quarta-feira, 20 de abril de 2016

Vinganças divinas II

(este texto dá continuidade ao Estória da criação, postado em 20 de novembro de 2015, e ao Vinganças divinas, postado em 4 de fevereiro de 2016)

          Passado algum tempo no Planeta Terra, que nas intemporais plagas celestiais mal teria dado para retomar o fôlego após a última conversa, o fiel ajudante Pedro voltou a procurar o Criador, visivelmente preocupado:

          ¾ Mestre, Mestre, definitivamente nosso experimento na Terra parece estar regredindo...

          ¾ Calma, Pedro, calma. O que está acontecendo?

          ¾ Ora, depois de um final de Século XX com auspiciosos sinais de prosperidade e liberdade, o início do Século XXI voltou a nos trazer sinais preocupantes. Além do incremento de guerras, intolerâncias, atentados e iniquidades pelo mundo, constata-se um contínuo crescimento das chamadas direitas totalitárias, que já levaram a atrocidades, ditaduras...

          ¾ Repetem-se os erros, Pedro? A humanidade custa a aprender, já sabíamos disso.

          ¾ Mas agora estão passando dos limites, Mestre. No Brasil, aquele nosso país experimento dento do nosso Planeta Terra experimento, está se consumando uma das maiores iniquidades da espécie humana. Lembra-se que, após décadas de ditadura, os chamados anos de chumbo, o país chegou a eleger um homem do povo? E depois uma mulher! E que eles eram governantes que tinham como metas de governo a distribuição de renda, e inclusão social e a soberania do país?

          ¾ Claro que lembro, Pedro. Acabamos de conversar sobre isso. Não estou assim tão decrépito! As coisas não andavam bem por lá, até determinamos a epidemia do zika vírus. Piorou?

          ¾ Sim, Mestre, está piorando! Além do zika, da dengue e de uma tal febre chikungunya, providenciamos o ressurgir da tal gripe H1N1, mais mortal que nunca. E as iniquidades do país continuam superando todos os absurdos de que se tem notícia.

          ¾ Explique-me, Pedro.

          ¾ Acontece que a poderosa elite privilegiada do país, a chamada casa grande, uniu-se com a grande mídia e os poderes legislativo e judiciário. E juntos estão transformando uma pretensa luta interna para vencer um mal secular, a corrupção, na luta para derrubar o governo daquela presidenta eleita pelo povo, que queria acabar com a pobreza e o colonialismo no país.

          ¾ Ora, Pedro, mas isso me parece bem habitual. Já sabemos que, ao longo da história, as elites não querem mudanças, e reagem com violência às tentativas de diminuição da distância que separa pobres de ricos. E com astúcia. Sempre conseguem iludir uma parte do povo de que estão lutando pelos interesses do país e dos pobres. Que velhacos! E que povo manipulável!

          ¾ Mas Mestre, no Brasil estão exagerando. Aquela mulher que se tornou presidenta graças ao apoio de seu antecessor, o presidente operário, está sendo injustiçada e condenada pela elite casa grande, por um parlamento corrupto, uma grande mídia mentirosa e a parcela da população que não consegue discernir as coisas. E logo essa presidenta, que desde jovem foi uma idealista militante pela liberdade e soberania do país, e que por isso foi presa e torturada!

          ¾ Temos que ter paciência, Pedro. Já sabemos que a Terra é um planeta que aprende com os erros, que a humanidade precisa colher os frutos amargos de seus desacertos para encontrar o caminho da verdadeira evolução.

          ¾ Mas Mestre, vamos deixar as coisas assim como estão? Vim procurá-lo porque nosso Departamento de Compensação de Iniquidades está desorientado, já não sabe o que fazer diante de tantas afrontas. Veja que até circulou pelas redes de besteirol dos humanos que se cercassem o parlamento com um muro, seria o maior presídio do país! E se cobrissem com uma lona, seria o maior circo!

          E os dois riram como crianças, algo incomum lá pelas bandas celestiais. Depois olharam-se com jeito de troça e escárnio, os músculos das faces ainda relaxados, os olhos brilhantes de uma aguda e maliciosa vivacidade.

          ¾  Creio que desta vez não precisaremos intervir, Pedro. Os acontecimentos vão seguir seu rumo natural. O Brasil já está voltando a ser motivo de espanto e zombaria de todo o mundo, como aconteceu na derrota de 1X7 para a Alemanha. Agora a goleada foi no parlamento. A iniquidade foi quem ganhou de goleada. Mas um dia, Pedro, um dia, o povo, o país, vão envergonhar-se desse episódio de sua história, tão eivado de erros e de infâmias, e de seus desdobramentos. Então vão arrepender-se, e procurar caminhos mais civilizados.

          ¾ É, Mestre, civilidade é o que parece estar faltando...

          ¾ O valor da civilidade só é reconhecido quando a perdemos. É esta a lição a aprender no momento.

          ¾ Que assim seja, Mestre, que assim seja. Então, vamos ver...


          E Pedro retirou-se. Sozinho, o Criador tinha o semblante preocupado, as sobrancelhas franzidas. Estariam conduzindo de forma acertada aquela arriscada experiência no Planeta Terra?

quarta-feira, 13 de abril de 2016

VCG - mesquinharia ou pirataria?

          A Viação Campos Gerais (VCG), empresa que detém o monopólio do transporte coletivo em Ponta Grossa, está impondo uma novidade que é um espantoso retrocesso: os alunos não têm mais direito à consagrada meia tarifa fora do restrito horário de suas aulas. Se têm aulas pela manhã, não têm direito à meia tarifa à tarde, se têm aulas à tarde, não têm direito pela manhã, se têm aulas à noite, não têm direito durante o dia.

          Mas o que significa esse retrocesso imposto pela empresa? Talvez signifique um esforço de aumentar seu lucro? Então teríamos de considerar que se tratasse de um caso de mesquinharia? Ou talvez signifique um esforço deliberado para prejudicar o desempenho escolar de nossos jovens provenientes das camadas mais carentes da população? E neste caso teríamos que considerar que se tratasse de uma pirataria, e assim sendo o que estaria sendo pilhado seria a educação de uma parte da juventude, a mais pobre, que está sendo preparada para conduzir nosso país?

          Seriam os dirigentes da VCG que inventaram este retrocesso pessoas que nunca frequentaram uma escola? Ou nunca precisaram utilizar o transporte coletivo? Não saberiam eles que, além do horário das aulas, os alunos, principalmente os dos ciclos superiores, no ensino médio e na universidade, também frequentam as bibliotecas para pesquisas e consultas, reúnem-se com colegas para estudar e elaborar trabalhos, participam de grupos de estudo e de iniciação científica, fazem estágios obrigatórios, assistem a encontros científicos, participam de centros acadêmicos estudantis e de atividades culturais ou sociais nas suas instituições de ensino?

          E as direções das instituições de ensino, principalmente das universidades e faculdades da cidade, qual seria seu papel perante tal retrocesso? No meu entender, as diretorias e reitorias, bem como o Núcleo Regional de Educação, deveriam estar questionando esta absurda imposição da empresa de ônibus. Já lhe basta o questionável privilégio do monopólio.

          E os estudantes penalizados com a proibição da meia tarifa? Bem, a estes meu conselho é que se organizem em suas entidades estudantis, centros acadêmicos, diretórios, e exijam a devolução do direito consagrado que lhes está sendo usurpado. Reivindiquem perante as direções das instituições de ensino cobrando-lhes um posicionamento diante da VCG, reivindiquem diretamente à VCG, reivindiquem perante a prefeitura, que é quem contrata a empresa de ônibus. E se isto não der resultados, manifestem-se perante a população, vão à rua dar visibilidade à usurpação de seus direitos e à improbidade da empresa de ônibus.

          Em outros locais do Brasil e do mundo a reivindicação hoje é pelo passe livre, e não pela meia tarifa. Já se pode considerar um atraso reivindicar a meia tarifa plena. Um atraso maior, beirando a ignorância, é o retrocesso de restringir a meia tarifa. A não ser que esteja prevalecendo o entendimento de que é necessário que a população mais pobre, aquela a quem faz diferença a tarifa do ônibus, tenha mesmo que ter a educação prejudicada, e tenha que permanecer na ignorância.

          Será este o caso?