terça-feira, 28 de março de 2023

A direita é escravagista

  Publicado no Jornal da Manhã em 30/03/2023.

Em primeiro lugar, quem é a direita? Historicamente, era a porção da sociedade ─ negociantes, empreendedores, empregadores, proprietários de terras e de bens, leais à monarquia, enfim, os burgueses ─ que tomava lugar à direita do presidente da Assembleia Nacional a partir da Revolução Francesa, no final do século XVIII. À esquerda do presidente tomavam lugar aqueles que ganhavam seu sustento com o próprio trabalho, e que eram partidários da revolução e fim da monarquia.

Com o tempo, “esquerda” e “direita” foram acumulando sentidos, adicionados pelos acontecimentos relacionados com o sistema econômico e a luta de classes: trabalhadores de um lado, empregadores donos do capital do outro. No Brasil, a direita identificou-se com séculos de escravagismo: acorrentou nativos ─ quase totalmente exterminados devido à “não adaptação ao jugo” ─ e negros africanos ─ “mais dóceis e adaptáveis”. Sociólogos como Jessé Souza e outros alertam que esta direita sentiu-se lesada quando da Lei Áurea, que extinguiu a escravidão, pois não foi indenizada pela perda de sua “propriedade”, os escravos negros. Perda que o Estado lhes impunha.

Essa direita, ressentida com a obrigatória expropriação da mão de obra que a servia, concedeu-se o direito de explorar, da mesma forma que o fizera com os escravos, os novos trabalhadores que viessem servi-la. Daí amiúde afirmar-se, desde Gilberto Freyre, que a escravidão no Brasil ─ ou a casa grande que a simboliza ─ não é uma instituição histórica, mas é uma estrutura mental vigente. A direita, ou a “elite” dona do capital, os injustos exploradores do trabalho, continua vendo o trabalhador como sua propriedade, pertencente a uma “casta” inferior, sem direitos, muito menos o de sonhar com justiça, igualdade e prosperidade. A direita não é só insaciável em sua ânsia de poder e lucro; ela se considera um ser humano diferenciado, autorizado a discriminar, subjugar e explorar a mão de obra que a serve. O escravagismo está enraizado na direita.

Alguns fatos recentes fazem evidenciar a luta direita x esquerda no Brasil. Com a quebradeira de bancos e o tumulto do mercado mundo afora, o Banco Central mantém no país a taxa de juros que é a mais alta do planeta. Garantia de que a população ─ os trabalhadores ─ continuem suprindo o pagamento das rendas aos donos do capital, que emprestam ao Estado. Bolsa de valores caiu, dólar subiu! Os grandes veículos da mídia ─ o “partido das elites” de acordo com Jessé Souza ─ atribuem o mal desempenho do mercado brasileiro à fala de Lula, presidente de esquerda, que criticou as altas taxas de juros. Houve raras exceções admitindo que a turbulência do mercado na verdade tem outras razões fundamentais: a alta taxa de juros, que freia o crescimento econômico, e as incertezas no mercado internacional.

O presidente esquerdista ─ que não é comunista, como a direita insiste dizer ─ é obrigado a vir a público para alertar que a direita sempre vai reagir negativamente às iniciativas que procurem igualar oportunidades para toda a sociedade, tais como o fim da fome, o emprego e salário dignos, a casa própria, educação e saúde gratuitos e de qualidade, chance de cursar uma universidade, mais justiça tributária...

A direita não é só escravagista. Em nome da defesa do escravagismo é capaz de todo tipo de manipulação, intimidação, desumanidade e mentira.

sábado, 4 de março de 2023

Patriotismo, emancipação e soberania

 

Os últimos anos e os acontecimentos deste início de 2023 nos impelem a refletir sobre o que significa, de fato, o patriotismo: a segurança das armas e a riqueza dos lucros do agro, ou o sonho de uma sociedade mais justa e inclusiva, com toda a contenda implícita? Decerto a questão não se resume ao que está expresso nesta simplória interrogação. A noção de genuíno patriotismo é muito mais complicada.

Na web encontra-se a definição de patriotismo: resumindo, é o amor à pátria ─ a terra natal ou adotiva ─ e aos compatriotas ─ todos aqueles que nela vivem, seus vínculos afetivos, seus valores, sua cultura e história. Patriotismo não deve ser confundido com nacionalismo; este subentende interesses de grupos identitários e ideológicos. Quer dizer, o patriotismo é maior que o nacionalismo, pois o amor à pátria e aos compatriotas abarca identidades e ideologias diversas, talvez até conflitantes.

Pátria confunde-se com nação. A pátria pode significar “a terra dos antepassados”, enquanto nação é “a terra do nascimento”. Os dois conceitos entremeiam-se e completam-se. Nação pode ainda ser compreendida como a evolução do sentido de pátria, quando a sucessão histórica de gerações e gerações impregna o território com cargas de memória afetiva, cultural e moral. A nação constrói-se através do tempo e das experiências compartilhadas por seu povo. Por isso é mais comum identificar-se nações plenas nos países que têm história mais antiga, e com mais vicissitudes já vivenciadas.

Quando indagamos sobre patriotismo, a questão fundamental talvez seja justamente verificarmos se estamos preparados para compreender e aceitar o diverso. O Brasil é uma pátria continental, com marcantes diferenças naturais regionais e uma história complexa, envolvendo exploração colonial predatória, extermínio da população nativa, prolongado escravagismo, independência e monarquia tuteladas, abolição e república mal resolvidas, branqueadora imigração... Tudo a conspirar para engendrar uma pátria repleta de diferenças, naturais, raciais, culturais, econômicas, religiosas, ideológicas...

Dessa complexidade surge a pátria, que ainda não é nação, que somos hoje. Um país onde mais da metade da população tem ascendência africana, mais da metade ascendência europeia, talvez mais da metade ascendência silvícola ou asiática. Sim, nossa mestiçagem perfaz muito mais que duas metades. Quantos dentre nós têm ascendentes negros, brancos, bugres, asiáticos... todos misturados?! Natural que de tanta mistura racial surjam tantas diferenças culturais, religiosas, ideológicas, filosóficas... Cada qual com sua ideia do que seja pátria e patriotismo.

Mas, se queremos evoluir para a construção da nação que confere identidade, têmpera moral e esperança a seu povo, temos de aprender a lição essencial, já aprendida pelos países mais antigos que nós: o amor aos compatriotas, a superação das intolerâncias, o exercício da cidadania. Embora diferentes, habitamos o mesmo país, temos o mesmo sonho de emancipação. O maior patrimônio de um país é seu povo. Se lúcido e solidário, o povo há de promover o discernimento e a emancipação.

Se soubermos respeitar as diferenças, e fortalecer o que nos identifica, construiremos uma nação. Próspera e soberana.