo preso?


Publicado no Jornal da Manhã em 23/07/2019.
O caso dos navios iranianos no porto de Paranaguá paralisados por falta de combustível é emblemático. Mostra o que está sendo feito em termos de relações internacionais do Brasil, com efeito sobre as empresas brasileiras, entre elas a outrora gigante Petrobras, e o comércio internacional do país.
Os navios não recebem o combustível pois a Petrobras seria a única fornecedora disponível, e ela se nega a fazê-lo. Razão: “temor” de possíveis retaliações econômicas dos USA, que desde 2018 boicotam o Irã com sanções de todo tipo, acusando o país asiático de quebra de acordo nuclear internacional. Uma acusação muito discutível vinda de um país que há quase um século submete o mundo à força de seu poderio militar.
Os navios trouxeram ureia, uma matéria prima de fertilizantes essenciais para um estado agrícola como o Paraná, e deverão transportar milho, um componente alimentar, de volta ao Irã. Este país é um importante parceiro comercial do Brasil, só no primeiro semestre o superávit comercial brasileiro ultrapassou um bilhão de dólares.
Quantos significados nos traz este episódio! A outrora gigante Petrobras, que tinha uma política independente e alcançava o mundo todo, agora é uma empresa refém dos interesses estrangeiros. A Petrobras foi esfacelada pelas denúncias de corrupção que lhe foram imputadas nos últimos anos, desde a descoberta das gigantes reservas do pré-sal. Corrupção que é regra nas grandes transações internacionais, principalmente naquelas envolvendo energia, mas que governos e empresas resolvem com acordos sigilosos que não quebram nem submetem países e companhias. Não foi o caso com a Petrobras e o Brasil: a corrupção quebrou-nos como país e às nossas grandes empresas, e submeteu-nos aos protagonistas da “total dominação” do planeta, os USA.
Acordemos: o Tio Sam não é a democracia protetora da liberdade e dos direitos humanos, mas é o país que desde as bombas de Hiroshima e Nagasaki vem repetindo os maiores atos de terrorismo e de barbárie no mundo com um único objetivo: o poder hegemônico mundial. Hegemonia quer dizer inexistência de outros polos de poder, como o Brasil ameaçava tornar-se, com seu território, seus recursos naturais, solos agricultáveis, água abundante, localização estratégica na América do Sul e no Atlântico Sul, o extenso mar territorial, o tamanho da população e a indústria e infraestrutura já instaladas.
Mas a submissão da Petrobras e do atual desgovernado governo brasileiro à aspiração hegemônica do Tio Sam nos faz perguntar: qual a razão de nos tornarmos reféns de interesses que parecem contrariar nossos interesses? Será que no Brasil não existem mais patriotas, na política, na justiça, no governo, nas forças armadas, nos empreendedores, que acreditem que o país tenha um futuro promissor independente de ter de submeter-se ao grande poder hegemônico do império estadunidense? Ou a razão seria outra?
Não parece improvável que existam outras razões. Se acreditamos que o Brasil seja um país com um futuro promissor viável, o que nos fazem supor os muitos privilegiados atributos com que nosso país é abençoado, porque estariam hoje nossas grandes empresas e nosso governo curvando-se aos mesquinhos interesses e ditames de Tio Sam? Será que nosso desgovernado governo atual teria rabo preso com o tirânico imperador do norte? Quais seriam as razões deste rabo preso? Talvez a secreta ingerência do império estadunidense nas circunstâncias das eleições que levaram o atual desgoverno ao governo do Brasil? Talvez promessas inconfessáveis para um governo que se mostra igualmente propenso à violência e à dominação?
Está na hora dos brasileiros acordarem, antes que nosso país seja entregue à ganância e à sanha estrangeira de forma irreparável.

domingo, 21 de julho de 2019

O lobo e o cordeiro na nova tropicália



Semelhante àquela antiga fábula de La Fontaine, mas agora já em nossos dias, chegavam, distanciados de uns poucos metros, um lobo e um cordeiro à beira de um regato de águas límpidas, daquelas que se pode beber. Os dois eram candidatos à iminente eleição para a direção do rebanho de ovelhas. Vinham de longas caminhadas e comícios, ambos estavam cansados e sedentos. O lobo vestia um colete militar camuflado cheio de bolsos que pareciam trazer muitos volumes. O cordeiro portava um lenço vermelho de algodão enrolado em torno do pescoço de ondulada lã branca.
Do outro lado do regato, um bando de ovelhas que estava a pastar viu a aproximação dos dois e pôs-se a observá-los. Era um grupo de potenciais eleitores, que logo chamou a atenção do lobo e do cordeiro.
Sequioso que estava, antes de qualquer debate o cordeiro resolveu primeiro saciar a sede. Ao abaixar-se sobre a água límpida ávido por um gole, ouve do lobo situado alguns metros a montante, do mesmo lado do regato:
─ Heeeeiiiii, pode parar! Não está vendo que vou beber dessa água e que se você o fizer antes de mim vai turvá-la e não poderei mais bebê-la? Isso lá são modos de um candidato como você que diz que tem como princípio básico o respeito ao próximo?
Ele falava alto, de soslaio espiava a reação do bando de ovelhas do outro lado do regato. Ficava evidente que queria impressioná-las para ganhar-lhes os votos.
─ Ora, não posso estar turvando a água que vai beber ─ respondeu o cordeiro. ─ Estou à jusante, você é que poderá turvar a água que eu vou beber. Por isso apressei-me para beber antes que isso acontecesse.
─ Ah, logo vi. Seu discurso fala em justiça, em igualdade, mas na hora de beber bem que se apressa para ser o primeiro, sem se importar com a água turva que vai provocar. É bem o que esperar de um comunista...
─ Não turvei a água. Ainda nem consegui beber. E já disse, estou abaixo, eu é que corria o risco de ter a água turvada. E comunista? Quem disse que sou comunista?
─ Ora se esse seu discurso em favor de baderneiros que fazem greves, invadem fazendas, fazem quebra-quebras em arruaças pelas cidades não é discurso de um comunista! E esse seu lenço vermelho, meu caro! Vermelho é a cor dos comunistas, vá agora negar isso. Você já não engana ninguém.
─ Você está enganado! Quem faz greve não é baderneiro, mas é o trabalhador que ganha a vida com o trabalho, e que procura defender seus direitos frente a patrões que parece que lamentam o fim da escravidão e nunca têm sua ambição saciada. Querem cada vez mais explorar seus empregados. Enlouquecem para ganhar tanto dinheiro que nem sabem o que fazer com ele. E as fazendas invadidas são aquelas cujos donos foram condenados por lei. São grandes proprietários rurais condenados por trabalho escravo, trabalho infantil, terras devolutas, sonegação de impostos, fraudes e outros crimes. As manifestações nas cidades são pacíficas, são multidões de ovelhas que querem chamar a atenção para injustiças, para explorações, para desmandos de governantes que se esqueceram do rebanho e passaram a agir em causa própria. Quem faz os quebra-quebras são lobos em pele de ovelhas que se infiltram para desmoralizar as manifestações...
A fala do cordeiro tinha firmeza e razões, e já ia longe demais. O lobo interrompeu-o bruscamente.
─ Isso é conversa de comunistas que sempre enganaram o povo. A História está cheia de exemplos de que o comunismo leva à bancarrota das nações. Veja o caso da França, Rússia, Camboja, Cuba, Nicarágua, Venezuela... Nunca deram certo. Os comunistas são ditadores tiranos, obrigam a trabalhos forçados, encarceram, fuzilam e decapitam seus opositores, separam famílias, sacrificam crianças, usurpam a propriedade do cidadão honesto para entregá-la a bandidos, perseguem religiosos e condenam quem crê em Deus. O próprio Deus é proscrito nessa hedionda ideologia ateísta. Querem dominar o mundo e disseminam enganosamente sua malfadada e infectante doutrina usando as artes, a literatura, a educação... E o comunismo não passa de uma mentirosa utopia.
O lobo revelava-se um hábil orador. O cordeiro procurava mostrar-se sereno, mas era visível que ia perdendo a paciência. Já estava com as patas dianteiras um pouco dobradas e a cabeça um pouco abaixada, como se estivesse prestes a arremeter contra o lobo, embora nem chifres tivesse. Controlando-se, respondeu:
─ Quanta ignorância! Nunca houve verdadeiro comunismo no mundo. Nesses países que você citou aconteceram sim revoluções populares, depois sabotadas por poderes imperialistas estrangeiros ou aparelhadas por homens truculentos e sanguinários que implantaram regimes de terror. Comunismo não é uma utopia inalcançável, é um sonho que a Humanidade vai viver quando conseguirmos ser mais solidários e menos egoístas e selvagens. E nem sou comunista, sou socialista. O lenço vermelho que uso é da cor do sangue derramado pelos patriotas e mártires que tombaram pela justiça e pela liberdade dos oprimidos ao longo da História.
O lobo notou que a fala do cordeiro ia enchendo de brios o rebanho do outro lado do regato. Deixou então de lado a retórica de político e mostrou sua verdadeira natureza. Arreganhou as presas e antes de saltar sobre o cordeiro ainda bradou:
─ Mentiras. Vocês cordeiros são mestres na mentira. Além de mentirosos são falsos. Comem muito mais grama que nós, os lobos, que só fazemos ensinar a cultivá-la para vocês. E por isso a grama anda escasseando.
Assim dizendo, pulou sobre o cordeiro que nem conseguiu reagir, fincou as aguçadas presas no pescoço lanoso e branco, tingiu-o de um rubro sanguíneo que acabou por se confundir com o lenço vermelho. De pronto, ferozmente devorava o pobre cordeiro abatido.
As ovelhas do outro lado do regato ficaram estarrecidas. Um terço delas, intimidado, surpreso e indignado, ficou paralisado mas com crescente revolta interna. Seu voto num outro possível candidato cordeiro estaria fortalecido, não fosse o medo. Outro terço contagiou-se com a raiva, admirou-se do poder do lobo, pensou que se votasse nele tornar-se-ia meio lobo, talvez um dia viesse a ser considerado igual aos lobos e aceito entre eles. Outro terço assustou-se, acovardou-se. Achou melhor ocupar-se de outra coisa, que não aquela eleição próxima. Afinal, tinha-se que pensar na grama a pastar, no inverno à frente, na brancura da lã, na tosquia, nos filhotes. E naqueles constantes sumiços de ovelhas, que ninguém sabia explicar.
E o lobo, após saciar a voracidade e o afã, amansou o jeito, voltou-se para as ovelhas que ainda permaneciam do outro lado do regato e deu início a um rosário de promessas para melhorar a vida no rebanho. Mas não tocou no assunto do sumiço de ovelhas. E nem elas ousaram perguntar.
Moral da história: contra o poder da boçalidade não há argumentos.

domingo, 14 de julho de 2019

Civilização e barbárie



Se pensarmos no tempo necessário para a evolução das espécies, a humanidade é ainda uma criança. Há dez mil anos, com o fim da última grande era glacial, o ser humano começou a cultivar alimentos, acumular estoques, construir cidades e fazer a guerra para saquear os estoques alheios. Dez mil anos é muito pouco comparado com o aparecimento dos primeiros hominídeos, há cerca de cinco milhões de anos.
Demoramos cinco milhões de anos para deixarmos de ser caçadores-coletores e começarmos a nos tornar civilizados, com necessidade de normas para o convívio nas cidades que começaram a surgir. E demoramos dez mil anos para construirmos as megalópoles que temos hoje, a tecnologia de comunicação no mundo globalizado, as armas que são capazes de destruir o planeta. Também nos tornamos capazes de destruir o planeta mesmo sem guerras e sem o uso das armas, graças a uma sociedade consumista e perdulária que não consegue atinar com os limites de exploração do planeta e contamina águas, o ar, os solos, desencadeia o aquecimento global.
Nestes tempos de superpopulação e superexploração do planeta, como temos conseguido conviver numa relativa ordem? Isso pareceria improvável visto sermos ainda uma espécie tão jovem, que desenvolveu tecnologias poderosíssimas mas ainda não desenvolveu a ética, a sabedoria, o bom senso para evitar que a criança que a humanidade é cometa desatinos irreparáveis.
A ordem que vivemos é muito relativa, pois os conflitos armados pelo mundo e as tensões dentro de uma injusta sociedade de classes revelam um equilíbrio muito débil. Mesmo precário, este equilíbrio só é conseguido pelo que denominamos os avanços civilizatórios: a organização em estados com poderes que disciplinam as condutas, um sistema de leis que inibe as transgressões, um sistema educacional que procura ensinar-nos a conviver como seres socializados, e não mais como feras governadas por instintos de supremacia e sobrevivência. Os quais ainda são muito fortes entre nós, embora não gostemos de reconhecer isso.
E se estes avanços civilizatórios entram em colapso? Se os poderes do estado deixam de ser funcionais, se as leis não mais são respeitadas, se a educação ao invés de ensinar-nos o respeito com o próximo ensina a violência e o ódio? Seria a barbárie.
Parece que é isto que estamos vendo acontecer. Os fazedores de leis, o legislativo, deixou de atender às aspirações da população que deveria estar representando, e passou a legislar em causa própria e da poderosa classe dominante que controla a mídia e os recursos financeiros. E cobra caro para cumprir este papel, na forma das verbas liberadas pelo executivo. Este parece ser manipulado pelos interesses globalizados que não conseguem enxergar além do lucro e da dominação: querem apoderar-se de recursos energéticos, de minérios, de solos agricultáveis, de recursos hídricos e pesqueiros, das pouco conhecidas riquezas da Amazônia, querem alastrar seu poder geopolítico sobre os continentes, os mares e os povos, estes vistos como consumidores potenciais.
Ao mesmo tempo, o ensino negligencia os temas que nos tornam mais humanos para enfatizar aqueles que nos tornam mais ferramentas. Devemos ser bons tarefeiros, mas não devemos questionar, não devemos pensar, não devemos aprender a viver em sociedade. Antes, devemos segregar, devemos odiar.
Tal civilização parece estar no caminho do colapso. Ou recuperamos um caminho civilizatório, ou estaremos no caminho da extinção. Quem sabe para dar lugar a outra espécie mais promissora.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Como lograr um povo e um país

Publicado no Jornal da Manhã em 05/07/2019.

Não é tão difícil lograr um país e todo seu povo, basta ter à mão os meios necessários para tanto. Às vezes o cidadão será logrado de bom grado, até ajudará no logro de outros cidadãos. Este cidadão ao mesmo tempo logrado e logrador ambiciona usufruir também dos privilégios do logro.
Mas vamos ao que interessa: o que é preciso para lograr o cidadão comum? Primeiro é preciso um bom número de homens ditos públicos, mas que há muito tempo deixaram de sê-lo. Não têm mais escrúpulos nem princípios éticos, não sabem mais o que seja o espírito público. São políticos, juristas, empresários, pelegos, militares, funcionários. Homens que decidem sobre as leis, os cargos públicos, o uso do dinheiro do país, os rumos a seguir.
Depois, é preciso controlar as informações, isto também é essencial. Vivemos a era da informação. TVs, rádios, jornais, revistas, as mídias sociais devem ser capazes de divulgar somente informações que reforçam o logro, e esconder aquelas que poderiam despertar os logrados.
Terceiro, é preciso que o sistema educacional mantenha os logrados na infantilidade cívica. É mais certo que se tenha sucesso em lograr os analfabetos políticos, incapazes do senso crítico e da autonomia.
Estes são os três ingredientes essenciais para o logro: dirigentes corrompidos, mídia facciosa e mentirosa, povo civicamente infantilizado. Há, claro, muitos outros ingredientes que adicionam requintes ao logro. É preciso ter aliados externos poderosos, eles auxiliam com recursos financeiros, com tecnologia de arapongagem e inteligência, com a farsa das declarações de reconhecimento de uma sórdida diplomacia. É bom que o país logrado tenha o que oferecer a estes poderosos aliados externos. Petróleo, minérios estratégicos, farta água potável, vastos solos agricultáveis, a Floresta Amazônica, um mercado de duzentos milhões de consumidores, o controle geopolítico da América do Sul e do Atlântico Sul, uma enorme extensão de mares territoriais deverão bastar para saciar a sanha desses vorazes aliados externos.
Convém também firmar uma sólida rede nacional de comparsas que controlam a economia do país. São os grandes banqueiros, especuladores, empresários, proprietários de terras, que vivem dos juros da dívida pública e da exploração do trabalho, decidem sobre os investimentos, os empregos, e assim podem sabotar a economia do país, se isto for conveniente para, por exemplo, deflagrar golpes e derrubar governos democraticamente eleitos, se estes se opõem ao grande logro.
Convém também pesquisar sempre as técnicas mais sofisticadas para cooptar os oportunistas que apóiam o logro, e que são conscientes dele. E para engambelar e aqueles que apóiam o logro iludidos, acreditando que ele é a salvação da pátria. Estes, coitados, são a maioria. São os logrados que julgam que são os cidadãos exemplares, que finalmente deixaram de ser ignorados, e agora são paladinos da cidadania. Exibem as cores da bandeira sem noção que estão a serviço do loteamento do país para a rapinagem internacional.
Estes logrados acreditam que agora a boa índole inerente de políticos, autoridades, patrões vai resolver os problemas do país. E consuma-se assim o logro.

sábado, 29 de junho de 2019

Operação Lava Jato – o estertor da justiça


 Publicado no Jornal da Manhã em 29/06/19, sob o título "Operação Lava Limpo"
Boa parte da população brasileira vê na Operação Lava Jato o remédio para um mal crônico que sangra a saúde moral e econômica do país: a corrupção. Mas urge refletir sobre a verdadeira razão da operação.
Combater a corrupção enraizada no modo de ser do brasileiro é necessidade capital. Mas acreditar que ela foi inaugurada e é exclusiva de um único partido ou ideologia política é um erro que põe a perder qualquer tentativa honesta de debelar o mal. Seria como acreditar que a cura de um paciente com metástase generalizada pudesse ser realizada cortando-se um dedo que apresentasse sintomas de degeneração.
É preciso que o povo brasileiro tenha a lucidez e a honestidade de reconhecer que a corrupção está disseminada entre nós, mesmo nas situações mais prosaicas, como burlar o fisco na declaração ou na emissão das notas, infringir leis de trânsito e trabalhistas, furar a fila, estacionar na vaga preferencial, “errar” o troco na compra...
A Operação Lava Jato, não é de hoje com as revelações da The Intercept Brasil, vem de há muito tempo sendo denunciada por juristas probos, nacionais e internacionais, como uma manobra facciosa, repleta de ilegalidades, não destinada a combater a corrupção, mas sob esse falso pretexto, massacrantemente alardeado pela grande mídia conluiada, afastar governantes que procuraram conduzir o Brasil por caminhos que contrariam interesses transnacionais: promoveram inclusão e emancipação social, integração nacional, soberania diante da rapinagem externa, recuperação da autoestima, da dignidade e do patriotismo...
A Lava Jato desvirtuou-se, se já não nasceu intencionalmente desvirtuada. Assim fazem crer os muitos indícios já revelados, mas propositalmente ocultados ou minimizados, de que é parcial e visou colocar o país sob o mando de dirigentes subservientes que estão permitindo a rapinagem e o loteamento de nossas riquezas naturais, de nossas empresas estratégicas (petróleo, energia, aviação, estaleiros, construtoras...) e de setores essenciais para um país que busca diminuir os abismos sociais e ser soberano (educação, saúde, leis trabalhistas, previdência, pesquisa científica, moradia, infraestrutura...).
O Brasil não precisa de uma Operação Lava Jato que na verdade visou alçar ao poder dirigentes fantoches cúmplices no loteamento do país em favor da rapinagem internacional e seus prepostos nativos.
O Brasil precisa de uma Operação Lava Limpo, que combata com firmeza a corrupção e resgate a ética, a equidade e a esperança de uma grande nação.
Aliás, todo motorista sabe que lava jatos são alternativas de segunda categoria, apressadas, para uma limpeza superficial, de aparência, e que na verdade com o tempo degradam os veículos.