domingo, 25 de junho de 2023

Uma guerra contra o Brasil

 Publicado no Jornal da Manhã em 15/08/2023.

“Uma guerra contra o Brasil – como a Lava Jato agrediu a soberania nacional, enfraqueceu a indústria pesada brasileira e tentou destruir o Grupo Odebrecht” é o título e longo subtítulo de livro de autoria de Emílio Odebrecht (Topbooks Editora, 2023), que acaba de ser lançado. À época do início da Operação Lava Jato, em 2014, o autor era presidente do Conselho de Administração da Odebrecht, um grupo de empresas atuante principalmente na área de construção pesada, no Brasil, América Latina e África.

A Lava Jato, comandada por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, ordenou então a prisão de vários executivos da Odebrecht, incluindo os filhos de Emílio, acusados de atos de corrupção na condução das empresas do grupo. De acordo com o autor, transações financeiras normais do cotidiano das empresas foram consideradas como propinas e outros ilícitos, apesar dos detidos negarem as acusações.

O que Emílio relata então, com a prisão e pressão sobre os detidos para que cooperassem em delações premiadas, remete ao suplício narrado por Frédéric Pierucci, francês executivo da Alston autor do livro “A arapuca estadunidense – uma Lava Jato mundial” (Kotter Editorial, 2021): a tortura psicológica e até física para os detidos confessarem crimes que não cometeram e delatarem supostos cúmplices, permitindo que promotores e juiz aprisionassem outros executivos e estrangulassem suas empresas com pesadas multas e sanções de todo tipo. Pierucci era então um executivo de segundo escalão, foi preso nos EUA para que os diretores principais da Alston, reféns mantidos livres mas chantageados, sob ameaça de prisão e penalidades ainda piores, pudessem negociar a venda da empresa francesa para a concorrente estadunidense, a General Electric. O que de fato aconteceu.

Emílio, diretor principal do Grupo Odebrecht, não foi preso, mas seus filhos foram. O pai teve então de cuidar das empresas e famílias acéfalas, enquanto negociava com os lavajatistas o destino dos encarcerados e das empresas. O relato do autor revela como a operação visava destruir a Odebrecht, e outras empresas da área de construção pesada, bem como da área de petróleo, como a Petrobras, e de alimentos. O objetivo da operação não era combater a corrupção, mas era impor pesadas multas e tornar inoperantes, senão eliminar, empresas brasileiras que estavam concorrendo com similares estadunidenses, principalmente na América Latina e África.

Resumindo, a Lava Jato subverteu a noção de justiça e de ética no Brasil, graças ao vergonhoso apoio da grande imprensa, que promovia espetáculos midiáticos ao vivo das prisões, buscas e conduções coercitivas ilegais, para manipular a opinião pública. Os alvos da operação eram previamente demonizados e midiaticamente linchados. Instâncias jurídicas superiores foram emparedadas, tornaram-se incapazes de contrapor-se aos descalabros da ignominiosa operação.

Emílio encerra o livro enumerando todas as provas de que a Lava Jato foi uma operação organizada e patrocinada nos EUA, visando impedir a eleição de Lula e quebrar o país que era então a sétima economia do mundo, e que sonhava tornar-se soberano, livre da tutela e do jugo do Tio Sam. O autor reproduz fidedignos cálculos do Dieese ─ Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ─ que apontam as consequências da Lava Jato: 4,4 milhões de empregos a menos no Brasil; perda de 3,6% do PIB nacional; redução de R$67,7 bilhões em arrecadações do governo; redução da massa salarial do país em R$85,8 bilhões. Isso sem contar as inúmeras perdas de contratos internacionais das empresas prejudicadas. E, ademais, a criminosa operação escancarou a “caixa de Pandora”, que iniciou o ciclo de descrédito na justiça, na política, na mídia, de ódio ideológico, de negacionismo e cegueira moral, ética e religiosa em que o país ainda se encontra submerso.

Os dois livros suscitam um terceiro título: “A arapuca estadunidense declarou guerra contra o Brasil”. Ela venceu a primeira batalha, mas já vem sofrendo reveses. Quem sairá vitorioso ao final, ainda veremos. Mas é preciso que todos os brasileiros conheçam o que revelam os dois livros, e unam-se para frustrar o plano de perpetuar nosso país como colônia dilapidada, exportadora de matérias primas com preços aviltados. O eterno “país do futuro”, mas sempre o país da injustiça e da pobreza.

sábado, 17 de junho de 2023

O desafio progressista

 Publicado no Jornal da Manhã em 29/06/2023.

Vamos convencionar entender por “progressista” tudo aquilo que visa transformar a sociedade atual, de privilégios e concentração de renda, em outra sociedade. Esta outra com mais justa distribuição de oportunidades e da riqueza, que é gerada por todos os que trabalham. Esta ideia de “progressista” confronta a ideia de neoliberalismo. Liberal, no caso, quer dizer a liberdade dos mais poderosos, donos do capital e consequentemente dos meios de produção e das oportunidades, continuarem explorando e precarizando o trabalho e concentrando renda.

Neoliberalismo acrescenta às ideias liberais o chamado “estado mínimo”, aperfeiçoando a “liberdade” dos liberais, que sem o controle estatal têm ainda mais independência para impor formas de produção que permitem que poucos se locupletem às custas do empobrecimento de muitos. As desigualdades econômicas e sociais nunca foram tão agudas como neste primeiro quarto do século XXI, após cinquenta anos do “laissez-faire” do neoliberalismo, que pode ser traduzido como “o mais forte sempre tem razão” da fábula do lobo e do cordeiro de La Fontaine.

O neoliberalismo dos últimos cinquenta anos não está mais conseguindo esconder suas nefastas consequências: crescente injustiça, conflitos e insegurança social, criminalidade, radicalismo, intolerância, guerras, crises ambientais e sanitárias, colapsos financeiros, sanções e embargos econômicos, ruína ética, moral e religiosa, falência da verdade e da credibilidade dos meios de comunicação... O agravamento da crise da civilização atual resulta também de outros fatores: população de oito bilhões; consumismo exacerbado; meio ambiente degradado; lucro desmesurado de poucos; muitas armas de destruição em massa; planeta conectado em tempo real, agudizando os “efeitos cascata”; verdade distorcida em favor de interesses inescrupulosos...

Diante dessa desastrosa realidade, empunhar a bandeira progressista é um difícil desafio. Primeiro, pelo desleal embate com a elite privilegiada do arranjo atual, que domina a mídia e a política, e não quer perder suas regalias. Segundo, pelo fato que parte dos explorados ou não enxerga que o seja, ou tão simplesmente aspira ascender economicamente e vir a fazer parte do restrito grupo de apaniguados do sistema.

Mas o pior inimigo dos progressistas é interno: é aquele lado sombrio que todo ser humano também tem dentro de si, por mais que sua consciência já o tenha convencido da urgência de ser compreensivo, solidário e amoroso para com o próximo e o planeta. Muitas qualidades negativas ocultam-se nesses sombrios pântanos da psique do Homo sapiens: vaidade, egocentrismo, individualismo, ciúme, ambição, arrogância, ignorância, medo...

É o animal selvagem que ainda trazemos dentro de nós, e que temos que ir aprendendo a domar a cada dia. É esse lobo que muitas vezes faz com que, mesmo entre progressistas, o ideal maior de prosperidade da coletividade seja suplantado pela ambição pessoal. Aí é perder o rumo da causa! Esquece-se de combater o monstro da desfaçatez que conduz a civilização à barbárie, perde-se o foco em disputas por cargos, prestígio e favorecimentos. O mesmo jogo da elite reacionária a ser combatida. Os progressistas acabam movidos pelo fisiologismo e o clientelismo, igualando-se àqueles que pretendiam combater.

Domar o lobo e unir-se em prol da justiça social deve ser o farol dos progressistas.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

O Fantasma assombrou as curucacas

 

Neste último domingo, finalmente, depois de 27 anos morando em Ponta Grossa, a esposa e eu nos animamos a ir ver um jogo do Operário Ferroviário ─ vulgo Fantasma ─ no Estádio Germano Krüger ─ vulgo Vila Oficinas ─ na cidade. Que demora! Uma combinação de fatores cooperou para a tão adiada ida ao campo de futebol, que não fica longe de nossa casa na Vila Estrela: uma tarde de domingo de tempo muito agradável, horário amistoso, no meio da tarde, e, principalmente: o adversário do Operário seria o CSA de Maceió, time de coração da minha esposa alagoana.

Formávamos então um casal peculiar na arquibancada coberta do estádio, onde quase todos vestiam camisas alvinegras listradas do Operário: eu torcedor do Santos, o Operário como segundo time; ela torcedora do Corinthians, e depois CSA, Flamengo e Operário, não sei bem dizer em que ordem. Tive de pedir a ela que não comemorasse muito efusivamente caso o CSA marcasse, não sei qual seria a reação dos operarianos à nossa volta. Notava-se que eles estavam muito enfurecidos, seu time do coração parecia não estar correspondendo às expectativas da aficionada torcida. Mas encontramos um estimado amigo, devidamente uniformizado. Juntar-nos a ele foi um alívio.

A mim parece que o jogo foi sofrível: pouca técnica, muitas faltas, poucas jogadas bonitas e ocasiões de gol. Ironicamente, vimos um gol marcado pelo CSA, contra sua própria meta, e a vitória do Operário: 1X0. Um gol e um placar que bem refletiram a partida. Mas tenho de reconhecer, embora os dois times tenham me parecido muito fracos, ambos foram empenhados e aguerridos. Mais fracos que meu Santos de sempre, mas com mais alma que o time para o qual aprendi a torcer escutando com meu pai, pelo rádio de ondas curtas ─ eu com menos de dez anos ─, o Peixe, com Pelé, conquistando campeonatos mundiais.

Se já há 27 anos adiávamos a ida ao estádio perto de casa para ver o Operário, há exatamente 40 eu não ia ver um jogo no campo. Foi uma experiência agradável, apesar da partida não ter sido das mais emocionantes. É muito diferente de acompanhar um jogo pela televisão: ter a visão completa e pessoal da arena, sentir o clima dos torcedores e dos jogadores, dentro e fora das quatro linhas, são sensações únicas.

Mas um detalhe, que talvez muitos não tenham percebido, capturou-me a percepção e marcou-me a memória daquele domingo à tarde: no início do segundo tempo do jogo, a luz do dia já se esvaindo, um par de curucacas subitamente assomou voando alto por detrás da cobertura das arquibancadas, e tão rápido quanto surgiu deu meia volta e retornou para os gramados de treinamento detrás do estádio, de onde tinham vindo. Fiquei com a nítida impressão que eram frequentadoras habituais do gramado de Vila Oficinas nos finais de tarde, e foram surpreendidas, assustaram-se com a multidão de torcedores e os inquietos jogadores que tinham invadido seu pasto. Como se sabe, curucacas são aves adaptadas à vegetação nativa dos Campos Gerais do Paraná; a esposa e eu não as conhecíamos antes de mudarmos para cá. Para elas, pastar nos gramados dentro da cidade deve ser um privilégio. É capaz mesmo que, assíduas no campo do Operário, até já tenham sido batizadas pelo pessoal da casa. Gaspar e Lilith, talvez?

Fiquei também a pensar se não foram as curucacas que assombraram o time do CSA e provocaram o gol contra que deu a vitória ao Operário. Será?

sábado, 10 de junho de 2023

Quanto pior melhor

 Publicado no Jornal da Manhã em 10/06/2023.

Há quem, reagindo com o fígado a graves questões ideológicas e políticas, abrace o “quanto pior melhor”, uma versão do “quero ver o circo pegar fogo”. Gente que desdenha a sorte das gerações futuras e do Brasil nação. Mas na eleição de 2022 para a presidência no Brasil, os eleitores votaram no avanço. Venceu o sonho de um país com justiça social, próspero e soberano.

Anos de retrocesso tivemos desde as “jornadas de junho” de 2013, que culminaram com o golpe que afastou Dilma e o lawfare que prendeu ilegalmente Lula e gerou a criatura Bolsonaro. Retrocesso moral, ético, civilizatório, econômico. Sim, econômico! Ainda não foram revelados todos os rombos deixados pelo desgoverno vencido nas últimas eleições. Há quem diga que a economia foi bem. Foi? Sim, o agronegócio rendeu muito. Graças à valorização das commodities agrícolas no rastro de guerras e crises internacionais. Quem ganhou com isso? A população? Não! Foram os grandes proprietários rurais. Nos últimos anos os ricos ficaram ainda mais ricos, e os pobres ainda mais pobres.

Agora ressurgem os antidemocratas, de novo mal agourando anos de retrocesso para o governo Lula. Os mesmos que, após a reeleição de Dilma em 2014, não só boicotaram, mas sabotaram o governo que tentava diminuir os abismos sociais no Brasil. Fizeram de tudo, desde sonegar investimentos e contratações, promover demissões, sonegar estoques, fomentar paralizações e até alimentar a boataria alarmista negativista que apavora o leviano deus mercado.

A lógica reacionária antidemocrática é a lógica do lucro absurdo de uns poucos que se locupletam às custas da maioria da população, mantida na pobreza. Liberdade, nessa lógica nefasta, é poder continuar explorando o trabalhador, em benefício da atrasada elite econômica, que ainda não superou a monarquia e a escravatura. É a lógica do Estado mínimo e do mando do interesse privado, que submete não só o cidadão, mas todo o aparato de governo. Essa é a lógica que promove a obscena concentração de renda, a precarização do trabalho e a disseminação da miséria. É a lógica que origina a secular guerra social, a criminalidade e a insegurança. A verdadeira prosperidade alicerça-se não nesta perversa lógica, mas na justiça social, na igualdade de oportunidades, na valorização do trabalho, na distribuição de renda e no fomento à dignidade humana.

A liberdade do indivíduo vai até onde começa a liberdade do outro; daí a necessidade de governos fortes e com propósito. A China soube aplicar este princípio. Por esse motivo, após livrar-se dos impérios que a sangravam, imunizou-se contra interesses alienígenas e impôs severa regulamentação estatal sobre a atividade privada. Por isso prospera econômica e socialmente.

Há íntima cumplicidade entre a elite brasileira movida pelo lucro e interesses hegemônicos internacionais, econômicos e ideológicos. Os privilégios e ambições são mantidos à custa de intervenções armadas, embargos, especulações de mercado, golpes contra democracias, guerras midiáticas, cognitivas e jurídicas. Países que tentam manter-se soberanos frente à voracidade do império são demonizados. Ou são embargados, ou sofrem golpes para entronizar tirânicos governos fantoches, ou foram já invadidos, destruídos e subjugados. Cuba, Venezuela, Chile, Vietnam, Afeganistão, Iraque, Irã, Síria, Líbia, Brasil, Ucrânia são só alguns dos muitos exemplos.

A elite antidemocrática não vai largar o osso. Não vai deixar de apostar no “quanto pior melhor” enquanto o governo for de viés popular e contrariar sua ganância. Cabe então ao povo assumir seu papel na História.

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Alarme falso

 

Divirto-me, toda manhã bem cedo, esparramando no jardim quirera misturada com alpiste e painço e depois ficar, ao longe, observando a passarada ciscar: avoantes, rolinhas, pássaros-pretos, canários-da-terra e, ultimamente mais raros, pardais e tico-ticos. É um furdunço, entremeado com desnecessárias escaramuças, que parecem resultar mais da necessidade de alguns dos pássaros satisfazerem seus egos dominadores do que de legítimas disputas pelo alimento.

Curioso, as pendengas acontecem entre membros da mesma espécie, não as vejo entre os pássaros de espécies diferentes. Que estranha lei da natureza é essa, que faz os iguais competirem movidos pelo impulso do predomínio, e não da solidariedade! Talvez um instinto útil na sobrevivência e evolução das espécies: a competição favorece que os genes do mais forte gerem os descendentes, que terão maior probabilidade de sobreviver.

Os seres humanos parecem ter semelhanças e diferenças com esta regra mostrada pelos pássaros: competimos sim, sem necessidade ─ a não ser a da dominação ─ entre nós, mas também exterminamos o diferente. Nunca houve uma espécie tão devastadora de outras espécies como nós. Ainda atualmente, após milênios de civilização e de reflexão sobre a vida e a natureza humana, parecemos pouco ter superado os instintos que observamos nos pássaros e outros animais. Fato agravado pela nossa engenhosidade inventiva, que nos faz capazes de destruir toda a vida no planeta.

Noutros aspectos também somos muito parecidos com o bando de pássaros ciscando a quirera. Às vezes, muitos deles entretidos com os grãos e, subitamente, sem causa compreensível para mim que os observo, eles estrondam numa revoada sincronizada com impressionante exatidão, assustados por algo que me escapou. Depois de muito observá-los, constatei que o ato de ciscar nunca é desatento e relaxado. Os pássaros sempre estão muito ariscos, espreitando todos os lados à espera de algum perigo iminente. Um mais nervoso, que de repente voe assustado, desencadeia pronta reação de todo o bando. Pareceu-me compreensível, eles são inofensivos granívoros, vulneráveis presas de muitos predadores que frequentam os jardins e parques da cidade, desde os pequenos gaviões até os felinos domésticos.

Pobres presas! Sempre estressadas, sempre alertas, sempre amedrontadas. E às vezes debandadas por alarmes falsos; o medo cria o motivo para a fuga intempestiva, mesmo que não exista uma razão real. Nisto também os humanos se parecem com elas? Parece que sim. Além de competirmos entre nós, estamos sempre amedrontados e paralisados por perigos muitas vezes irreais: a vingança dos deuses, a ditadura do proletariado, a morte precoce, a ideologia comunista, a invasão dos sem-terra...

Quando a humanidade deixará de ser enxotada ─ ou entrevada ─ pelos propositais alarmes falsos que cultivam o individualismo, a ignorância e a alienação?