quarta-feira, 24 de novembro de 2021

John Kiriakou, ex-agente da CIA: “Parceria Lava Jato-EUA foi movida por ódio e dinheiro”

Trecho de entrevista publicada no Diário do Centro do Mundo por Kiko Nogueira em . Veja a íntegra em:

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/exclusivo-parceria-lava-jato-eua-foi-movida-por-odio-e-dinheiro-diz-ao-dcm-ex-agente-da-cia/

 O DCM falou com exclusividade com John Kiriakou, ex-agente da CIA que foi condenado em 2013 à prisão por vazar informações sobre o programa de interrogatórios de prisioneiros da Al Qaeda. Por “programa de interrogatórios” leia-se “tortura”. Ele foi o primeiro whistleblower a denunciar esses crimes no contexto da “Guerra ao Terror”. Libertado em 2015, lançou livros e dá palestras contando sua experiência. Kiriakou falou com Sara Vivacqua sobre sua carreira, o recrutamento, o cárcere, e também de Moro, Dallagnol, os Bolsonaros e Steve Bannon. A Lava Jato, diz ele, “é um excelente exemplo da interferência dos Estados Unidos nos assuntos internos de outro país”. A seguir, o trecho da entrevista referente ao Brasil:

 

DCM - O ex-juiz e ex-ministro da justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol tiveram uma colaboração secreta, extraoficial e conivente com o Departamento de Justiça dos EUA, o DOJ Tudo em nome da luta anticorrupção. Você pode nos explicar qual é o papel do governo dos EUA em tais operações no exterior e como eles cooptam essas figuras como Moro e Dallagnol?

Esta não é uma teoria da conspiração. Esse é um excelente exemplo da interferência dos Estados Unidos nos assuntos internos de outro país. Isso é algo que em qualquer outra situação resultaria em um muito forte protesto diplomático, porque realmente é uma interferência.

E não é apenas o Departamento de Justiça. Eu gostaria de alertar as pessoas que também o Departamento de Estado, o Departamento de Justiça e o Departamento do Tesouro se envolvem em acusações de lavagem de dinheiro que aparecem do nada, ou acusações de corrupção. Esse é o Departamento do Tesouro. E agora, temos que nos preocupar com o Departamento de Segurança Interna também. E o tempo todo você também tem a CIA trabalhando nos bastidores.

Então isso não é uma conspiração, este é um esforço concertado dos elementos mais importantes do governo americano para, essencialmente, instalar líderes no exterior de quem eles gostem e que irão apoiar a agenda americana, e para destruir, não apenas para atrapalhar, mas para destruir aqueles líderes que não apóiam a agenda americana. Além disso, nos Estados Unidos têm dois partidos: os democratas e os republicanos; e os republicanos chamam os democratas de “esquerda radical”, e os democratas chamam os republicanos “a direita radical”.

A verdade é que ambos são partidos de centro. Os democratas estão um pouco à direita de centro e os republicanos estão muito à direita do centro. Não há nada de radical nos democratas, não há nada de esquerda nos democratas, mas com isso dito, no exterior qualquer pessoa cuja ideologia esteja à esquerda dos democratas é comunista e o comunismo é uma ameaça aos Estados Unidos. Essa é a mentalidade aqui, e aqui estamos todos esses anos depois da queda do muro de Berlim e da dissolução da União Soviética, as pessoas ainda estão obcecadas com a ideia de movimentos políticos progressistas no exterior.

Nos Estados Unidos as pessoas estão indignadas agora que Daniel Ortega voltou a ganhar a presidência da Nicarágua, por exemplo. O governo Biden, que se supõe tão progressista e radicalmente de esquerda, recusa-se a restabelecer relações diplomáticas com o governo de Cuba.

Olhe o Brasil, olhe o presidente Lula, olhe para Dilma Rousseff, eles não tinham más intenções contra os Estados Unidos. Eles foram eleitos democraticamente em seu país e os Estados Unidos decidiram: “Não gostamos deles, queremos alguém bem mais à direita”. Então, ao invés de interferir na eleição ou talvez eu deva dizer apenas interferindo nas eleições, um programa foi traçado para destruí-los e assim o pobre presidente Lula acabou na prisão, a presidenta Dilma Rousseff acabou com a reputação destruída e o mundo acabou com Jair Bolsonaro.

Todos esses vazamentos mostrados para quem tem olhos e pode ler, pode ver o vazamento e pode ver por sua própria boca e sua própria admissão de que eles se envolveram extraoficialmente com o Departamento de Justiça, mas não só, que havia mais. Vazaram mensagens em que o procurador Dallagnol se referia à prisão de Lula como um presente da CIA. E depois Jair Bolsonaro e Sergio Moro, o juiz que colocou Lula na prisão, fizeram uma visita inédita à sede da CIA, em Langley, logo após chegar ao poder com o apoio de Wall Street.

 

DCM - Como você acha que essa cooperação da CIA aconteceu?

Muito facilmente. Em primeiro lugar, deixe-me enfatizar o quão incomum é um líder estrangeiro ir à sede da CIA. Muito, muito incomum. De vez em quando eu era chamado por ser um líder estrangeiro, mas normalmente era como, numa vez, o primeiro ministro de Fidji, ou o vice-primeiro-ministro da Albânia, mas o presidente de um grande país como o Brasil ir à sede da CIA, e quando você mencionou pela primeira vez eu estava tentando pensar em outro exemplo onde algo assim aconteceu, eu não consegui lembrar de nenhum momento enquanto eu estava na CIA que algo assim tenha acontecido.

É tão inapropriado que nem consigo imaginar como foi autorizado. Em primeiro lugar, a menos que fosse parte de uma operação para destruir essencialmente Lula e assumir o governo brasileiro. Eu acho que é isso mesmo o que aconteceu.

Tem uma piada na CIA, que é uma espécie de piada de batismo, que a inteligência é um negócio de grana. Quando eu estava no Paquistão, em 6 meses eu provavelmente gastei 10 milhões de dólares em dinheiro vivo. Jogávamos dinheiro para fora do helicópteros para os senhores da guerra afegãos. Não consegui gastar o dinheiro rápido o suficiente, literalmente, um orçamento ilimitado. A CIA não é avessa a fazer pequenos acordos laterais. Talvez esse juiz gostaria de ter uma casa nova, ou talvez o seu filho gostaria de ir para uma universidade americana com todas as despesas pagas.

 

DCM - Ele foi para o programa “60 minutes”. Ninguém sabia quem ele era no “60 minutes”…

Então, sempre tem um acordo, todo mundo tem um preço. Eles nos ensinam na escola de espionagem quais são os fatores motivacionais. Por que as pessoas querem trabalhar para a CIA? Por que eles querem espionar para a CIA? Para 90% deles, é dinheiro. O dinheiro é fácil. Temos mais dinheiro do que podemos contar, vamos apenas dar a você quanto dinheiro você quiser, se você produzir para nós. Para algumas pessoas, é ideologia.

Eles são verdadeiros crentes nos Estados Unidos e querem fazer algo para ajudar os Estados Unidos. Há muitas pessoas assim.

Mas o outro é o outro fator motivador é o ódio. Você odeia seu chefe, você odeia o outro partido político, você odeia o Lula, você quer arruiná-lo. O ódio é um fator muito motivador, o dinheiro é secundário, mas se você estiver alguém que tem um ódio profundo por alguém e você está em uma posição de destruir a vida dele você ficaria surpreso com o número de pessoas que realmente buscam isso. E então, acho que estamos vendo uma combinação de coisas aqui. Eu não ficaria surpreso se o dinheiro mudasse de mãos; provavelmente muito dinheiro, mas também não ficaria surpreso se o ódio fosse um dos fatores de motivação.

 

DCM - Portanto, não é apenas instrumental. Há algo que aconteceu recentemente. Você acha que é possível que a CIA esteja monitorando o filho de Jair Bolsonaro?

Com certeza, absolutamente. Eles ainda estão me monitorando e eu não sou ninguém. Então, você sabe, temos uma situação aqui nos Estados Unidos, onde a tecnologia agora está tão avançada que todos, literalmente todos, estão sujeitos à vigilância.

A NSA construiu uma nova instalação no estado de Utah que tem armazenamento de memória suficiente, para guardar cada chamada, cada mensagem de texto e cada e-mail de cada americano pelos próximos 500 anos.

Os tribunais também decidiram que escutas telefônicas sem justificativa não é uma violação constitucional e não é porque tudo o que você tem a dizer é “terrorismo”, “11 de setembro”, “terrorismo”… e assim todos estão sujeitos a serem espionados. Não é apenas contra a lei, mas é parte do estatuto da NSA, seu estatuto de fundação, que eles não têm permissão para espionar pessoas dos EUA que sejam cidadãos americanos ou qualquer pessoa nos Estados Unidos com um visto de imigrante.

Mas eles fazem isso todos os dias e os tribunais se recusam a impedi-los. Então, pegue isso e associe-o à ideia de que o trabalho do FBI é vigiar a todos. É uma organização de aplicação da lei e o trabalho da CIA é, pelo menos, vigiar eletronicamente cidadãos estrangeiros. Sabemos, por exemplo, graças a Ed Snowden, que a CIA estava interceptando o celular de Angela Merkel há anos.

 

DCM - Você acha que Eduardo Bolsonaro deveria ter medo da CIA?

Não acho que ele deva ter medo porque acho que a CIA o ama, eles amam homens fortes e políticos fascistas de direita. Mas eu também presumo, se eu fosse Jair Bolsonaro, que todas as suas comunicações estão sendo monitoradas. Todas elas. E você pode perguntar por quê? Você perguntaria por que Angela Merkel? Parece uma contradição. Mas as informações coletadas não são apenas para ficar nos arquivos da CIA, é para compartilhar com as empresas americanas, dar-lhes vantagens no comércio, na banca, nas finanças. Você pode usar essas informações de fechamento, de retenção de várias maneiras e, geralmente, no final do dia, o motivo é financeiro.

 

DCM - Quero abordar um pouco uma temática diferente. Gerald Ford, ex-presidente dos EUA, admitiu que a CIA usava missionários evangélicos como agentes. Você pode confirmar isso e se ainda é uma prática?

Posso confirmar e, oficialmente, eles interromperam essa prática em 1975, durante o governo Ford. Mas isso é apenas a CIA. O FBI cultiva esses movimentos. Eu estive na Guatemala também, há bastante tempo e uma das coisas que aprendi lá é que as duas mais rápidas religiões em crescimento na Guatemala, que é um país tradicionalmente católico, religiões em crescimento eram evangélicas, este cristianismo evangélico de direita e o Islã, ao estilo saudita. Como praticante ortodoxo grego, e nós somos muito semelhantes, é claro, aos católicos voltados ao cristianismo primitivo, nem mesmo consideramos esses grupos como cristãos. Nós os consideramos grupos políticos de direita, e em muitos casos, na maioria dos casos, sua maior questão, sua maior causa, é o apoio a Israel.

Eles querem que todos os judeus voltem para Israel porque isso vai apressar o retorno de Cristo. Eles querem impulsionar a segunda vinda de Cristo e a única maneira de fazer isso é trazer todos os judeus de volta para Israel. Então, muitas vezes é nisso que eles se concentram. Esses grupos de direita são muito políticos, muito mais políticos do que religiosos. Eles são perigosos e eles estão ativamente em oposição ao que eles pensam ser a “esqueridista” Teologia da Libertação. E é engraçado porque em muitos casos a teologia não é libertação de forma alguma, é apenas o catolicismo dominante. É o original, é apenas o cristianismo primitivo, o que chamamos de fé.

 

DCM - Essa tradição de tortura vinha com a CIA, que treinava militares brasileiros para torturar. Isso foi no Brasil, Uruguai, Argentina, México. Por todo o lugar. por que eles estão tão interessados na América Latina, por que somos os alvos?

Porque este é o nosso quintal. Temos a Doutrina Monroe, que ainda é uma preocupação primordial na política externa americana. Nós vemos isso como nossa área. Não queremos os russos aqui, não queremos chineses aqui, não queremos ninguém mais. Eu escrevi um artigo de opinião em 2008 para o Los Angeles Times falando exatamente sobre isso, de como os iranianos tinham investido em uma fábrica de bicicletas na Venezuela, e como nós pensamos que eles estavam construindo armas nucleares para apontar para os Estados Unidos. A CIA ficou muito louca, muito brava, só porque os iranianos abriram uma fábrica de bicicletas. Não queremos ninguém na América Latina além de nós. É isso.

 

DCM - Seria muito interessante entender como a CIA pode mudar sua cultura se você tem Trump no poder ou se você tem Biden no poder. Você vê alguma mudança ou é apenas mais do mesmo?

A política de inteligência e a política externa são quase sempre consistentes. Certamente a CIA é consistente entre os partidos, sejam democratas ou republicanos, nada vai mudar. Donald Trump foi um presidente incomum porque ele era tão fora do mainstream, ele era um extremista protecionista de direita.

Houve algumas diferenças na política externa, mas Donald Trump se foi e não importa quem serão os indicados democráticos e republicanos em 2024. Não acho que haja qualquer mudança significativa na política externa, política de defesa ou política de inteligência. Então Brasil, América Latina, desde que existimos como países fomos colonizados, quer pelos portugueses ou espanhóis, quer pelos norte-americanos.

 

DCM - Você vê alguma saída para que alcancemos nossa soberania? Como podemos, como podemos ir contra essa enorme máquina que existe na América?

Isso foi algo que aprendi no Paquistão: se você quiser os EUA fora do seu negócio, a única maneira de fazer isso é educar sua população e desenvolver sua economia. É isso mesmo, caso contrário, você terá intromissão e manipulação americanas e os Estados Unidos vão sair com sacos gigantes de dinheiro, subornando seus oficiais e essencialmente comprando sua política externa. A única maneira de fazer com que isso pare é por meio da educação e do desenvolvimento econômico.

domingo, 21 de novembro de 2021

Janio de Freitas: “A imprensa está diante da responsabilidade por eleição presidencial limpa”

Texto de autoria do jornalista Janio de Freitas publicado na Folha de São Paulo em 20/11/2021.

 

A viagem de Lula à Europa proporcionou, pelo avesso, o mais desalentador prenúncio da disputa eleitoral do próximo ano. Foi preciso que leitores e espectadores esbravejassem com suspeições, para que o noticiário dos principais diários e emissoras incluísse o assunto de inegável relevância política e jornalística. Era passada já uma semana desde o início, dia 11, da viagem a convite da Fundação Friedrich Ebert e do SPD, partido do futuro primeiro-ministro da Alemanha.

Componente não menos sugestivo no silêncio veio a ser o seu encerramento também coincidente, na data, entre as diferentes vias de noticiário. Quase uma informação involuntária de coincidências em tudo combinadas. Sobretudo tendo em vista os tantos grupos de influência, os de sempre e vários recentes, já ativos para a decisão eleitoral (a estabilização temporária de Bolsonaro liberou-os do trabalho de sustentá-lo).

O histórico da chamada mídia brasileira a iguala aos militares na adoção funcional de um papel político, de dirigismo suprainstitucional e supraconstitucional. A modernização técnica do jornalismo reduziu, mas não conseguiu extirpar, a função político-ideológica que originou a velha imprensa. Não se trata da definição por linha política ou por candidatura, que podem ser legítimas se transparentes e éticas, mas de práticas manipuladoras da consciência e da conduta dos cidadãos. Nesse atraso, empresários do meio são a força impositiva, mas são jornalistas os seus operadores.

Como em relação aos militares, e dados os antecedentes numerosos, uma razão de estranhamento na mídia mexe com as expectativas e acende os temores. O boicote recente não teve maior consequência, porque o noticiário restabeleceu o básico do omitido e apesar de algumas torções inconformadas. A exemplo da atribuição à hostilidade mútua de Macron e Bolsonaro a recepão especial a Lula na França. Ou restringir o aplauso de um plenário amplamente em pé, no Parlamento Europeu, aos deputados da esquerda.

O mundo nunca abandonou suas reservas ao escândalo acusatório produzido pela associação de Lava Jato e imprensa/TV. Mesmo nos Estados Unidos, onde Sergio Moro e Deltan Dallagnol tinham ou têm ligações, o noticiário foi cauteloso em referência a Lula — não quanto à Petrobras e às empreiteiras. Americanos, e europeus atuais em menores doses, sempre são parte do que se passa e como se passa na América Latina. Atuam mais por seus interesses do que os nossos países o fazem pelos próprios.

Com Bolsonaro e Moro, coadjuvados por Ciro Gomes, a disputa pelo voto não será política. Será bélica, entre os três e deles contra os demais. Para pesar do jornalismo, a mal denominada mídia é a mais eficaz arma nesse gênero de guerra. Quando quer sê-lo. O pós-ditadura já sofreu várias dessas transfigurações antidemocracia, com fins não só eleitorais, praticadas tanto pelo conjunto, como por um ou poucos componentes da comunicação social. Seu êxito, em todas as suas ocorrências, levando a péssimos resultados para a vida institucional, política e econômica do país. Razão de alguns pedidos tardios de desculpas e de promessas ainda em suspenso.

O ocorrido nos últimos dias contém um prenúncio pesado e também este indicativo promissor. O erro foi reconhecido e encerrado. Conduta rara, senão única. E, curioso, a Folha e O Globo tiveram a correção de publicar cartas, uma em cada um, de leitores indignados com o boicote percebido. Não parece, mas, na imprensa tão soberba, foi um fato histórico.

Jornais e tevês, e seus proprietários, dirigentes e jornalistas, estão diante da responsabilidade por uma eleição presidencial limpa. Ou o serão por um desastre institucional e social sem mais possibilidade, desta vez, de recuperação em tempo imaginável.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Unidades de conservação: a galinha dos ovos de ouro

Recentemente Bolsonaro esteve nos Campos Gerais do Paraná, e ouviu de políticos e ruralistas locais o pedido para extinguir unidades de conservação da região, como o Parque Nacional dos Campos Gerais. Antes, deputados ruralistas já tinham tentado desfigurar a Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana. Tais iniciativas revelam a veemência do confronto entre duas concepções erroneamente supostas excludentes: a proteção ambiental e a produção rural.

Noutros lugares do mundo, onde as civilizações já tiram seu sustento da terra há milênios, já se aprendeu que é essencial encontrar o equilíbrio entre o que se extrai da natureza e o que ela é capaz de oferecer. Um aprendizado sofrido, a ignorância e os excessos resultaram na salinização, exaustão ou erosão dos solos, na desertificação, no surto de pragas devastadoras, doenças e migração de esfaimados.

Num país jovem como o Brasil, com colonização relativamente recente e com nítido caráter predatório ─ produzir para exportar para a matriz e não para fortalecer a nação ─, com extensos solos agricultáveis e clima favorável, ainda não sofremos drásticas tragédias resultantes do afã de explorar a terra até a exaustão. Sim, por aqui já existem as áreas arenizadas pelo mau uso, e muitos solos exauridos transformados em pastos pobres para pecuária extensiva. Estas áreas degradadas são abandonadas, expandem-se as fronteiras agrícolas por sobre as aparentemente infindáveis terras novas, nas imensidões do Cerrado, da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica...

A falta de cabais tragédias brasileiras parece convencer os ruralistas que a natureza é ilimitada. Será que não conseguem aprender com os erros de outros, terão que colher os frutos amargos dos próprios erros para aprenderem? Ou nem com os próprios erros aprendem?

As unidades de conservação são essenciais para o equilíbrio ambiental, inclusive para garantir que as terras férteis continuem férteis, e que os níveis de produtividade se mantenham ao longo do tempo. Unidades de conservação, os parques nacionais, as áreas de proteção ambiental, as reservas legais, as áreas de proteção permanente, são essenciais para garantir os chamados “serviços ambientais”: equilíbrio da biodiversidade e controle natural de pragas, preservação de polinizadores, proteção de um patrimônio genético ainda desconhecido e com potenciais inúmeras aplicações, estoque de carbono e umidade na biomassa e no solo, qualidade e quantidade das águas superficiais e subterrâneas, qualidade do ar, controle climático e do ciclo da água... Os serviços ambientais são múltiplos, interligados e vitais. Ignorá-los e pedir o fim das unidades de conservação é como pedir para o granjeiro matar a galinha dos ovos de ouro para fazer uma canja para o jantar, esquecendo o dia de amanhã.

Domar a cupidez humana e compreender os limites da capacidade de produção da natureza é amor à vida. Implica reconhecer a essencialidade das unidades de conservação. Render-se à sofreguidão do lucro a qualquer custo, avançando para a exaustão da natureza, é o amor ao dinheiro. Um amor cego, fadado à tragédia.

 

sábado, 13 de novembro de 2021

Moro e a corrupção

Numa performance de malabarista, o ex-juiz Sérgio Moro, após os desentendimentos com sua criatura, o eleito Bolsonaro, e ver frustrados os planos de ser indicado ministro do STF, bandeou-se para os EUA. Lá se associou e advogou para uma consultoria internacional. Um dos clientes da consultoria é a Odebrecht, uma das empresas arruinadas pela Lava Jato, a operação comandada por Moro que foi desmascarada pela Vaza Jato, a revelação de documentos provando que se tratou de uma operação fraudulenta, que visou desmontar empresas brasileiras e pôr no governo fantoches obedientes aos interesses do mercado e do grande capital sediado nos impérios do Norte. A especialidade da assessoria internacional a que Moro associou-se é justamente a recuperação de empresas abaladas financeiramente, caso da Odebrecht, OAS, JBS, Petrobras e outras, vítimas da farsa da Lava Jato.

Agora a Fênix renasce no país da mentira, dos oportunistas e da falta de discernimento do povo. Moro lança-se candidato à eleição de 2022, pelo Podemos. E logo no discurso de filiação diz que é o candidato contra a corrupção, contra o mensalão, o petrolão, as rachadinhas, o orçamento secreto, os crimes todos atribuídos a Bolsonaro e Lula, que levaram este último a dois anos de prisão. Esta agora reconhecida uma indecente violação jurídica, orquestrada por Moro, que visou destruir a possibilidade do Brasil ter empresas e governo progressista fortes. Isto seria uma ameaça para os interesses do mercado e do imperialismo.

Como Moro pode, arrogando-se honesto, falar de mensalão e petrolão, que as investigações sérias mostraram tratar-se de invenções destinadas a sabotar o governo progressista que estava transformando o Brasil num protagonista mundial? Como ele pode falar em honestidade e luta contra a corrupção após ser o principal responsável pela farsa da Lava Jato, operação fundamental para que se instalasse no país o desgoverno que temos agora?

Moro não é bobo, já o provou sobrevivendo ao escândalo da Vaza Jato e ao rompimento com sua criatura Bolsonaro. Certamente viu que nas pesquisas eleitorais em curso, os ludibriados entrevistados têm declarado que pouco associam tanto Bolsonaro quanto Lula com capacidade de combater a corrupção. O ladino ex-juiz está procurando ocupar esse espaço que lhe foi criado por outro personagem deste nefasto imbróglio nacional: a grande mídia. Foi a grande mídia que criou o caçador de marajás Collor, que demonizou o PT e Lula, que promoveu o golpe de Dilma, que endeusou a Lava Jato e Moro. E que agora faz de conta que critica Bolsonaro, mas na verdade é seu grande aliado. Acordemos, a grande mídia está a serviço dos mesmos interesses do mercado e do imperialismo que fabricaram o mensalão, o petrolão, o golpe contra Dilma, Moro, a Lava Jato e Bolsonaro.

Resta outro personagem crucial: o povo, que se manifesta pela “opinião pública”. O povo parece continuar sendo a massa hipnotizada pela grande mídia, atoleimada com o deturpado noticiário diário, com as mentiras digitais, as fake news que infestam nosso dia a dia, e a desavergonhada astúcia de supostos homens públicos como Moro. Falta-nos o discernimento e a coragem de encarar a verdade para deixarmos de ser a senzala com complexo de vira-lata, e enfim tornarmo-nos povo e nação livres.