Publicado no Jornal da Manhã e no Diário dos Campos em 05/12/2023.
Moramos em Ponta Grossa há 27 anos. Viemos
escapando do furdunço de São Paulo, onde morávamos numa região não distante do
centro, muito movimentada. Aqui na nova cidade, escolhemos uma rua tranquila: a
Nestor Guimarães. Rua bucólica, num bairro pacífico até no nome: Vila
Placidina. E, ao longo dos anos, tratamos de transformar nosso novo lar num
lugar cada vez mais calmo e agradável: plantamos frondosas árvores na calçada
em frente, e três frutíferas no pequeno jardim para atrair os pássaros;
habituei-os com frutas colocadas todo dia num comedouro pendurado na
caramboleira, quirera esparramada pelo chão, bebedouros com água adocicada pendentes
do beiral da casa.
Com o tempo, nosso jardim tornou-se um verdadeiro
santuário. Ele atrai canários, avoantes, rolinhas, bem-te-vis, joões-de-barro, sabiás,
saíras, guaxos, corruíras, cambacicas, beija-flores, às vezes até o vistoso e arisco
tié-sangue. Na sibipiruna da calçada aparecem gaturamos, coleirinhos e outros
pássaros. As árvores abrigam vários ninhos, na época dos filhotes temos de
evitar que as cachorras da família escapem para o jardim. Seria o fim prematuro
dos pequenos apressados que saltam do ninho mas ainda não sabem voar. Minha
filha, com a infância povoada pelos pássaros que via pela janela da sala,
escreveu o livro infantil “A menina e o passarinho”, que foi seu aplaudido
trabalho de graduação no curso de Design Gráfico.
Enquanto Ponta Grossa crescia e se
agitava, nossa casa permanecia aquele recanto plácido, onde nos refugiávamos
aliviados depois da azáfama de cada dia. Mas mudanças começaram, no início com
a construção de prédios altíssimos nas vizinhanças. Até que, nesta primavera de 2023, soubemos,
pelo noticiário, que o tráfego na Nestor Guimarães, e no bairro, iria mudar.
Estávamos então fora da cidade, talvez um capricho da providência. Quando
retornamos, demos com o sentido do tráfego na rua invertido, e o trânsito todo
de retorno do Jardim América passando defronte de casa.
Tenho o hábito de, bem cedo pela manhã,
por uma hora, praticar o Tai-Chi na sala de casa, janela aberta para o jardim.
Enquanto me exercito, divirto-me observando o alvoroço dos pássaros nas
árvores, nas frutas, na quirera, nos bebedouros. Agora, com as mudanças, no
intervalo de uma hora dez ônibus vindos do Jardim América, mais alguns
barulhentos caminhões, afugentam os pássaros da antes tranquila Nestor
Guimarães.
Não conversaram com os moradores a
respeito das mudanças no bairro. Não explicaram a razão das alterações. Aliás,
aos olhos de um leigo, a mudança parece um desatino injustificável:
transferiram o tráfego pesado de uma avenida larga e movimentada para uma
estreita e antes pacata rua de bairro.
Espigões de enormes prédios têm-se
agigantado entre as moradias da Vila Placidina, eles também desdenhando o
impacto sobre os antes acolhedores, ensolarados, silenciosos e despojados lares.
Agora, o inexplicável tráfego na rua que era tranquila vem reafirmar que a
desfaçatez é marca inevitável do crescimento sem planejamento nem consideração.
Mais uma vez, lamentavelmente, “Adeus à
placidez da Placidina”.
Lamentável, Mario Sergio! Também acho que certas modificações deveriam ter o aval da população, por mais trabalho que gestor municipal tenha ao fazer essas consultas junto aos moradores das comunidades.
ResponderExcluirQue triste. Era uma vez uma rua.
ResponderExcluirConosco aconteceu fato semalhante. Deixamos a nossa casa na Rua Antonio João, mão dupla, barulhenta e quase um suicídio sair da garagem. Passamos a viver na paralela, Rua João Antonio, tranquila e silenciosa. Depois de algum tempo criaram um binário e nossa rua atual há um desfile de ônibus, caminhões, veículos pesados e um barulho ensurdecedor. Nunca se sabe quando seremos "premiados" com isso, a instalação de uma igreja evangélica na frente, um circo ou um acampamento de ciganos.
ResponderExcluirFui moradora da Vila Placidina. Assustada hoje com a triste feição que esse lugar antes pacato está tomando. O lamentável é o conceito equivocado de modernidade que não leva em consideração o bem viver de moradores, a tranquilidade do ir e vir .
ResponderExcluirA incrível velocidade da destruição. O que se levou anos para construir é destruído numa canetada. Ninguém se importa, se as mudanças irão afetar o psicológico dos moradores.
ResponderExcluirPoxa vida! Os burocratas comissionados precisam justificar seus altos salários nos cargos públicos! Dá nisso!
ResponderExcluirU
ResponderExcluirEm nome da especulação imobiliária em detrimento da vida saudável.
Sinto muito Sérgio.
Realmente uma pena. Parece irreversível essa sanga imobiliária.
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