sábado, 19 de setembro de 2020

Ideologia ou hegemonia?

  

Há mais de dois séculos a humanidade vem se polarizando, dizem alguns que a polarização é ideológica: direita x esquerda, marxismo x liberalismo, socialismo x capitalismo, individualismo x comunismo e outros muitos rótulos. Esses rótulos têm sido enfaticamente repetidos e distorcidos, até que a população em geral ou não conheça mais seu verdadeiro significado, ou desenvolva em relação a eles um amor ou um ódio irracional.

A polarização supostamente ideológica encontrou sempre seu correspondente nos blocos econômicos: durante a guerra fria eram os “aliados” contra o bloco da Cortina de Ferro, atualmente é o Ocidente contra a emergente China e seus satélites. E nós, no Ocidente, sempre aprendemos que estamos sob ameaça da expansão do comunismo, identificado tanto com a União Soviética e a Cortina de Ferro quanto com a China e seus satélites.

Convém refletir sobre o real significado da polarização, já que ela muitas vezes leva países inteiros a guerras civis fratricidas por divergências de convicção. Talvez estas guerras fratricidas sejam já um objetivo conquistado por aqueles que manipulam e exacerbam a polarização: a concretização do princípio “dividir para conquistar”.

Terminada a Segunda Guerra Mundial os EUA difundiram pelas Américas o medo que no Brasil denominou-se a Doutrina de Segurança Nacional. O perigo iminente a ser combatido: o pensamento identificado com o outro grande vencedor (a um custo incomparavelmente mais caro) da guerra mundial: a União Soviética. Comunismo, marxismo, leninismo, socialismo passaram, para muitos brasileiros, a serem sinônimos de tirania, de crueldade, do mal maior, a ser evitado a qualquer custo, ainda que este custo seja a liberdade, a legalidade, a independência. A Doutrina de Segurança Nacional foi o pretexto para as ditaduras militares na América Latina, incluindo o Brasil.

Os dados históricos, entretanto, parecem revelar outros motivos para as radicalizações semeadas mundo afora. Nelas sempre se confundem as razões ideológicas, manifestas, e as econômicas, acobertadas. Não é isso que nos diz a aliança EUA e Iraque contra o Irã, depois a invasão do Iraque por causa das supostas, e inexistentes, armas de destruição em massa? A verdadeira razão dos conflitos sempre foi o petróleo, o Iraque tornou-se inimigo quando ameaçou exigir autonomia na comercialização de sua produção da maior fonte de energia do mundo atual. É essa fonte de energia, da qual os EUA carecem, que move os principais conflitos mundiais das últimas décadas, junto com os minérios estratégicos. Afeganistão, Irã-Iraque, Ucrânia, Líbia, Síria, Venezuela, Brasil e muitos outros, são guerras, crises e golpes cuja real razão é o controle das matérias-primas estratégicas.

As sofisticadas tecnologias midiáticas conseguem fazer o povo simples acreditar que assume posições ideológicas, na verdade está sendo manipulado para assumir posturas a favor da hegemonia econômica do grande ganhador da Segunda Guerra Mundial que pouco sofreu com ela, saiu-se como o grande credor da reconstrução da Europa, e temido após a demonstração de força dos maiores atos terroristas da História, o extermínio da população civil de Hiroshima e Nagasaki.

A suposta polarização ideológica serve a vários propósitos. Os dois principais talvez sejam a difusão do ódio fratricida, o “dividir para conquistar”, e a ocultação de que os conflitos visam, na verdade, a hegemonia econômica dos EUA sobre o planeta.

Às custas da submissão incondicional de seus vassalos.

domingo, 6 de setembro de 2020

O lucro das estatais: às custas de quem?

  Publicado no Jornal da Manhã em 09/09/2020.

Outdoors na cidade de Ponta Grossa assinados pelo Sindicato Rural e Associação de Ministros Evangélicos dizem: “Estatais em 2015: 22 bilhões de prejuízo. Estatais em 2019: 109 bilhões de lucro”. Ao mesmo tempo, a Assembleia Legislativa do Paraná declara-se preocupada com a venda de subsidiárias da Petrobras no estado, com previsão de relevante queda no ICMS e corte de milhares de empregos. Convém refletir sobre a relação entre os dois fatos.

O mau desempenho em 2015 deveu-se principalmente à Petrobras, a maior estatal brasileira. Ela estava no auge da sabotagem imputada às empresas brasileiras desde as delações premiadas da Lava Jato. Sobre isto, é útil a leitura do artigo “Conspiração e corrupção: uma hipótese muito provável” de José Luis Fiori e William Nozaki, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil em 30 de julho último (https://diplomatique.org.br/conspiracao-e-corrupcao-uma-hipotese-muito-provavel/). O artigo esclarece como o suposto combate à corrupção está sendo usado para destruir grandes empresas brasileiras (não só as estatais) e perpetuar o papel do Brasil como colônia fornecedora de commodities, sobretudo o petróleo.

O alegado “bom desempenho” de 2019 também é devido à Petrobras. O lucro veio da venda de partes da antes gigante brasileira. A Petrobras está sendo desmontada.

Esta é a lógica do governo ultraliberal: contam os lucros, e não seus impactos econômicos e sociais, nem a soberania do país. Quem apóia esta lógica, como o Sindicato Rural e a AME o fazem ao publicar os enganosos outdoors na cidade, é cúmplice da permanência do país num estágio de submissão, exclusão e desigualdade social que só traz mais conflitos, insegurança e atraso. A discrepância social no Brasil já é abismal. Apoiar medidas que a agravam é uma desumana temeridade, um arroubo dos insaciáveis gananciosos ávidos de vantagens pessoais.

O governo ultraliberal atual, que chegou ao poder graças à ingerência externa via cooptação de parte do Estado e da disseminação de mentiras, está tentando maquiar as contas do país com medidas que só prejudicam a população trabalhadora, e favorecem interesses transnacionais: congelamento do investimento em educação, saúde, pesquisa, cultura, infraestrutura, programas sociais e dos salários do funcionalismo (mas não de políticos, militares e judiciário), uberização do trabalho, novas taxações, aumento de tarifas, restrições à aposentadoria, venda das estatais, etc. Enquanto protela mudanças vitais, como a taxação de rentistas e fortunas, a revisão do imposto de renda e dos benefícios da elite.

Há outras considerações a fazer quando se fala em lucro das estatais. Guilherme Estrella, ex-presidente da Petrobras, alerta que a contratação de uma plataforma de exploração de petróleo em estaleiros brasileiros custava mais caro que comprar a mesma plataforma de um estaleiro na Ásia. Porque lá eles usam mão de obra quase escrava, e no Brasil as plataformas eram fabricadas por operários com direitos trabalhistas, resultando num encadeamento de benefícios econômicos e sociais.

Mas isso ficou para trás.