quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Unidades de conservação: a galinha dos ovos de ouro

Recentemente Bolsonaro esteve nos Campos Gerais do Paraná, e ouviu de políticos e ruralistas locais o pedido para extinguir unidades de conservação da região, como o Parque Nacional dos Campos Gerais. Antes, deputados ruralistas já tinham tentado desfigurar a Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana. Tais iniciativas revelam a veemência do confronto entre duas concepções erroneamente supostas excludentes: a proteção ambiental e a produção rural.

Noutros lugares do mundo, onde as civilizações já tiram seu sustento da terra há milênios, já se aprendeu que é essencial encontrar o equilíbrio entre o que se extrai da natureza e o que ela é capaz de oferecer. Um aprendizado sofrido, a ignorância e os excessos resultaram na salinização, exaustão ou erosão dos solos, na desertificação, no surto de pragas devastadoras, doenças e migração de esfaimados.

Num país jovem como o Brasil, com colonização relativamente recente e com nítido caráter predatório ─ produzir para exportar para a matriz e não para fortalecer a nação ─, com extensos solos agricultáveis e clima favorável, ainda não sofremos drásticas tragédias resultantes do afã de explorar a terra até a exaustão. Sim, por aqui já existem as áreas arenizadas pelo mau uso, e muitos solos exauridos transformados em pastos pobres para pecuária extensiva. Estas áreas degradadas são abandonadas, expandem-se as fronteiras agrícolas por sobre as aparentemente infindáveis terras novas, nas imensidões do Cerrado, da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica...

A falta de cabais tragédias brasileiras parece convencer os ruralistas que a natureza é ilimitada. Será que não conseguem aprender com os erros de outros, terão que colher os frutos amargos dos próprios erros para aprenderem? Ou nem com os próprios erros aprendem?

As unidades de conservação são essenciais para o equilíbrio ambiental, inclusive para garantir que as terras férteis continuem férteis, e que os níveis de produtividade se mantenham ao longo do tempo. Unidades de conservação, os parques nacionais, as áreas de proteção ambiental, as reservas legais, as áreas de proteção permanente, são essenciais para garantir os chamados “serviços ambientais”: equilíbrio da biodiversidade e controle natural de pragas, preservação de polinizadores, proteção de um patrimônio genético ainda desconhecido e com potenciais inúmeras aplicações, estoque de carbono e umidade na biomassa e no solo, qualidade e quantidade das águas superficiais e subterrâneas, qualidade do ar, controle climático e do ciclo da água... Os serviços ambientais são múltiplos, interligados e vitais. Ignorá-los e pedir o fim das unidades de conservação é como pedir para o granjeiro matar a galinha dos ovos de ouro para fazer uma canja para o jantar, esquecendo o dia de amanhã.

Domar a cupidez humana e compreender os limites da capacidade de produção da natureza é amor à vida. Implica reconhecer a essencialidade das unidades de conservação. Render-se à sofreguidão do lucro a qualquer custo, avançando para a exaustão da natureza, é o amor ao dinheiro. Um amor cego, fadado à tragédia.

 

5 comentários:

  1. Concordo com você! Infelizmente, o Brasil continua dependendo do extrativismo, desde os tempos coloniais. Antes Pau Brasil e café, hoje soja e minério de ferro. Parece um conceito que ficou arraigado na nossa cultura. Realmente tem que mudar. Precisamos agregar valor aos nossos recursos com o desenvolvimento industrial e não simplesmente extrair mais.

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  2. O que existe nos ruralistas brasileiros é uma cegueira histórica. Mario, seu texto aborda de forma simples e clara o que realmente impacta no nosso meio ambiente: Ignorância e arrogância. Ignorância porque essa turma de "grandes produtores" desconhecer a história ambiental de outros povos e nações, o que poderia ajudar a não causar tanto prejuízo ambiental. E arrogância por deixar claro no discurso de que a questão ambiental não é um problema deles e que há sempre um exagero nas previsões do cenário ambiental. Arrogância porque a Ciência e outros povos que se preocupam com a nossa biodiversidade estão "errados" mas eles estão "certos".

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  3. Essa leva de "ruralistas cupins" merece uma boa lição. Um hora a Natureza chega junto para fazer a cobrança... Enquanto isso, é bem vindo orientação e pessoas de bom senso trazendo informações, como essa, para alertar o povo sobre as consequências do uso abusivo do "corpo" ,biodiversidade, da nossa mãe Terra. Mário Sérgio, que bom seria se muitas pessoas pudessem refletir lendo textos como esse...

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  4. Morando numa área de plantio de batatas ( pequenos agricultores) e gado vejo isso acontecendo reiteradamente.
    Os bancos esmagando cada família endividada, e o tempo caprichosamente variando e impedindo a almejada produção de batata ou leite . Excelente texto , que expõe latifundiários gananciosos e incultos.

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