segunda-feira, 28 de maio de 2018

A crise por trás da crise dos caminhoneiros

Publicado no Diário dos Campos em 06/06/2018 e no Jornal da Manhã em 04/06/2018.

Por trás da crise da greve dos caminhoneiros, Felipe Coutinho, o presidente da AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobras – nos revela quais as verdadeiras causas dos seguidos aumentos dos preços dos combustíveis, que fizeram as estradas ficarem bloqueadas e o Brasil parar (ver em https://felipecoutinho21.wordpress.com/2018/05/27/entrevista-ao-brasil-247-sobre-a-politica-de-precos-da-petrobras/). A entrevista mostra que o Brasil tem exportado o petróleo bruto, que é refinado no exterior, principalmente nos EUA, e volta ao país com o preço mais alto, o valor agregado da industrialização lá fora. Enquanto isso, as refinarias brasileiras operam a 70% de sua capacidade. Ou seja, o petróleo que mandamos refinar lá fora e importamos mais caro poderia estar sendo refinado aqui.
 Como importamos os refinados pelo preço do mercado global, e este oscila ao sabor dos interesses das mesmas corporações transnacionais que importam nosso petróleo bruto e nos exportam de volta mais caro, a Petrobras vê-se na contingência de reajustar os preços de acordo com as diárias variações do mercado. Esse foi o principal motivo da paralisação dos caminhoneiros. Os custos do combustível sobem quase diariamente, o que não acontece com o valor do frete, que é sua receita.
E por quais motivos o governo estaria permitindo esta perversa negociação, que exporta o óleo cru como matéria prima relativamente barata e a importa na forma de refinados com valor agregado, enquanto poderia estar refinando aqui para a produção de combustíveis no país com preços livres das oscilações do mercado global?
Felipe Coutinho nos explica que a intenção do governo atual é, num futuro próximo, privatizar o refino e a comercialização de combustíveis no país. As potenciais empresas interessadas no negócio são justamente as transnacionais do petróleo. A elas não interessa um negócio onde os preços não acompanhem os preços praticados no mercado global. Então desde já o Brasil estaria se ajustando ao esquema pretendido.
Este esquema é o mesmo que tem vigorado desde o Brasil colônia. O país estaria destinado a ser um exportador de matérias primas relativamente baratas e um importador de produtos industrializados com valor agregado. A riqueza fica no país que agrega valor, e não no exportador de matérias primas. Isso aconteceu/ce com as madeiras nobres, a cana de açúcar, os minérios de manganês, alumínio, ferro e outros, a carne, a soja, e agora o nosso mais recente recurso natural exportável, o petróleo dos campos do pré-sal, descobertos em 2007. E fiquemos atentos, os próximos a serem visados são nossos aquíferos.
A lógica por trás de esquemas tão esdrúxulos é a lógica de priorização do interesse do mercado, em detrimento do interesse da população e da soberania nacional. Os recursos naturais de uma nação deveriam gerar riqueza dentro dessa nação, criar empregos, distribuir renda, contribuir para a prosperidade do Brasil, para a inclusão social e a diminuição da pobreza e das imensas diferenças sociais de nosso país. A riqueza oriunda de tais recursos deveria ser investida em saúde, educação, melhoria da infraestrutura, e em outras carências crônicas do Brasil.
Nunca a riqueza nacional, e no caso do petróleo estamos falando de uma riqueza exportável que descobrimos há uma década, deveria estar a serviço da sanha de inescrupulosas corporações transnacionais, regidas pela lógica do mercado e do lucro. O lema da Petrobras, criada em 1953, é “O petróleo é nosso”. Houve forte pressão popular para o caráter estatal da empresa, celebridades da época, como Monteiro Lobato e outros, engajaram-se na campanha de mostrar à população a importância do Estado manter para si o controle sobre riqueza tão essencial, pois os benefícios desta riqueza deveriam reverter em prol da população e da soberania do país.
Parece que essa rica história foi esquecida. É hora de relembrar população e governo que se o Brasil tem pretensão de acordar do berço esplêndido, e de ser o país do presente e não o eterno país do futuro, é preciso que deixemos de ser colônia exportadora de recursos naturais para satisfazer a sanha das corporações transnacionais e do mercado.

sábado, 26 de maio de 2018

Herança maldita



Nestes dias de paralisação dos caminhoneiros, tenho me surpreendido com o tanto que tenho visto na web, nos jornais escritos, em conversas, a atribuição da culpa ao que está acontecendo ao governo Dilma, que teria quebrado a Petrobras, que agora se vê obrigada a reajustar o preço dos derivados do petróleo diariamente. Uma herança maldita dos governos anteriores. Junto com a profusão de afirmações como esta, vejo cada vez mais adesivos do Bolsonaro presidente, e de pedidos de intervenção militar.
Vamos refletir sobre a Petrobras. Graças a uma política de autonomia, grandes investimentos e a tecnologia de ponta desenvolvida no Brasil para prospecção e extração de petróleo em águas profundas, a Petrobrás “descobriu” os enormes campos petrolíferos do pré-sal, em 2007. A existência dessas grandes acumulações de petróleo já era prevista pela teoria da Tectônica de Placas, anunciada na Europa por Alfred Wegener em 1912, mas só reconhecida pela comunidade científica na década de 1960. Foi por esse motivo que na década de 1970 a Petrobras desativou a sua Divisão de Exploração Sul, sediada em Ponta Grossa, e concentrou esforços de prospecção na plataforma continental, onde se situam as bacias de Campos e de Santos, de onde provém quase todo o petróleo produzido atualmente no Brasil. Em 2006 o Brasil tornou-se autosuficente, graças ao petróleo produzido na Bacia de Campos. Em 2017, graças à produção dos campos do pré-sal na Bacia de Santos, o Brasil exportou uma média de um milhão de barris/dia, aproximando-se dos maiores exportadores mundiais. E a produção do pré-sal está só no início, deverá crescer significativamente. Ou seja, a Petrobras não está falida, pelo contrário, apesar da sabotagem que vem sofrendo nos últimos anos, ainda é uma empresa fortíssima, detentora de tecnologia especializada, descobridora dos maiores campos petrolíferos do mundo nas últimas décadas.
Justamente por tornar-se grande produtora, e por ter sido um monopólio estatal, a Petrobras foi alvo de tantas campanhas, tanto ataques visando minar seu equilíbrio financeiro quanto sua credibilidade. Não é por acaso que a Venezuela está na enorme crise que vemos hoje, e o Brasil vive sua crise relacionada a preços de combustíveis. A Venezuela também, como o Brasil, tem tentado manter sua principal riqueza, o petróleo, um bem controlado pelo estado, protegendo-o da sanha do oligopólio que controla o petróleo no planeta. A indústria do petróleo é a segunda indústria que mais mobiliza recursos no mundo, só perdendo para a indústria da guerra, que é movida pela indústria do petróleo. As “sete irmãs”, corporações do oligopólio do petróleo, não poderiam tolerar que estatais de países sulamericanos ameaçassem seu controle sobre a principal fonte de energia do planeta. Daí as crises que vemos hoje no Brasil e na Venezuela.
As corporações transnacionais, aliadas com o interesse da hegemonia de poder mundial dos países onde mantêm suas sedes (EUA e Europa), sabotam os governos e as empresas, como a Petrobras e a PDVSA da Venezuela, que ousem desafiar seu oligopólio. É isto que está se passando no Brasil, onde os governos que fortaleceram a Petrobras e o monopólio estatal, através de políticas soberanas e pesados investimentos no desenvolvimento tecnológico da exploração em águas profundas, sofreram um golpe. E o mesmo está acontecendo, talvez de forma ainda mais aguda, na vizinha Venezuela.
Os preços do petróleo no mercado internacional são controlados pelo oligopólio. Eles podem mudar para favorecer o interesse das sete irmãs, ou para sabotar quem quer que lhes ameace a exclusividade, como as estatais de países periféricos. O oligopólio não mede esforços, nem consequências, para preservar seu domínio. A greve de caminhoneiros que vivemos hoje é só uma das muitas consequências. Outra é a mudança de governo. No Brasil assumiu um governo servil, submisso aos interesses internacionais.
E outra consequência, talvez ainda mais arraigada: a lavagem cerebral realizada na população, para que ela defenda os interesses de oligopólios estrangeiros ao invés de defenderem interesses de soberania nacional. Essa é a verdadeira herança maldita.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Eleição na Universidade

Publicado no Jornal da Manhã em 15/05/18.

Momento de eleição, momento de repensar a missão da Universidade pública. Dizer que seja ensino, pesquisa e extensão é estacionar na mesmice burocrática de quem não tem verdadeira compreensão do alcance do papel das instituições de ensino superior públicas. Na Universidade são formados professores, técnicos, os profissionais que dão continuidade à formação e ao aperfeiçoamento dos futuros profissionais. Os cidadãos, os homens (e, felizmente cada vez mais, as mulheres) públicos, os futuros administradores e tomadores de decisões que afetam toda a sociedade.
Historicamente, a Universidade tem sido a instituição onde se produz e onde se transmite todo o conhecimento essencial para o progresso da sociedade, pelo ponto de vista de quem a financia. Progresso não só tecnológico, mas sobretudo social, filosófico, moral, cultural... A Universidade pública tem, então, em tese, de priorizar o interesse de quem a financia: o público, o coletivo, visto que todos contribuem para seu custeio. 
As pressões para a privatização da Universidade são fortes: toda a estrutura construída com o esforço público passaria a interesses privados. Além do imenso negócio da formação superior cair nas mãos de quem prioriza o lucro, esta formação poderia então ser direcionada para os interesses dos negociantes.
Nos dias 15 e 17 de maio realiza-se a eleição para reitor e vice-reitor da UEPG. A UEPG é importante? Lamentável que ainda muitos neguem ou não enxerguem essa importância. Por sua antiguidade, tradição, alcance regional, multiplicidade de cursos e atividades, infraestrutura, a UEPG tem um potencial inquestionável. Acentuado pela singularidade da região e da cidade de Ponta Grossa. E qual a importância de sua direção, personificada antes de tudo pelo reitor e vice-reitor? Capital. São eles que definem a forma de preenchimento dos muitos cargos de confiança que vão administrar e determinar os rumos da instituição.
E atualmente quais deveriam ser estes rumos? Uma espiada na situação mundial e nacional pode nos dar algumas pistas. Vivemos uma época de retrocesso. Direitos humanos, conquistas trabalhistas, probidade, liberdade de expressão, inclusão social, respeito às minorias, igualdade de direitos, paz, soberania de povos e nações têm sido ameaçados e violentados em todo o mundo. E não é diferente no Brasil, onde os três poderes encontram-se em grave crise. Profundas distorções permitem que a insegurança e o medo intencionalmente disseminados sejam transformados em ressentimentos e ódios que só visam desarticular as forças sociais e facilitar a perpetuação de estruturas de dominação herdadas de séculos de escravatura. Insidiosa manipulação substitui o sentir e o refletir por reflexos condicionados, controla a opinião e constrói consensos avessos ao interesse coletivo.
A Universidade antes de mais nada tem de manter-se pública, e gratuita. Sua direção deve ter compromisso com o interesse da sociedade como um todo, não de corporações, ideologias e muito menos associações e sociedades secretas. E a sociedade é diversidade, é conflito. A Universidade tem de buscar condições de dialogar, de buscar e reconhecer consensos que signifiquem prosperidade da maioria. Para tanto é preciso que seja capaz de discernir, de analisar, de criticar, de autocriticar-se.
Que a comunidade universitária saiba escolher seus futuros dirigentes. Que estes tenham grandeza moral à altura do papel da instituição, que deve zelar pela capacidade de pensar e de fazer as escolhas mais adequadas para o aperfeiçoamento de nossa conflituosa sociedade.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Cegueira moral

Publicado no Diário dos Campos em 11/05/2018

Em seu instigante livro Ensaio sobre a cegueira, o premiado escritor português José Saramago (ganhou entre outros o Nobel de Literatura e o Prêmio Camões, máxima distinção literária da língua portuguesa) faz um provocante ensaio sobre como seria o comportamento humano caso nos víssemos livres das leis e convenções que nos governam e limitam nossos instintos. A partir de uma inexplicável epidemia de cegueira, os personagens do livro passam a uma selvagem disputa, primeiro por alimento, depois pelo poder e depois por sexo.
A cegueira visual, no caso do livro, liberta os demônios precariamente contidos pelas regras sociais quando estas colapsam. Mas não é necessária a ficção de um livro para nos mostrar do que somos capazes se nos virmos livres de regras. Basta ver o que acontece durante uma guerra ou qualquer outro conflito armado disseminado.
Existem outros tipos de cegueira: a religiosa, a política, a intelectual, a de sensibilidade... Mas talvez a mais insidiosa seja a cegueira moral, que impede de ver a diferença entre o certo e o errado, entre o que é socialmente aceitável e construtivo, e o que é prejudicial e destrutivo. Moral requer sensibilidade, empatia, solidariedade. Contrários a ela são a truculência, o individualismo ganancioso, a agressiva competitividade, a desfaçatez...
E como anda o mundo atual em relação a essas qualidades? De que forma têm agido os países que têm poderio militar e econômico? E as grandes corporações transnacionais? E as maiorias, étnicas, religiosas, ideológicas, como têm se comportado em relação às minorias? Qual papel têm exercido os grandes líderes mundiais, e mesmo os homens públicos em geral, até mesmo aqueles das pequenas cidades, muitas vezes eleitos pela população? Não são títeres a serviço de mesquinhos interesses corporativos que se confundem com ambições pessoais?
Parece que a civilização está sofrendo de uma cegueira real, não é a ficção da literatura de Saramago. Mas não é cegueira da visão, é cegueira moral, cegueira dos sentidos do que existe de humano entre nós. E, assim cegos, somos preza fácil de manipulações. Gostos de consumo, opiniões, comportamentos, ideologias são-nos imputados sem que nos apercebamos que acreditamos ser nosso o que nos é estranho. E passamos a consumir, a rejeitar, a odiar ou idolatrar aquilo que nos é subliminarmente induzido. Somos como cães das experiências de Pavlov treinados para ter os reflexos condicionados.
Não nos guiamos mais pela moral, noção muito íntima. Somos guiados pela grande mídia, pelo consenso construído, pelo nefasto exemplo dos homens públicos, eles mesmos já desmoralizados muito antes que nós.
Se pretendemos ver a humanidade prosperar e não sucumbir, agora que adquiriu o poder de autodestruir-se e de destruir o planeta, urge que recuperemos a visão moral.