Diferentemente dos animais selvagens,
que vivem um autêntico salve-se quem puder constante, imposto pela lei do mais
forte e da seleção natural, os humanos têm artimanhas que tentam disfarçar quem
devora quem, e como se dá essa antropofagia. A humanidade ainda não emergiu de
fato da predação que impera no mundo animal, mas muito evoluiu nos engodos para
iludir as domesticadas presas, às vezes fazendo-as crer que também são
predadores do topo da cadeia alimentar, ou candidatos a chegar lá.
Uma destas grandes hipocrisias humanas é
a existência dos paraísos fiscais e seus bancos, que acolhem contas secretas
com correntistas anônimos. É nessas contas que vai parar todo o dinheiro sujo
do mundo, de trambiques financeiros, tráfico de armas, drogas e pessoas,
corrupção de homens públicos e privados, quadrilhas nacionais e internacionais,
butins sangrentos de tiranos ferozes. A existências dessas contas secretas
anula todo o esforço mundial em honestidade, justiça, segurança e legislação
para controlar o crime. E elas são candidamente toleradas.
Outra grande hipocrisia, também com
reflexos desde individuais até universalizados, é o suposto celibato de
religiosos, imposto por certas igrejas. Esta hipocrisia é delicada, implica
enveredar pelo mais recôndito da natureza humana, pois trata da sexualidade.
Tema tão cheio de tabus e controvérsias, que preferimos manter proibido.
Incompreensível como um filme que tenha cenas de amorosa sexualidade seja mais
rigorosamente censurado que outro que escancara carnificinas e crueldades, às
vezes antes impensadas pelos expectadores. O sexo é a segunda prioridade
natural para a preservação da espécie ─ a primeira é a alimentação. No entanto,
ainda hoje é assunto tão cheio de preconceitos e pudores que é transformado
numa das principais causas de distúrbios emocionais-afetivos e de crimes sexuais.
Os onipresentes escândalos envolvendo religiosos que praticam abusos, assédios
e pedofilia mostram isso. Está mais que na hora de começarmos a ver o que há de
sublime na sexualidade, e não de pecaminoso.
A igreja é outra grande hipocrisia. Não
a religião, lembrando que “a igreja separa os homens, a religião une”. A igreja
doutrina para dogmas que refletem a ambição de prelados carismáticos e
poderosos. A religião busca despertar o “eu superior” existente em todo ser
humano, seja ele de qual igreja for. Como regra geral, a igreja é aquela
confraria que absolve e legitima, na hora da oração e da confissão, todos os
pecados cometidos em todas as outras horas, passadas e futuras.
Não se pode falar de hipocrisia sem
falar nas democracias representativas. Os eleitos teoricamente representam os
eleitores. Então como é possível que nas decisões os parlamentares possam votar
secreto? Como os eleitores vão saber se os seus eleitos estão sendo leais? Aliás,
se fossem leais, se a representatividade não fosse um logro, as leis, os
governos, os homens públicos seriam muito diferentes do que realmente são.
Outra grande hipocrisia, ou grande enganação,
é a crença de que as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki tenham sido uma
reação proporcional ao ataque surpresa a Pearl Harbor. Esta é outra grande e
duradoura mentira que tem que ser desmascarada. Pearl Harbor era alvo militar;
as duas cidades japonesas tinham população civil ─ lares, creches, hospitais,
escolas, templos religiosos. O Japão não tinha declarado a guerra aos EUA, este
já a havia declarado um século antes, obrigando a abertura comercial do país
oriental com frota de naus de guerra e seus canhões na Baía de Tóquio. E as
bombas atômicas não visaram intimidar os japoneses e abreviar a guerra; visaram
aterrorizar o mundo. Foi o maior ato terrorista da História.
A humanidade tem muitas outras grandes
hipocrisias, talvez até mais escandalosas que estas. É imperioso desmascará-las
para progredirmos.