domingo, 27 de março de 2016

Crucificados

Publicado no Diário dos Campos em 29/03/2016

          Cristo foi crucificado pela multidão. Homem simples que pregava o amor com firmeza, teve muitos admiradores e seguidores, e também uma multidão de detratores e ferozes adversários. Quando Pilatos lavou as mãos e entregou a sorte de Cristo às massas, estas escolheram salvar Barrabás, um notório salteador, homem do povo, pecador como as massas.

          Quais teriam sido as razões para a multidão condenar um homem santo e libertar um notório bandido? Talvez pelo fato de as massas identificarem-se mais com este último, com o qual compartilhava pecados da mesma natureza?

          Ao longo da história encontram-se muitos exemplos de homens e mulheres santos, ou pelo menos com algumas notáveis boas intenções, sacrificados pelos seus adversários. Joana D’Arc foi executada por rivais aos 19 anos, em 1431, por juntar armas ao lado de causas populares e em prol da soberania da França frente aos interesses ingleses, estrangeiros sempre dominadores.

          Giordano Bruno foi condenado pela inquisição por defender ideias consideradas heréticas, como a evolução das espécies e a imensidão do universo. Foi queimado em Roma em 1600, porque era um homem capaz de ver a verdade à frente de seu tempo.

          Gandhi, apesar de também ter muitos seguidores entre as gentes simples, sem o querer fazia inimigos desconhecidos. E por suas ideias libertadoras e pacifistas foi assassinado na Índia em 1948.

          Luther King foi outro libertador. Teve a coragem de desafiar a arrogante e truculenta hegemonia branca de sua época pregando igualdade racial sem violência. Coragem que lhe valeu o apoio dos negros, e o ódio de segregacionistas brancos. Foi assassinado em Memphis em 1968.

          John Lennon falava de amor e liberdade e sua linguagem era a música. Encantou gerações de jovens que o idolatravam, mas também despertou inexplicáveis ódios. Foi assassinado em 1980 em Nova Iorque.

          Chico Mendes foi outro homem simples que se dispôs a lutar pelos direitos dos trabalhadores rurais e em defesa das matas do Acre. Utilizava a tática dos empates, manifestações pacíficas em que os seringueiros defendiam as árvores com os próprios corpos frente ao avanço das máquinas dos desmatamentos. Foi assassinado com tiros de escopeta em dezembro de 1988.

          Dorothy Stang, religiosa estadunidense naturalizada brasileira, também atuava na Amazônia junto a trabalhadores rurais, buscando defender seus direitos e a barrar grilagens e desmatamentos ilegais. Foi assassinada numa estrada de terra no interior do Pará numa manhã de fevereiro de 2005.

          O traço comum entre essas celebridades é o fato de terem sido assassinados por tentar mudanças no mundo, seja lutando por maior justiça social ou maior amor entre os seres humanos, seja defendendo a verdade e a natureza que alimentam o corpo e a alma humana. E o verdadeiro amor inescapavelmente conduz à justiça. Talvez por esse motivo tenham sido todos assassinados? Mas qual é essa razão, ou falta de razão, que faz com que homens e mulheres que dedicam sua vida ao amor, à verdade, à justiça social e à liberdade sejam odiados a ponto de serem assassinados, e que os salteadores do povo sejam poupados?

         Se temos alguma consciência, é bom que dediquemos uma boa reflexão sobre isto. Estamos a celebrar o sacrifício de Cristo, que aconteceu há cerca de 2000 anos. Mas estes nossos conturbados tempos têm também suas celebridades idealistas que amealham ódios, e seus absolvidos salteadores do povo. 

sábado, 12 de março de 2016

Terráqueos e lunáticos

Publicado no Diário dos Campos em 12/03/2016

          Algumas religiões e filosofias acreditam que a humanidade seja na verdade formada de almas reencarnadas vindas de outros mundos, uns mais evoluídos outros menos que a Terra. O Criador aparentemente teria buscado juntar diferentes talentos, entre eles determinação e civilidade, na tentativa de que, inspirando-se uns aos outros, vingasse uma humanidade com a firmeza de caráter e o humanismo almejados pelo reino dos céus.

          O que se vê nestes nossos turbulentos dias de adolescência da humanidade parece indicar que tal crença tem fundamento. Fazendo uma grosseira separação, de um lado temos lunáticos que se empenham ou se solidarizam com causas humanitárias e ambientalistas, são contra intolerâncias e discriminações, ansiam por inclusão social, distribuição de riquezas e direitos iguais, apóiam campanhas a favor de animais, das matas e por dietas vegetarianas, são pacíficos e procuram preservar princípios éticos valorizando a equidade, a honestidade, a honra... O defeito maior deste grupo talvez seja a falta de combatividade, de têmpera que seria necessária para defender seus princípios. Seria o tal grupo da “maioria silenciosa”, que vê roubarem e pisarem as flores de seu jardim, mas nada faz.

          De outro lado temos terráqueos, para quem a competitividade e o sucesso são as regras fundamentais do planeta. Não medem consequências para atingir suas metas, são sarados, confiantes e guerreiros, são agressivos, egocêntricos e individualistas, depredam o planeta e subjugam animais e outros humanos, são vorazes comedores de carne, consideram natural que pertençam a uma casta superior, que deve dominar a outra classe, esta uma espécie de vassalagem reminiscente dos tempos de escravidão, ainda vigentes. A virtude maior deste grupo seria a garra com que encetam seus empreendimentos, dispostos a tudo para vencer. O defeito maior, a prepotência, a truculência, a ignorância.

          Se nos damos conta que parece mesmo que a um destes dois grupos pertence cada ser humano de que temos notícia, convencemo-nos de que a intenção do Criador era mesmo juntar raças diferentes para tentar criar uma nova raça, reunindo seus talentos, a garra e a determinação de uns com o humanismo e a civilidade de outros. Agora perguntemo-nos, a qual grupo pertencemos, ou melhor, a qual grupo pertencem nossas diferentes atitudes? E o experimento divino, visando a evolução da humanidade, está funcionando?

          Quero crer que seja cedo para respondermos a estas perguntas. Parece-me mesmo que a humanidade esteja em sua adolescência, em rápida transformação, ainda não sabemos no que vai dar. Se um adulto mais para os terráqueos, se mais para os lunáticos, se uma triste soma das fraquezas de ambos, ou se uma feliz combinação dos talentos de ambos. Este último caso é a expectativa do Criador.


          Tomara que esta última alternativa seja a que venha a se realizar! Tomara!