domingo, 16 de setembro de 2018

Autocrítica da crise (mea-culpa dos dissimulados)

Publicado no Jornal da Manhã em 24/08/18.

Que vivemos um momento de crise sem precedentes ninguém parece discordar. O desemprego avança, o crescimento e os investimentos estão estagnados, a dívida pública cresce, direitos trabalhistas regridem, a miséria volta a fazer parte do nosso cotidiano, o fascismo, o ódio e a violência revelam-se sem escrúpulos, a juventude demonstra que não acredita nos benefícios da educação nem no futuro do país, prefere vias alternativas para a sobrevivência ou sair do Brasil. Mas isso não é tudo. Os políticos e o judiciário nunca estiveram tão desmoralizados, a mídia nunca foi tão facciosa, o cidadão comum nunca esteve tão confuso diante de informações tão manipuladas ou mesmo propositalmente falseadas.
É bom que nos perguntemos: como chegamos a isso? E ao procurar respostas, é bom que tenhamos consciência de qual, ou quais cérebros estamos empenhando nessa procura: o cérebro ancestral reptiliano, que é movido a instintos básicos de sobrevivência e domínio territorial? o cérebro límbico, que é movido a laços de sangue, amizade e mesmo compadrios, estes muitas vezes ilícitos? ou o neocórtex, responsável pelo raciocínio lógico, a reflexão capaz de estabelecer relações de causa e efeito?
Do necessário equilíbrio de desempenho destes três cérebros nascem a coragem, a empatia, a compaixão, o discernimento. Qualidades imprescindíveis se almejamos uma sociedade mais justa, mais solidária, mais humanizada. Caso contrário podemos descambar para o ódio, a segregação, o nepotismo ou a crueldade e a dominação aparelhadas pela ciência.
Neste momento peculiar que vivemos no Brasil muito se tem falado das razões da crise. Fala-se na herança maldita deixada pelos governos anteriores, fala-se na incapacidade do partido que dirigiu o país de fazer autocrítica e reconhecer seus erros. Diante da crise que vivemos hoje, é imperioso que saibamos fazer crítica imparcial. O partido que dirigiu o país cometeu erros? Certo que sim, talvez o maior tenha sido submeter-se aos poderosos e afastar-se da população que o elegeu. E não conseguiu apoio popular no momento de enfrentar a sabotagem que lhe foi movida. O principal partido que estava na oposição cometeu erros? Tasso Jereissati, seu conceituado ex-presidente, acaba de reconhecer na mídia vários erros graves: a contestação do resultado eleitoral, objeção que estremeceu a democracia; o apoio a pautas-bomba que impediram o governo de governar; o apoio ao governo Temer que traiu o programa que o elegeu e aprofundou a crise; o não expurgo do senador presidente do partido Aécio quando este foi flagrado em conversas e acordos inadmissíveis para um homem público de bem.
Mas a crítica e a avaliação da crise que vivemos não devem restringir-se aos políticos e seus partidos. Já se tem visto a grande mídia questioná-los amiúde. E quem tem questionado a grande mídia? Quem tem questionado as corporações nacionais e internacionais, as associações e lobbies de empreendedores? E quem tem questionado o papel desse ente quase fabuloso, o intangível mercado? Quem tem questionado interesses internacionais empenhados em fazer fracassar o Brasil próspero e soberano, pois a eles interessa ter-nos como permanente colônia com mão de obra barata, exportadora de matérias primas sem valor agregado para depois importá-las industrializadas?
O momento que vivemos parece colocar o Brasil numa encruzilhada: ou escolhemos um caminho de violência e ódio, ou um caminho de submissão aos rapinantes interesses internacionais e seus prepostos locais, ou um caminho de justiça social e soberania nacional. O equilíbrio entre nossos cérebros, o reptiliano, o límbico e o neocórtex, deverá ajudar-nos a fazer uma análise equilibrada. Não podemos continuar agindo em política como passionalmente agimos com o futebol, a religião, os ídolos das artes marciais.
Oxalá logremos esse equilíbrio. Oxalá acordemos para o papel que têm exercido entre nós todos esses grandes protagonistas da nossa realidade: os partidos e seus políticos, o judiciário, a grande mídia, as corporações e lobbies de empreendedores, o mercado, os rapinantes interesses internacionais e seus prepostos nacionais. Mas, sobretudo, que logremos ser capazes de avaliar o papel mais importante: a nossa própria conduta e exemplo, o nosso voto.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Independência e sabotagem da Nação

Dia de comemoração da Independência, quase duzentos anos! Dia de reflexão. O Brasil hoje encontra-se em profunda crise, um retrocesso quase inimaginável. O desemprego avança, a dívida pública cresce, direitos trabalhistas regridem, a miséria volta a fazer parte do nosso cotidiano, o fascismo, o ódio, a violência revelam-se sem escrúpulos, a juventude nas escolas públicas demonstra que não acredita nos benefícios da educação, prefere vias alternativas para a sobrevivência.
Como chegamos a este ponto, depois de um perceptível avanço na democracia após a ditadura militar? Tentar responder a essa pergunta é essencial para podermos colocar o país de novo num rumo de progresso social, econômico e político, fortalecendo sua autonomia perante a rapinagem internacional.
O Brasil é um país continente. Com clima generoso, é o detentor dos maiores caudais de águas doces do mundo. É também o país que recebe a maior insolação, a energia do futuro. Tem minérios, solos agricultáveis, petróleo, uma espantosa biodiversidade que encerra incontáveis insumos naturais conhecidos e desconhecidos. Abriga uma vasta população com identidade cultural, religiosa e de idioma. Um povo de índole pacífica, amistosa e hospitaleira, os brasileiros são alegres, criativos, artistas por natureza.
Tudo isto faz do país uma jóia preciosa e rara, neste nosso planeta precioso e raro. Há muito despertamos a cobiça estrangeira. Mas de todas as ameaças, aquela que vem da águia cujas garras e bicos parecem querer subjugar todas as nações e povos do planeta é a mais ameaçadora. A águia é um predador implacável, insaciável. No Brasil, derruba governos eleitos (Getúlio, Jango, Dilma), implanta ditaduras e doutrinas de segurança criminosas, coopta uma elite mercenária tirana dominada por preconceitos atávicos e egoísmo desmesurado. Elite que não logra atinar com o ideal de uma nação justa e soberana, onde a igualdade de direitos e a ausência de privilégios fariam com que todos vivessem melhor.
O notável economista John Maynard Keynes na primeira metade do século XX já alertava que a economia saudável depende de três pressupostos: disponibilidade de bens, recursos para adquiri-los e vontade para produzi-los. E que esta vontade depende da expectativa. Para o economista, os empreendedores são movidos por um “espírito animal” selvagem, por isso a necessidade do controle da economia pelo Estado.
No Brasil, fez-se um esforço para aumentar a capacidade do povo simples para adquirir bens básicos, através de programas sociais, aumento dos salários menores, programas de investimento em obras de infraestrutura para avançar no pleno emprego, distribuição da renda. Mas a elite mercenária, presa de atavismos escravocratas que marcam a ferro e fogo a história do país, não suportou ver o outrora miserável prosperar. Controladora dos meios de produção, da mídia e dos políticos e legisladores, essa elite atrasada e assustada freou investimentos, travou o necessário aumento da disponibilidade de bens, desempregou, minou expectativas, alardeou e potencializou uma crise que poderia ter evitado, emperrou o crescimento, sangrou a economia.
E enquanto o fazia, usando a mídia a seu serviço, acusou o governo popular de ser o único responsável pela corrupção e os desacertos do país. Conseguiram o golpe que, mais uma vez em nossa história, derrubou o governo legítimo e colocou em seu lugar um fantoche dos interesses das corporações transnacionais e da elite mercenária, que estão fazendo o país voltar aos tempos da colônia fornecedora de matérias primas e de mão de obra escrava. A lógica de tais interesses é simples: prioridade para o mercado em detrimento dos trabalhadores, fortalecimento de uma casta de mercenários nacionais entreguistas com altos ganhos, internacionalização da economia, concentração da renda, empobrecimento da população simples.
E só o conseguiram porque a elite do país cumpre muito bem seu papel de mercenários entreguistas, que não conseguem colocar o interesse coletivo, o ideal de nação, acima de seus atavismos e ambições egoístas. Esta elite está sabotando o Brasil, um país que tem tudo para ser uma grande nação. E que não será independente enquanto a vontade popular não prevalecer.