sábado, 29 de junho de 2019

Operação Lava Jato – o estertor da justiça


 Publicado no Jornal da Manhã em 29/06/19, sob o título "Operação Lava Limpo"
Boa parte da população brasileira vê na Operação Lava Jato o remédio para um mal crônico que sangra a saúde moral e econômica do país: a corrupção. Mas urge refletir sobre a verdadeira razão da operação.
Combater a corrupção enraizada no modo de ser do brasileiro é necessidade capital. Mas acreditar que ela foi inaugurada e é exclusiva de um único partido ou ideologia política é um erro que põe a perder qualquer tentativa honesta de debelar o mal. Seria como acreditar que a cura de um paciente com metástase generalizada pudesse ser realizada cortando-se um dedo que apresentasse sintomas de degeneração.
É preciso que o povo brasileiro tenha a lucidez e a honestidade de reconhecer que a corrupção está disseminada entre nós, mesmo nas situações mais prosaicas, como burlar o fisco na declaração ou na emissão das notas, infringir leis de trânsito e trabalhistas, furar a fila, estacionar na vaga preferencial, “errar” o troco na compra...
A Operação Lava Jato, não é de hoje com as revelações da The Intercept Brasil, vem de há muito tempo sendo denunciada por juristas probos, nacionais e internacionais, como uma manobra facciosa, repleta de ilegalidades, não destinada a combater a corrupção, mas sob esse falso pretexto, massacrantemente alardeado pela grande mídia conluiada, afastar governantes que procuraram conduzir o Brasil por caminhos que contrariam interesses transnacionais: promoveram inclusão e emancipação social, integração nacional, soberania diante da rapinagem externa, recuperação da autoestima, da dignidade e do patriotismo...
A Lava Jato desvirtuou-se, se já não nasceu intencionalmente desvirtuada. Assim fazem crer os muitos indícios já revelados, mas propositalmente ocultados ou minimizados, de que é parcial e visou colocar o país sob o mando de dirigentes subservientes que estão permitindo a rapinagem e o loteamento de nossas riquezas naturais, de nossas empresas estratégicas (petróleo, energia, aviação, estaleiros, construtoras...) e de setores essenciais para um país que busca diminuir os abismos sociais e ser soberano (educação, saúde, leis trabalhistas, previdência, pesquisa científica, moradia, infraestrutura...).
O Brasil não precisa de uma Operação Lava Jato que na verdade visou alçar ao poder dirigentes fantoches cúmplices no loteamento do país em favor da rapinagem internacional e seus prepostos nativos.
O Brasil precisa de uma Operação Lava Limpo, que combata com firmeza a corrupção e resgate a ética, a equidade e a esperança de uma grande nação.
Aliás, todo motorista sabe que lava jatos são alternativas de segunda categoria, apressadas, para uma limpeza superficial, de aparência, e que na verdade com o tempo degradam os veículos.


segunda-feira, 17 de junho de 2019

Igreja sacripanta?

Publicado no Jornal da Manhã em 19/06/2019.

Sexta-feira, 14 de junho de 2019 pela manhã, dia nacional de manifestações contra a reforma da previdência e outras diabruras do governo do presidente que reconhece que não nasceu para o cargo que ocupa. Em Ponta Grossa a manifestação foi marcada para o espaço em frente da Igreja dos Polacos (Igreja Sagrado Coração de Jesus), na Praça Barão de Guaraúna. Um local costumeiro de concentração nas manifestações, dali as passeatas seguem em marcha pela Av. Vicente Machado, artéria nervosa da cidade, até o terminal central de ônibus, junto ao Parque Ambiental.
A frente da igreja é um lugar bem adequado para as concentrações. Ampla escadaria serve de anfiteatro para os manifestantes. Mas não naquela sexta-feira. Ao lá chegarem, as escadarias estavam cercadas com aquelas fitas plásticas amarelas de isolamento, enquanto dois funcionários armados de esfregões e uma mangueira pressurizada realizavam a lavagem dos degraus.
O povo foi chegando e ocupando a praça e as calçadas ao lado da escadaria, a concentração ocorreu normalmente. Os degraus interditados seriam uma facilidade, mas não eram essenciais. Mas ficava evidente que aquela lavagem era um proposital empecilho, cuja eficácia um jovem padre de batina vinha conferir de tempos em tempos. Ao mesmo tempo que verificava a bandeira nacional extemporaneamente hasteada no frontal da igreja. Pobre jovem padre. Se ele se transportasse para a época de Cristo estaria então ao lado dos invasores romanos ou dos fariseus com eles conluiados para a tirania do povo.
Mas a ocorrência mais marcante aconteceu quando a multidão já começava a deslocar-se para a marcha ao longo da Vicente Machado. Aquele aglomerado, eloquente mas pacífico, parece ter sido demasiado para os nervos do funcionário que manejava a mangueira pressurizada. Inesperadamente e sem motivo aparente mirou-a nas costas de moças que se afastavam, alvejando-as com o jato d’água. Possivelmente um arroubo de agressividade inspirado nos delirantes gestos disseminados pelo desatinado presidente e seus asseclas.
O lavador logo se arrependeu de seu acesso, mas ele já fora suficiente para a revolta dos até então pacíficos manifestantes. Ele foi alvo de uma chuva de xingamentos e desqualificações. Ainda bem que se conteve, não voltou a levantar o jato d’água contra o povo indignado. Se o fizesse a paz da manifestação não teria resistido.
O jovem padre que zelava pela interdição da escadaria e o lavador armado com o jato d’água são fiéis símbolos dos desvarios de nossa sociedade. O que pensará o jovem padre do Papa Francisco, que se dedica a tentar fazer a contraditória Igreja Católica voltar-se para o povo simples? O que se passará no íntimo do lavador para, covardemente, descontrolar-se e agredir pelas costas as manifestantes?
Parece bastar uma simples manifestação popular em nome de seus direitos para desencadear reações inesperadas e despertar os demônios que teimam povoar a natureza humana.
É preciso exorcizar esses demônios.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Moro e a credulidade brasileira

Publicado no Jornal da Manhã em 14/06/2019.

Credulidade parece ser mesmo um traço atávico do povo brasileiro. Acreditamos na marcha da família com Deus pela liberdade, e apoiamos o golpe militar que promoveu a ilegalidade, a injustiça, o obscurantismo no país por mais de duas décadas. Acreditamos que a ditadura militar foi um momento de sobriedade política e econômica, e não enxergamos que foi quando o Brasil adquiriu sua maior dívida externa, e nem conseguimos saber quantos militares foram corrompidos, é tudo confidencial. Acreditamos que foi o PT e seus governos que inventaram a corrupção na política. Acreditamos que antes ela não existia, e que os outros partidos não a têm como prática usual. Acreditamos que a Petrobras, a OAS, a Odebrecht, a JBS e outras, empresas brasileiras, são as únicas que praticam o suborno para privilegiar seus empreendimentos. Dentro e fora do Brasil. Acreditamos que o PT desgraçou o país, é o responsável por uma herança maldita que os governos que seguiram, e os governos futuros, não vão conseguir resgatar. Acreditamos que os governos que transformaram o Brasil num protagonista mundial, que realizou obras de infraestrutura visando o pleno emprego e a integridade nacional, que promoveu programas de inclusão social, de educação para os pobres, de moradia popular, que valorizou e incentivou a indústria estratégica nas áreas de petróleo, aeronáutica, estaleiros, foram governos corruptos que nos arruinaram. Acreditamos que políticos arrivistas que se dedicaram ao golpe que afastou o governo popular eram bem intencionados, mesmo depois que eles também são condenados por crimes sobre os quais não paira dúvida, e que não puderam mais ser escondidos. Acreditamos que os industriais, banqueiros e outros empresários são a máquina que move o país, mas não enxergamos que sabotaram o governo, e com ele o país, para empossar outro governo que lhes fosse mais subserviente, e menos identificado com os trabalhadores. Acreditamos que a operação montada para destruir o governo popular, que promoveu a inserção social, o protagonismo e a soberania nacional, era uma operação imparcial destinada a revelar e coibir a corrupção que sangra o país. Acreditamos que brasileiros reconhecidos mundialmente nas áreas da educação, da música, da literatura sejam merecedores de ofensas e repúdio.
Acreditamos (ou desacreditamos) em muitas coisas, sem conseguirmos ter a clareza de entendê-las. Agora acreditamos que os indícios de parcialidade do juiz Sérgio Moro à frente da Lava Jato devem-se à excessiva ambição e soberba do magistrado. “─ Qualidades humanas” diriam, presentes em todos nós, exacerbadas em alguns, como poderia ser o caso. Mas não acreditamos que o juiz, o tribunal regional em que ele legislou, a eleição do homem que se reconhece incapaz ser presidente, a nomeação do juiz para o ministério por este homem, tudo faça parte de um orquestrado plano. Para impedir que o Brasil alcance o status internacional que lhe é creditado pela extensão continental, as riquezas naturais, o tamanho da população e da produção econômica. 
A crise brasileira deve ser examinada em confronto com outras crises mundiais: Afeganistão, Iraque, Síria, Ucrânia, países do norte da África e do Oriente Médio na Primavera Árabe, Brexit, Catalúnia, Venezuela...
Um brasileiro, Luiz Alberto Moniz Bandeira, falecido em novembro de 2017, escreveu um livro nesse sentido. Chama-se “A desordem mundial: o espectro da total dominação”.
O subtítulo do livro já nos dá uma ideia do que realmente pode estar por trás das intenções de Moro e da Lava Jato.

sábado, 1 de junho de 2019

A braguilha caducou



Há quinze anos, por acaso, numa viagem em que esqueci de colocá-las na bagagem, descobri numa loja as cuecas ideais. A loja ficava bem no meu caminho do trabalho, foi uma parada emergencial e providencial. No meu entender é até possível usar, após o banho do fim do dia, alguma peça do vestuário que já vínhamos vestindo, mas não a cueca. Trocá-la é imperativo.
Mas aquela foi uma feliz emergência, uma descoberta. Foi assim que encontrei aquela marca de cuecas para mim até então desconhecida, pois não é daquelas que se veem em cartazes, anúncios impressos e televisivos. Uma cueca recatada, com talhe bem tradicional, malha flexível e complacente, corte e cores discretas, confortável e, principalmente, com a abertura, a braguilha dessa peça íntima, que nos faculta nos aliviarmos nos sanitários públicos com dignidade, sem que seja necessário baixar calças e cueca.
Ao longo dos últimos quinze anos essas cuecas têm sido daquelas estimadas companheiras que sentimos satisfação em tê-las encontrado. Aprendi que só são oferecidas numa única rede nacional de populares grandes lojas de departamentos, portanto trata-se de uma produção direcionada, uma exclusividade. Mas, passados todos esses anos, as estimadas cuecas desapareceram. Só encontro nas lojas, mesmo naquela popular rede, cuecas de grife, que ao meu ver parecem mais querer agradar aos olhos e à uma estética alienígena incutida pela propaganda que ao conforto e às necessidades de minhas partes mais íntimas. E, surpresa! Nenhum dos “novos” modelos tem abertura frontal. Tive que perguntar ao meu filho como fazem nos mictórios, ele me explicou o óbvio:
─ Ora, tem que baixar a calça e a cueca!
Que humilhação! Parece outro retrocesso que nos é imposto nesta época de tantos retrocessos. Regredimos até no prosaico ato de realizar nossas necessidades mais básicas. O que me parece mais uma vez um ditame do implacável deus mercado, que precisa sempre inovar, em nome da obsolescência perceptiva e do desenfreado consumo, ainda que as novidades façam regredir a décadas atrás.
Ainda bem que ainda tenho um bom estoque das condenadas e leais velhas cuecas confiáveis e dedicadas. Acho que vai dar tempo dos demais consumidores que têm as mesmas convicções e hábitos que eu darem-se conta do desacerto desta novidade. Elas, nossas velhas, fiéis e boas cuecas, vão voltar ainda mais valorizadas, reconhecidas, até aclamadas.
Não, a braguilha não caducou. Só foi temporariamente condenada pela sanha do consumismo, da cegueira e da injustiça insanas.
Ou fui eu que caduquei?