sábado, 30 de março de 2019

Compromisso com o desígnio da palavra, da Academia e da liberdade


(discurso proferido na cerimônia de posse à Cadeira nº 7 da Academia de Letras dos Campos Gerais em 20/03/2019).

Prezados Diretores e Membros da Academia de Letras dos Campos Gerais e convidados, autoridades já nomeadas, boa noite.

Acredito que vivemos um momento singular na história do país, e do mundo, em que as artes andam negligenciadas. E que, sem a arte para nos despertar a sensibilidade, a compreensão e a tolerância, a percepção do outro e o convívio afetuoso são muito prejudicados. As artes literárias, como todas as artes, têm papel fundamental a cumprir neste momento. As artes propiciam experiências estéticas, lúdicas, afetivas e reflexivas essenciais para o pleno desenvolvimento do caráter e da cidadania, principalmente dos nossos jovens.
Considero que vivemos a civilização da informação, e da barbárie que com ela se comete, pela falta de sabedoria, de discernimento, de compaixão. Mas acredito nos aprendizados que a vida nos impõe. Que tenhamos sensatez para fazer uso das palavras dosando com ponderação a obediência e a transgressão das normas. Pois para progredir é preciso por um lado conhecer e respeitar a tradição e por outro ousar para inovar, para transformar. Oxalá tenhamos sempre o equilíbrio entre as raízes, que nos consentem conhecer e reverenciar o legado dos que nos antecederam, e as asas do desprendimento e da ousadia, que nos impelem ao novo, ao sonho, à utopia.
As palavras têm muita força, às vezes insuspeita. Basta perceber a reação que atualmente provocam em nós certas palavras disseminadas nas novas mídias, que nos assaltam a qualquer momento, em qualquer lugar.
Que falta nos faz hoje estarmos focados em outras palavras, tais como ética, solidariedade, discernimento, sabedoria, esperança, compaixão. Se nos propomos a zelar pela força transformadora das palavras, temos que nos comprometer com o uso que se faz delas e de seu significado.
Tomemos o exemplo de uma palavra que atualmente tem sido bastante mencionada: comunismo. E tomemos uma afirmação de Frei Betto para se ter uma ideia da controvérsia que paira sobre a força desta palavra:
“... todo verdadeiro comunista é um cristão, embora não o saiba, e todo verdadeiro cristão é um comunista, embora não o queira.” (Frei Betto no livro “Aquário Negro”, Editora Agir, 2009).
Lembremos que Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Christo) é um frade dominicano, um dos expoentes da Teologia da Libertação, premiado escritor de mais de uma centena de obras (ganhou, entre muitos outros prêmios, o Jabuti em 1982 e o Juca Pato em 1985 pela obra Batismo de Sangue, e de novo o Jabuti em 1985 pela obra Típicos Tipos – Perfis Literários).
É o uso da palavra com o intuito de revelar, libertar, emancipar, que desejo seja meu guia. E, procurando empatia deste meu desejo com os escritos do Patrono e do Fundador da Cadeira nº 7 da Academia, que ora assumo, encontrei estes:
“Nunca foi tão necessário repetir ao mundo a mensagem da salvação, porque nunca esteve ele tão afastado de Jesus Cristo. O laicismo se tornou anticristianismo, Jesus está sendo, mais do que nunca, expelido da vida civil, social e política e crucificado nas almas dos crentes. Quantos cristãos vivem como pagãos.”
(trecho da Carta Pastoral “Preparação e Fruto”, 1963, de D. Antonio Mazzarotto, Primeiro Bispo da Diocese de Ponta Grossa, de 1930 a 1965, Patrono da Cadeira nº 7 da ALCG – trecho extraído da tese de doutorado da Professora Rosângela Wosiack Zulian, 2009).
Neste texto de D. Antonio Mazzarotto podemos substituir “a mensagem” por “a palavra”. Parece-nos que a palavra cristã encontra-se hoje ainda mais incompreendida que nos idos de 1963.
De Gabriel de Paula Machado, escritor, pianista e conceituado farmacêutico especializado em análises clínicas, Fundador da Cadeira nº 7, encontramos as seguintes palavras:
NÃO ME PERGUNTES
o que é liberdade!
Se tu não a conheces
é porque não a tens
e ninguém, ninguém...
pode ensinar-te o que ela é.
Exceto tu!
Tu mesmo!”
(do livro Crônicas e Poesias, Editora da UEPG, 1999).
Neste caso, as palavras do poeta alertam-nos sobre como encontrar a liberdade, tão ameaçada nos dias atuais.
Diferente de como tenho sido profissional geólogo e professor, não sou um escritor empenhado, organizado e pesquisador. Sou mais um escritor diletante, movido pela inspiração, criativa mas incerta, intermitente, distraída, despojada. Acho que manifesto no pesquisador, professor e escritor as diferenças e a completude entre ofício e arte. Acredito muito na possibilidade da arte literária emaranhar-se nas lides cotidianas e assim colaborar para que as pessoas se tornem partícipes humanizadas nas urgentes transformações que o momento que vivemos está a demandar.
Não tenho cartão de crédito, não tenho facebook nem instagram, não uso celular, não tenho plano de saúde, não tenho gravata nem terno, muito menos colete social. Mas tenho crédito, procuro manter-me conectado com o mundo, até o momento tenho tido saúde. Embora seja avesso a formalismos, procuro apresentar-me dignamente, mantenho minha naturalidade mas respeito o jeito de ser diferente. E tenho convicções e propósito.
Para finalizar, ratifico o compromisso de dedicar-me com desvelo às finalidades da Academia. Espero que minha atuação venha a fazer jus ao desígnio da palavra e à honra de ter sido acolhido como vosso confrade.
Muito obrigado.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Brasil: a metáfora da barbárie

Publicado no Jornal da Manhã em 16/03/2019.

Em janeiro último, na postagem sobre o crime-tragédia Brumadinho neste blog, o Professor de História Luis Fernando Cerri escreveu o seguinte comentário: “Brumadinho, infelizmente, virou uma metáfora do que está acontecendo - economicamente, politicamente, socialmente - no Brasil como projeto de nação e de civilização.” Que tristeza ter de reconhecer quão certas estão estas palavras: nosso imenso país, tão vasto, promissor e rico, nos dá mostras de que se encontra num deplorável caminho de desestruturação social, um marcante retrocesso civilizatório.
E não é só Brumadinho. O show midiático da prisão dos bodes expiatórios assassinos de aluguel de Marielle Franco, enquanto os mandantes permanecem irrevelados, protegidos por membros dos órgãos que os investigam, é outra dura evidência do cinismo que vivemos. A incivilidade do assassinato da cidadã Marielle revela que o crime banalizou-se nas altas esferas do poder, e é ocultado pelas autoridades que deveriam investigá-lo. Talvez estivéssemos num regime mais veraz se fôssemos uma ditadura onde os opositores são sumariamente executados, e não viveríamos a farsa deste regime em que se executam as vozes contrárias e imputamos o crime à índole hedionda de bodes expiatórios.
Mas as farsas de Brumadinho e de Marielle não são as únicas a nos revelar a hipocrisia e o desatino de nossos tempos. Que dor ver o maior estadista que o Brasil já teve, o metalúrgico sindicalista que o destino alçou ao papel de líder dos brasileiros simples e com capacidade de discernir, e projetou-o mundialmente por seu empenho na soberania do país e na diminuição dos abismos sociais, ser tratado como bandido, humilhado, caluniado e privado de direitos humanitários mais básicos, que não são negados nem ao maior facínora. Lula é agora odiado por parcela do povo que ele tentou emancipar, que reage com reflexos condicionados, como cães amestrados.
O país perdeu a noção, perdeu o rumo. A chacina na escola de Suzano, na Grande São Paulo, em que jovens transtornados invadem o antigo colégio para premeditadamente executar professores e alunos, aparentemente movidos por algum tipo de ressentimento e vingança, é a apoteose da patologia que tomou conta do país. Esta patologia mostrou seus primeiros sintomas em 2013, agravou-se em 2016 e atingiu estado crítico em 2018, quando não surtiram efeito frases como “se a apologia da tortura não é suficiente para tocar seu coração, então todos os outros argumentos são inúteis”, que circulou na web. Apesar dos alertas, o Brasil elegeu para governantes fantoches despreparados e entreguistas a serviço dos interesses estrangeiros que desejam rapinar o país e seu povo.
Mas a História nos mostra que é errando que a Humanidade aprende. Indiscutivelmente evoluímos, ou estaríamos ainda nas cavernas. Mas precisamos cometer erros, que depois nos parecem absurdos, até enxergar o caminho certo. São retrocessos efêmeros, depois seguimos adiante. Que estes colossais erros que temos cometido nos acordem, que deixemos de ser gado tangido, com convicções manipuladas pelas baixezas da grande mídia e das redes sociais.
Que os brasileiros voltem a acreditar no sonho de uma nação soberana, justa, pacífica e honrada.