sábado, 30 de dezembro de 2023

Feliz 2024, Brasil!

 Publicado no Jornal da Manhã em 03/01/2024.

Não há dúvidas: o maior desafio, a maior tarefa que teremos em 2024 no Brasil, é o resgate da alegria, amizade, criatividade, do sonho de um futuro feliz e de bem-estar social. E isso trilhando um caminho de luta e transformações cheio de benevolência. Engajado, sim, mas oxalá sem chegar ao extremo da incompreensão, barbárie, e do horror da guerra.

O mundo está em guerra! Mas nós não precisamos, não devemos, contagiar-nos com a beligerância movida por estrangeiros interesses de dominação e hegemonia global, que empurram irmãos para discórdias fratricidas. Estes não são nossos interesses. Que saibamos reconhecer que nossa vocação é a harmonia, a prosperidade e a soberania, do Brasil e do povo brasileiro; assim como de todas as nações, de todos os povos. E que, para tanto, as qualidades que precisamos são a verdade, justiça, liberdade, solidariedade, firmeza; com elas virá a paz.

Todas palavras femininas! Que saibamos, enfim, congraçar a criatividade e afeição ditas femininas com o arrojo e denodo ditos masculinos. É a harmoniosa cooperação destas qualidades complementares que nos conduzirá à capacidade de resolver, com perseverança, as muitas dificuldades que ainda afligem o Brasil e seu povo. Elas são fruto de uma trajetória histórica muito complicada, que reuniu em nosso país diferentes povos, culturas, raças, crenças, convicções... E nos fez uma colônia avassalada, marcada por crueldades, injustiças e contradições. Entretanto, a dificuldade no congraçamento de tantas diferenças é justamente o desafio que a providência nos concedeu para aprendermos a ser tolerantes, e enxergarmos que o diferente nos acrescenta cultura, enriquece-nos.

Para compensar o desafio que a perversa colonização nos impôs, a providência brindou-nos com a natureza mais pródiga do planeta: um vasto território, solos férteis, água abundante, rica biodiversidade, mares piscosos, clima amigável, minérios essenciais, petróleo, farta energia solar, belezas naturais que iluminam e elevam o espírito... Só nos falta mesmo aprender a reconhecer e respeitar o outro e a bênção de todas estas virtudes naturais. E termos a sabedoria de nos unirmos para aprendermos a desfrutar, com zelo e alegria, de todos os privilégios do Brasil. Só nos falta siso, discernimento, diálogo, solidariedade, união.

Se ainda são muitas as dificuldades que temos a superar, muitos são os estrangeiros que, ao conhecerem nosso país e nosso povo, declaram-se encantados. Não conheciam antes terra e gente tão dadivosas. Apesar dos desafios, somos um país abençoado, quando comparado com um mundo que sofre com o desatino humano e com tragédias naturais.

Então, que 2024 seja o ano de conquista definitiva dos talentos que ainda nos faltam. Que este seja o ano da emancipação de nosso país, e da confirmação da identidade e dignidade de seu povo. Que sejamos inspirados e guiados pela liberdade, verdade, solidariedade, união, justiça, perseverança e probidade.

Feliz 2024, Brasil!

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Escolas cívico-militares – a traição do ensino

 

Todo verdadeiro professor, que na sua formação em licenciatura aprendeu pedagogia, psicologia da educação, didática, viu que o ensino transformador, emancipador e libertador é inclusivo e universal. Ele não exclui, não segrega aqueles que, por pontos de vista míopes, identifica “desajustados”. Os “desajustados” podem, na verdade, ser os inconformados, capazes de, adultos, tornarem-se os cidadãos aptos a ajudar a corrigir a caótica civilização que estamos vivendo atualmente, marcada por guerras, crises ambientais, midiáticas, sanitárias, econômicas, sociais. A História está cheia de jovens “desajustados”, que depois revelaram-se talentos das artes e das ciências.

Embora o Brasil tenha tido alguns dos maiores mestres do ensino emancipador reconhecidos mundialmente ─ Anália Franco, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Êda Luiz, entre outros ─, nosso ensino vive, principalmente nos dias atuais, profunda crise. Darcy Ribeiro, outro eminente antropólogo e educador brasileiro, cunhou a frase “A crise da educação no Brasil não é uma crise: é projeto”. Ele, como todos os verdadeiros educadores, enxergava que a educação é o caminho para a emancipação do povo e do país ─ uma educação de qualidade para todos, priorizando o intelecto e o julgamento, e não a memorização e o adestramento. Verdadeiros educadores dedicam-se a formar cidadãos plenos, capazes de pensar, e não simples cumpridores de tarefas, metas e ordens.

Já foi afirmado por analistas internacionais que o Brasil, junto com EUA, China, Rússia e Índia, é um dos cinco países do mundo credenciados a serem superpotências, pelo tamanho de sua população, grandeza territorial, riquezas naturais, infraestrutura instalada e valor do PIB. Mas falta ao nosso país um requisito essencial: a educação eficaz. Esse requisito que nos falta não é casual, não é uma crise passageira: é um projeto, cuidadosa e longamente planejado e executado, para que nunca nos emancipemos e deixemos de ser uma colônia explorada para nos tornarmos um novo polo de prosperidade no planeta, a rivalizar com os polos que querem ser hegemônicos.

Diante desse quadro, as escolas cívico-militares, programa iniciado durante os governos passados que significaram o maior golpe da História contra a emancipação do Brasil, representam uma traição do ensino emancipador. É o clímax do projeto de sabotagem e desconstrução do país, que já ameaçou tornar-se uma das maiores potências mundiais. Quais as vantagens que os professores favoráveis à militarização estão enxergando? Estão se equivocando, acreditando que militarizar é o caminho para superar a crise? Ou visam vantagens e ganhos pessoais? Estariam, assim, traindo o que aprenderam na sua formação de professores?

Militares são treinados para obedecer ordens, cegamente. Já os cidadãos plenos são aqueles que avaliam, julgam, são capazes de questionar, de transgredir. E, assim, de corrigir rumos. Sim, militares talvez sejam ainda necessários, até para a segurança do país. Mas o caminho para formá-los não é interferir em escolas já instaladas, segregando para outras escolas os jovens que não têm a vocação militar.

sábado, 2 de dezembro de 2023

A desfaçatez e a placidez da Vila Placidina

 Publicado no Jornal da Manhã e no Diário dos Campos em 05/12/2023.

Moramos em Ponta Grossa há 27 anos. Viemos escapando do furdunço de São Paulo, onde morávamos numa região não distante do centro, muito movimentada. Aqui na nova cidade, escolhemos uma rua tranquila: a Nestor Guimarães. Rua bucólica, num bairro pacífico até no nome: Vila Placidina. E, ao longo dos anos, tratamos de transformar nosso novo lar num lugar cada vez mais calmo e agradável: plantamos frondosas árvores na calçada em frente, e três frutíferas no pequeno jardim para atrair os pássaros; habituei-os com frutas colocadas todo dia num comedouro pendurado na caramboleira, quirera esparramada pelo chão, bebedouros com água adocicada pendentes do beiral da casa.

Com o tempo, nosso jardim tornou-se um verdadeiro santuário. Ele atrai canários, avoantes, rolinhas, bem-te-vis, joões-de-barro, sabiás, saíras, guaxos, corruíras, cambacicas, beija-flores, às vezes até o vistoso e arisco tié-sangue. Na sibipiruna da calçada aparecem gaturamos, coleirinhos e outros pássaros. As árvores abrigam vários ninhos, na época dos filhotes temos de evitar que as cachorras da família escapem para o jardim. Seria o fim prematuro dos pequenos apressados que saltam do ninho mas ainda não sabem voar. Minha filha, com a infância povoada pelos pássaros que via pela janela da sala, escreveu o livro infantil “A menina e o passarinho”, que foi seu aplaudido trabalho de graduação no curso de Design Gráfico.

Enquanto Ponta Grossa crescia e se agitava, nossa casa permanecia aquele recanto plácido, onde nos refugiávamos aliviados depois da azáfama de cada dia. Mas mudanças começaram, no início com a construção de prédios altíssimos nas vizinhanças. Até que, nesta primavera de 2023, soubemos, pelo noticiário, que o tráfego na Nestor Guimarães, e no bairro, iria mudar. Estávamos então fora da cidade, talvez um capricho da providência. Quando retornamos, demos com o sentido do tráfego na rua invertido, e o trânsito todo de retorno do Jardim América passando defronte de casa.

Tenho o hábito de, bem cedo pela manhã, por uma hora, praticar o Tai-Chi na sala de casa, janela aberta para o jardim. Enquanto me exercito, divirto-me observando o alvoroço dos pássaros nas árvores, nas frutas, na quirera, nos bebedouros. Agora, com as mudanças, no intervalo de uma hora dez ônibus vindos do Jardim América, mais alguns barulhentos caminhões, afugentam os pássaros da antes tranquila Nestor Guimarães.

Não conversaram com os moradores a respeito das mudanças no bairro. Não explicaram a razão das alterações. Aliás, aos olhos de um leigo, a mudança parece um desatino injustificável: transferiram o tráfego pesado de uma avenida larga e movimentada para uma estreita e antes pacata rua de bairro.

Espigões de enormes prédios têm-se agigantado entre as moradias da Vila Placidina, eles também desdenhando o impacto sobre os antes acolhedores, ensolarados, silenciosos e despojados lares. Agora, o inexplicável tráfego na rua que era tranquila vem reafirmar que a desfaçatez é marca inevitável do crescimento sem planejamento nem consideração.

Mais uma vez, lamentavelmente, “Adeus à placidez da Placidina”.