domingo, 25 de junho de 2017

Farinha do mesmo saco?

 Diante da chuva de denúncias de atos ilícitos envolvendo as maiores autoridades do país, de governantes, do legislativo e do judiciário, algumas dúvidas emergem: são todos iguais, farinha do mesmo saco? Não se pode mais confiar em ninguém? O que será do Brasil? O que podemos fazer por nós e pelo país? Não há mais esperança?
Perguntamo-nos se, seja qual for o partido, seja qual for a ideologia, seja qual for o cargo, seja qual for a origem e os eleitores, são todos ou corruptos de nascença, ou corruptíveis pelo sistema político degenerado que se instalou no país.
Há as chamadas pedaladas fiscais, o superfaturamento de obras, as propinas de empresas, o uso de verbas ilícitas nos caixas dois e três de campanhas eleitorais, o suborno de governantes, políticos e juízes para compra de decisões, a arapongagem (escuta ilegal), os desvios de verbas públicas... São muitos crimes! Há como distinguir quais os mais ou menos desprezíveis? Mas, por certo, todos são crimes, e todos têm que ser firmemente combatidos.
Mas talvez existam níveis de criminalidade mais nefastos. Entre eles, o de julgar que seres humanos não sejam iguais, que sempre haverá um grande rebanho de párias inferiores, que precisam ser sacrificados em nome da satisfação dos desejos dos privilegiados das castas nobres. Os praticantes deste crime são segregacionistas, intolerantes com diferenças de raça, religião, cultura, sexo, ideologia, classe social...
Ele confunde-se com o crime da soberba, com o próximo, com animais e plantas, com a nação, com o planeta. Este crime resulta da falta de percepção do mundo para além de si mesmo. Resulta de um exacerbado egocentrismo, que gera não só a ambição insaciável, mas também a falta de princípios éticos, a falta de fidelidade a um ideal, a um grupo ou família, a um programa de partido, a um país. Os praticantes deste tipo de crime são capazes de assaltar os cofres públicos, envenenar alimentos, sabotar a merenda escolar, falsificar medicamentos, enganar os eleitores e amigos, empobrecer os pobres e enriquecer os ricos, contaminar as águas e o ar, exaurir os solos, ameaçar a biodiversidade, lotear empresas, terras e o patrimônio natural do país.
Será que hoje em dia todas as autoridades têm cometido os mesmos tipos de crimes? Talvez uma maneira de discernir entre os tantos erros e crimes que têm sido cometidos é procurar enxergar quem tem cometido os crimes de discriminação social, de entrega dos bens e riquezas do país e de disseminação da desesperança.
Não pode haver crime pior do que o da desesperança. Há que cultivar a esperança para evoluir no sentido da justiça social, da soberania, da liberdade, da qualidade de vida, da solidariedade, da alegria de viver e do aprofundamento da cultura, da arte e da sensibilidade. É isto que têm pregado os profetas das religiões, que temos venerado ao longo dos milênios, mas cujos ensinamentos resistimos assimilar.
Entre os tantos crimes que têm sido cometidos nos tempos atuais, é imprescindível saber discernir. Há entre eles erros que são passíveis de correção. Errar é humano, e mais humano é reconhecer o erro e procurar corrigi-lo.
Mas a índole de semear desesperança e acomodação para amealhar proveito próprio, este é um crime que tem que ser vencido com firme luta. A luta pela esperança. Luta por mudança, que se alcança com discernimento e engajamento.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Esperança

Publicado no Diário dos Campos em 15/06/2017

O Brasil é um país singular, talvez por este motivo tenhamos tanta dificuldade de deixar de ser o país do futuro para nos tornarmos uma nação do presente, com justiça, qualidade de vida e soberania. Temos uma dimensão continental, um povo miscigenado, o que, se não chega a eliminar segregações, muito às reduz em comparação com outros países, somos riquíssimos do ponto de vista de recursos e maravilhas naturais, nosso povo fala uma única língua e tem índole alegre, amistosa, pacífica e otimista. 

Mas sabemos muito bem que virtudes despertam a cobiça e a inveja. Por isso, é preciso saber proteger as virtudes. É possível que em primeiro lugar, neste momento que vive o país, seja necessário proteger a índole amistosa, pacífica e otimista de nosso povo. Estas virtudes serão essenciais para que possamos defender as demais.

A índole amistosa e pacífica parece andar estremecida pela polarização em torno de escolhas ideológicas e partidárias. É antiga a máxima de que com amigos não devemos discutir religião, futebol e política. Mas agora diferenças de opinião sobre política resultam em inimizades e mesmo hostilidades e agressões. Se refletirmos desapaixonadamente, constatamos que erros e acertos existem nas várias tendências políticas e partidárias, mas como nunca antes lados opostos acusam-se mutuamente de corruptos, bandidos e entreguistas, ao mesmo tempo em que se consideram donos da verdade e da santidade. O que teria conduzido o povo amistoso e pacífico a essa agressividade? Estaríamos sendo vítimas da disseminação de uma planejada discórdia, atendendo ao aforismo “dividir para governar”? E, se assim for, quem quer nos governar?

A alegria e o otimismo do povo brasileiro parecem também estar em crise, junto com a índole amistosa e pacífica. Um dos indícios da falta de confiança no país tem sido demonstrado pelos jovens talentosos e idealistas, que se qualificam profissionalmente em nossas universidades. Assim que obtêm o diploma, cogitam obter colocação profissional em Portugal, no Canadá, na Inglaterra, na Austrália... Dizem que o Brasil não oferece bons postos de trabalho, e, principalmente, o país não oferece perspectivas de um futuro seguro no que concerne ao trabalho, à justiça, à dignidade, à liberdade... E assim preferem ir-se embora.

Já houve época, lá pelos anos 1960-70, que jovens talentosos e idealistas abandonavam o país. Naquele tempo, exilar-se era questão de sobrevivência. Se ficassem, não poderiam manifestar suas ideias, não poderiam nem conversar sobre elas, sob risco de serem tachados de terroristas subversivos, e serem presos, torturados e até “atropelados” ou “suicidados”. Até os dias atuais ainda pagamos tributo àqueles sombrios tempos, pois muitas das mentes mais brilhantes do país ou evadiram-se para não mais voltar, ou foram caladas, ou calaram-se sob o peso de traumas inimagináveis. E deixaram um vácuo de idealismo humanista e patriótico que influencia até hoje as novas gerações.

Agora as razões para a desesperança no país são outras. Não é possível acreditar na construção de uma nação com os poderes todos tão corrompidos. Se não encontrarmos um caminho para que a ética e a solidariedade voltem a orientar os brasileiros, povo e autoridades, em breve o país estará entregue a uma quadrilha enraizada no poder e seus vassalos.