Publicado no Jornal da Manhã em 16/02/2023
José Miguel Wisnik é autor do livro “Veneno remédio – o futebol e o Brasil“ (Companhia
das Letras, 2008). Creio que seja o melhor livro de autor brasileiro sobre o
futebol e seu significado sociológico, talvez superado no exterior pelos
clássicos do gênero do mestre uruguaio Eduardo Galeano.
Wisnik coteja a história de fracassos ou
sucessos do futebol brasileiro com a história de vergonha ou pundonor da
população do país: ora o acanhado complexo de vira-lata, ora a dignidade e
esperança de acreditar na grandeza do país que estamos destinados a ser. Não só
a grandeza territorial e populacional, mas, sobretudo, a grandeza moral, sem a
qual nada prospera. Nem o futebol.
Nem vamos falar da copa, nem dos nossos
principais protagonistas atuais, que já nos colaram a pecha de país dos
cai-cais. Falta ao craque cai-cai a compreensão que futebol não é só saber
lidar com a bola. É também garra, combatividade, frieza, dedicação, propósito. Qualidades
não compráveis nem mesmo com os absurdos altos salários. Elas estão lastreadas
em algo mais transcendente. Por exemplo, o amor à camisa e ao país que ela
representa.
Vamos falar do Flamengo no campeonato
mundial de clubes e na seleção sub-20 no sul-americano disputado na Colômbia,
duas competições recentes. Os sub-20 acabaram conquistando o título. Mas não
sei como, depois de ver a postura do time frente às seleções da Colômbia e do
Paraguai. O que consegui ver são times brasileiros recheados de supostos
craques, caríssimos, mas que não conseguem articular uma jogada de equipe, não
conseguem exibir um padrão de jogo, não conseguem demonstrar a mesma garra que
os adversários. Parecem bandos desarticulados, perdidos em campo, intimidados
com a combatividade do oponente e, sobretudo, sem um objetivo claro a
conquistar. Tem-se a impressão que, de fato, o futebol tornou-se um mercado, os
jogadores uma mercadoria sem procedência, quer dizer, sem pátria. Mas veja-se
que isto vale para os brasileiros; não para os uruguaios, colombianos, sauditas
e marroquinos. Muito menos para os croatas, espanhóis, ingleses e argentinos.
É possível que desta vez não seja o
futebol que esteja desenhando a identidade do país e seu povo, mas sejam o país
e o brasileiro que estejam formatando o futebol. Dizia-se que o “futebol arte”
do Brasil, cheio de gingas, dribles e improvisos, era uma expressão da alegria,
espontaneidade e criatividade de seu povo. Quais seriam, atualmente, os
atributos da população e da nação que estariam a entrelaçar-se e identificar-se
com o futebol praticado por nossos times?
Desculpem-me os torcedores, mas o futebol
do Flamengo, da seleção sub-20, e também do meu querido Santos FC e de outros
times da “elite” de nosso futebol, estão dignos da série C. Muito atrás dos
times estrangeiros cuja motivação vai além do dinheiro.
Nós, no Brasil, estamos com um futebol série C. Num país série C.
Que saudade da
Democracia Corinthiana!