quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Escolas cívico-militares – a traição do ensino

 

Todo verdadeiro professor, que na sua formação em licenciatura aprendeu pedagogia, psicologia da educação, didática, viu que o ensino transformador, emancipador e libertador é inclusivo e universal. Ele não exclui, não segrega aqueles que, por pontos de vista míopes, identifica “desajustados”. Os “desajustados” podem, na verdade, ser os inconformados, capazes de, adultos, tornarem-se os cidadãos aptos a ajudar a corrigir a caótica civilização que estamos vivendo atualmente, marcada por guerras, crises ambientais, midiáticas, sanitárias, econômicas, sociais. A História está cheia de jovens “desajustados”, que depois revelaram-se talentos das artes e das ciências.

Embora o Brasil tenha tido alguns dos maiores mestres do ensino emancipador reconhecidos mundialmente ─ Anália Franco, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Êda Luiz, entre outros ─, nosso ensino vive, principalmente nos dias atuais, profunda crise. Darcy Ribeiro, outro eminente antropólogo e educador brasileiro, cunhou a frase “A crise da educação no Brasil não é uma crise: é projeto”. Ele, como todos os verdadeiros educadores, enxergava que a educação é o caminho para a emancipação do povo e do país ─ uma educação de qualidade para todos, priorizando o intelecto e o julgamento, e não a memorização e o adestramento. Verdadeiros educadores dedicam-se a formar cidadãos plenos, capazes de pensar, e não simples cumpridores de tarefas, metas e ordens.

Já foi afirmado por analistas internacionais que o Brasil, junto com EUA, China, Rússia e Índia, é um dos cinco países do mundo credenciados a serem superpotências, pelo tamanho de sua população, grandeza territorial, riquezas naturais, infraestrutura instalada e valor do PIB. Mas falta ao nosso país um requisito essencial: a educação eficaz. Esse requisito que nos falta não é casual, não é uma crise passageira: é um projeto, cuidadosa e longamente planejado e executado, para que nunca nos emancipemos e deixemos de ser uma colônia explorada para nos tornarmos um novo polo de prosperidade no planeta, a rivalizar com os polos que querem ser hegemônicos.

Diante desse quadro, as escolas cívico-militares, programa iniciado durante os governos passados que significaram o maior golpe da História contra a emancipação do Brasil, representam uma traição do ensino emancipador. É o clímax do projeto de sabotagem e desconstrução do país, que já ameaçou tornar-se uma das maiores potências mundiais. Quais as vantagens que os professores favoráveis à militarização estão enxergando? Estão se equivocando, acreditando que militarizar é o caminho para superar a crise? Ou visam vantagens e ganhos pessoais? Estariam, assim, traindo o que aprenderam na sua formação de professores?

Militares são treinados para obedecer ordens, cegamente. Já os cidadãos plenos são aqueles que avaliam, julgam, são capazes de questionar, de transgredir. E, assim, de corrigir rumos. Sim, militares talvez sejam ainda necessários, até para a segurança do país. Mas o caminho para formá-los não é interferir em escolas já instaladas, segregando para outras escolas os jovens que não têm a vocação militar.

7 comentários:

  1. Sem dúvida só os mal intencionados ou néscios podem endossar um projeto deste jaez. Escola não combina com adestramento militar.

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  2. Mais uma crônica lúcida e pragmática. Concordo com você.

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  3. Não sou, nem de longe, especialista no assunto, mas analisando números, o percentual de
    crianças e jovens formados por escolas cívico-militares é muito pequeno para que causem um
    impacto na situação brasileira como um todo.
    Uma coisa é certa: o que esteve aí nos últimos 25 anos não está funcionando, como
    comprovam as recentes análises, nas quais o Brasil vai de mal a pior.
    Sou genro e esposo de professoras. Minha esposa lecionou no Mackenzie por 40 anos. Nesses
    anos, sempre a ajudei a corrigir provas das turmas de administração, inglês e educação física.
    Hoje arrependo-me de não ter feito um compêndio de absurdos escritos por alunos em
    quantidade vertiginosamente crescente ao longo dessas décadas. E estamos falando de uma
    escola prestigiada! Imagine o resto...
    É preciso mudar. Mas o problema não são as escolas cívico militares.

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  4. Sim, queremos escolas que possibilitem o pensar livre.

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