sábado, 5 de agosto de 2017

Quanto é suficiente? – o conceito de vida boa

Quanto é suficiente? – o amor pelo dinheiro e a defesa da vida boa é o título de um livro dos irmãos britânicos Robert Skidelsky (economista) e Edward Skidelsky (filósofo) publicado no Brasil em 2017. É leitura muito recomendável para quem tem intenção de manter algum discernimento e lucidez neste nosso conturbado mundo atual, em que o amor pelo dinheiro tem guiado a humanidade.
O livro começa por diagnosticar como anda a economia no mundo, comparando dados de renda per capita, distribuição de renda, qualidade de vida, satisfação com a vida e felicidade. Nesta primeira parte, o livro mostra dados que levam a concluir que a renda per capita no mundo todo é crescente, a renda encontra-se cada vez mais concentrada, os índices de qualidade de vida mostram melhoras, mas a satisfação e a felicidade pioram. É mencionada a insaciabilidade dos desejos humanos, que junto com a necessidade de ostentação e a competitividade levam ao equívoco de considerar que o possuir é a meta fundamental da vida.
Discute também a inescapável redução da necessidade de mão de obra, substituída pela tecnologia, nos processos produtivos atuais. E a importância de planejar a redução da carga horária de trabalho visando evitar o desemprego e o ócio nocivo.
O livro define “vida boa” como aquela que não é dedicada somente ao trabalho e ao consumo, mas aquela que é vivida com satisfação, e que desejamos viver. Ela nos propicia experiências estéticas, intelectuais, morais e éticas. Vida boa identifica-se com bem estar, no sentido amplo do ser: orgânico, emocional, mental, moral, espiritual.
Em seguida o livro trata dos chamados “bens básicos” para a vida boa: saúde (no sentido amplo da palavra), segurança (no trabalho, na integridade pessoal, na liberdade de pensamento, de credo, de deslocamento...), respeito (de etnia, de cultura, de origem, de ideologia, de classe social...), personalidade (que vem com a educação, e permite que cada um tenha plenas condições de avaliar com sabedoria e tomar partido nos muitos impasses com que a vida nos confronta), harmonia com a natureza (fala-se em “ecologia profunda”, aquela em que a compreensão utilitária da ecologia – o natural é para garantir-nos a vida presente e futura – evolui para a ecologia profunda – todo o planeta, toda a vida, tem um valor intrínseco que ultrapassa os interesses humanos, está no mesmo nível de valor da vida humana), amizade (incluindo-se aí os laços de família, mas indo muito além, para todas as relações que englobam intensidade e afetuosidade) e lazer (aquelas atividades que nos trazem relaxamento, repouso e crescimento que nos permitem refletir e aperfeiçoar nossa percepção do mundo e de nós mesmos, melhorando nossa auto-estima e nossa afetuosidade).
E o livro termina apontando saídas, pessoais e sociais, para a vida boa: normas gerais que inibam a insaciabilidade dos desejos humanos (acumulação e consumo exagerados); gestão responsável da substituição do trabalho pela tecnologia de modo a propiciar o lazer saudável; distribuição equitativa da renda; sistema educacional voltado para a formação de cidadãos conscientes e comprometidos com a satisfação humana, e não para a satisfação do mercado; produção voltada para necessidades locais, e não para o mercado mundial; sistema tributário incidente sobre o consumo e não sobre renda; tributação diferenciada de ganhos rentistas, altos salários, heranças e fortunas; controle da publicidade, de forma que o consumo atenda mais a reais necessidades e não a necessidades criadas pela propaganda.
A leitura do livro inevitavelmente nos faz refletir sobre o momento que passamos no Brasil: por aqui, a concentração de renda só faz aumentar, a tributação incide mais sobre o trabalhador pobre do que sobre o rico especulador, a educação forma para o mercado de trabalho, não para a vida cidadã. 
     E, principalmente, nos faz compreender que reformas necessárias para ajustar contas públicas devem objetivar prioritariamente o sistema de tributação, e não as leis trabalhistas e a aposentadoria.
Estamos muito longe do que o livro preconiza como caminhos para a vida boa.