quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O rabo da imprensa

 

Diante de dois ministros, Bolsonaro assim respondeu a pergunta sobre o valor gasto em leite condensado em 2020: ─ “É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa essa lata de leite condensado... Essas críticas não levam a lugar nenhum... Vai para puta que pariu ... Imprensa de merda”.

O episódio mostra a estupidez do presidente, de seus ministros que riram e aplaudiram os vitupérios, dos apoiadores que gritam “mito”. O Brasil não tem hoje um governo; tem um desgoverno chulo, depravado, miliciano, armamentista, corrupto, clientelista, fisiologista, entreguista, predador, despótico, nepotista, ditatorial, fascista, genocida, negacionista...

Essa lista de desqualificações não tem fim. Não é novidade. Em 2018, quando o nefasto mito foi eleito, já se sabia que era apoiador de milicianos, de notórios torturadores, que em três décadas de mandato parlamentar só fizera votar a favor de projetos que retrocediam conquistas democráticas, que no exército fora punido por indisciplina, que exaltava o armamentismo e declarava que bandido bom é bandido morto. Quem não sabia quem era o mito?

Graças à soma de vários fatores, Bolsonaro foi eleito: mentiras midiáticas baseadas em avançada tecnologia (Cambridge Analytica), suposto atentado a facada (até hoje não bem esclarecido), massiva abstenção no segundo turno da eleição e, talvez sobretudo, a demonização midiática do concorrente do mito. A grande mídia brasileira vem há décadas demonizando todos os partidos de esquerda e organizações populares. Cumpre um papel de agente do obscurantismo que deve envergonhar aqueles que ainda têm noção do que seja o jornalismo digno.

Então o “... É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa essa lata de leite condensado” talvez não seja mais que a colheita obrigatória do plantio voluntário que a grande imprensa tem feito no Brasil. Não nos enganemos, a grande imprensa é posse da elite burguesa, trabalha para ela. Não quer que a inclusão social, a educação, o esclarecimento e emancipação política dos pobres e trabalhadores venham a ameaçar seus privilégios seculares, herdados da monarquia e da escravatura. A grande imprensa demoniza os esforços no sentido da justiça social, ao mesmo tempo que sonega informações que revelem as decisões governamentais que retrocedem em suadas conquistas democráticas. Tem sido assim inclusive agora, no governo do mito, quando o projeto ultraliberal está sendo aprofundado, com fragilização do Estado e do serviço público, precarização do emprego e trabalho, debilitação dos sindicatos, restrição à aposentadoria, proteção aos rentistas milionários, loteamento das estatais e recursos naturais do país, privatização da saúde, educação e outros setores estratégicos... Esta lista também não tem fim.

A grande imprensa amiúde ultrajada por Bolsonaro tem papel medular nesta situação. Tem rabo preso com interesses oligárquicos. Ajudou a eleger um ensandecido. Os ultrajes parecem um jogo de cena numa pantomima bem ensaiada. Não é no rabo da imprensa que o insulto do mito manda enfiar a lata de leite condensado. Na verdade é no rabo do povo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

#BanestadoLeaks: o escândalo de lavagem de dinheiro no Brasil dos infernos

 

Reproduzo no Perrengas Princesinas matéria do conceituado jornalista independente Pepe Escobar, que pode ser vista em https://duploexpresso.com/?p=114085 (lá inclusive com vídeo de discussões com o autor). A matéria é de julho de 2020, mas atualíssima, medular. Trata de toda a complexa rede que está executando a “guerra híbrida” destinada a fazer o Brasil continuar sendo colônia do império que visa a total dominação do planeta, em conluio com a elite burguesa brasileira. Não é teoria da conspiração, é o quebra-cabeças geopolítico reconstituído juntando-se peças que andam sonegadas pelos jornalões e pela elite burquesa diretamente beneficiada.

 

#BanestadoLeaks: o escândalo de lavagem de dinheiro no Brasil dos infernos

 24/07/2020  Redação D.E. 13 Comments  18 min de leitura

Um indicador do teor explosivo do vazamento do Banestado e das Contas CC5 tem sido a sucessão de limited hangouts a respeito: de um lado, silêncio que grita da parte de partidos políticos de esquerda e meios alternativos, supostamente progressistas. Do outro, a grande mídia, para a qual o ex-juiz Moro é uma vaca sagrada. Essa, na melhor das hipóteses, dedica à pauta o enquadramento enviesado de que tratar-se-ia de “história antiga”, “fake news” ou mesmo um “hoax”.
Enquanto isso, patrocinado pelo Deep State dos EUA, pela Finança transnacional e pelas elites locais, meras corretoras – alguns vestindo farda, outros, toga –, o Golpe da Guerra Híbrida em câmera lenta contra o Brasil continua marchando, dia após dia, aproximando-se cada vez mais do domínio de espectro total.
O que nos leva à questão-chave, final: o que Lula fará a esse respeito?

 

#BanestadoLeaks: o escândalo de lavagem de dinheiro no Brasil dos infernos

Sem ninguém querendo abordar tais revelações, a questão é saber o que o ex-presidente Lula fará a respeito.

Por PEPE ESCOBAR 23 DE JULHO DE 2020

 

Vista grossa? O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva reage durante um evento dedicado a sindicatos globais no Clube da Imprensa Genebrino no último 6 de março em Genebra. Foto: AFP / Fabrice Coffrini

Duas décadas após um terremoto político, estamos diante de um forte tremor secundário que deveria estar chacoalhando todo o Brasil, mas que ao invés disso está sendo recebido com um silêncio que grita.

Aquilo que tem sido chamado de “vazamento do Banestado” (#BanestadoLeaks) e “#CC5gate” soa como um vintage do WikiLeaks: trata-se de uma lista publicada, pela primeira vez na íntegra, dando nomes aos bois e detalhando um dos maiores casos de corrupção e lavagem de dinheiro do mundo nas últimas três décadas.

Esse escândalo exemplifica na prática o que Michel Foucault caracterizou como a arqueologia do conhecimento. Sem entender tal vazamento, é impossível contextualizar os eventos que vão desde o sofisticado ataque de Washington ao Brasil – inicialmente via NSA espionando o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (2010-2014) – até a investigação de corrupção na Operação Lava Jato que acabou prendendo Luis Inácio Lula da Silva e abrindo caminho para a eleição do presidente neofascista e idiota útil Jair Bolsonaro.

O crédito pelo furo nesta trama de Guerra Híbrida à la George Orwell se deve, mais uma vez, à mídia independente. O pequeno site Duplo Expresso, liderado pelo jovem e ousado advogado internacional Romulus Maya, diretamente de Berna, Suíça, foi responsável por publicar a lista pela primeira vez.

Uma transmissão épica de cinco horas reuniu os três principais protagonistas responsáveis pela denúncia do escândalo, no final dos anos 90, para que pudessem agora analisá-lo mais uma vez: o então governador do estado do Paraná, Roberto Requião, o Procurador Federal Celso Tres e o hoje Delegado Federal aposentado José Castilho Neto.

Anteriormente, em outra transmissão, Maya e o antropólogo Piero Leirner, principal analista de guerra híbrida do Brasil, puseram-me a par das inúmeras complexidades políticas desse vazamento, durante uma de nossas discussões sobre geopolítica no Sul Global.

A lista integral das CC5 estão aquiaqui aqui. Vejamos o que as torna tão especiais.

O MECANISMO

Em 1969, o Banco Central do Brasil criou o que foi descrito como “Contas CC5” para facilitar a transferência de recursos de empresas e executivos estrangeiros no país, de forma legal, para o exterior. Por muitos anos, as movimentações nessas contas não foram significativas. De repente, tudo muda nos anos 90 – com o surgimento de uma grande e complexa rede criminosa centrada na lavagem de dinheiro.

A investigação original do Banestado começou em 1997. O Procurador Federal Celso Tres ficou estarrecido ao descobrir que, de 1991 a 1996, nada menos do que US $ 124 bilhões haviam sido transferidos ao exterior. No final, o montante total das remessas no período em que o esquema ainda existia (1991-2002) chegou a gigantescos US$ 219 bilhões – o que torna o Banestado um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro da história.

O relatório do promotor Tres levou a uma investigação federal centrada em Foz do Iguaçu, no Sul do Brasil, Região estrategicamente situada na Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, onde bancos locais corriqueiramente lavavam grandes quantias de dinheiro através de suas contas CC-5.

Funcionava assim: doleiros, associados a gerentes de banco e funcionários governamentais, usavam uma vasta rede de contas bancárias sob os nomes de laranjas e empresas fantasma para lavar fundos ilegais oriundos de corrupção de agentes públicos, sonegação fiscal e crime organizado, principalmente através da filial do Banco do Estado do Paraná, “Banestado”, em Foz do Iguaçu. Assim nascia “o caso Banestado”.

A investigação federal não havia avançando muito até o ano de 2001, quando o então Delegado Federal Castilho constatou que a maioria dos fundos estava na realidade sendo remetido para contas da agência do Banestado em Nova York. Castilho chegou a Nova York em janeiro de 2002 para garantir o necessário rastreamento internacional do dinheiro.

Por meio de uma ordem judicial, Castilho e sua equipe revisaram 137 contas no Banestado de Nova York, chegando à soma de US$ 14,9 bilhões. Em alguns casos, os nomes dos beneficiários coincidiam com o de políticos brasileiros em pleno exercício de seus mandatos no Congresso, de Ministros de Estado e até de ex-Presidentes da República.

Depois de um mês em Nova York, Castilho voltou ao Brasil com um relatório de 400 páginas. No entanto, apesar das provas avassaladoras, ele acabou sendo removido da investigação, que foi suspensa por pelo menos um ano. Quando Lula assumiu o poder, no início de 2003, Castilho voltou a atuar nessa operação.

Em abril de 2003, Castilho identificou uma conta particularmente interessante no banco Chase Manhattan de NY chamada “Tucano” – o apelido do PSDB, partido liderado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que havia precedido Lula e que sempre manteve laços muito estreitos com as máquinas políticas de Bill Clinton e Tony Blair.

Castilho foi fundamental para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o caso Banestado. Contudo, mais uma vez, essa comissão acabou terminando em pizza – sequer o seu Relatório Final foi votado. A maioria das empresas negociou acordos com a Receita Federal Brasileira, o que eliminou, portanto, qualquer possibilidade de persecução penal com relação à sonegação de impostos.

BANESTADO VAI AO ENCONTRO DA LAVA JATO

Em apertada síntese, os dois maiores partidos políticos do Brasil – o PSDB neoliberal de Cardoso e o Partido dos Trabalhadores de Lula, nenhum dos quais realmente enfrentou nem as maquinações do imperialismo dos EUA nem tampouco a classe rentista brasileira – juntaram-se para buscar, ativamente, enterrar qualquer possibilidade de uma investigação mais aprofundada.

Além disso, Lula, que sucedia Cardoso e estava preocupado com a preservação de um mínimo de governabilidade, tomou a decisão estratégica de não investigar quaisquer casos de corrupção sob os “Tucanos”, o que incluía uma série de privatizações suspeitas.

Os promotores de Nova York chegaram ao ponto de preparar uma lista especial do Banestado para Castilho, expondo o que realmente importava para a abertura de um processo criminal: o rastreamento do circuito completo do esquema de lavagem de dinheiro, com esse sendo originalmente remetido de forma ilegal para fora do Brasil usando as contas CC5, daí passando pelas agências em Nova York dos bancos envolvidos, para depois chegar a contas bancárias offshore e trusts em paraísos fiscais (por exemplo, Ilhas Cayman, Ilhas Jersey e Suíça), para finalmente retornar ao Brasil como “investimento estrangeiro” (totalmente lavado), para o uso e gozo dos beneficiários finais, que haviam eles mesmos remetido, na origem, o dinheiro não-declarado para fora do país usando as contas CC5.

Mas o então Ministro da Justiça do Brasil, Márcio Thomaz Bastos, nomeado por Lula, tratou de enterrar a lista. Como o Delegado Castilho coloca metaforicamente: “isso me impediu de voltar ao Brasil com o cadáver, fosse um caso de homicídio”.

Embora Castilho nunca tenha recebido tal documento chave, pelo menos dois Deputados brasileiros, dois Senadores e dois Procuradores Federais – que mais tarde viriam a conquistar a fama como “estrelas” da investigação Lava Jato, Vladimir Aras e Carlos Fernando dos Santos Lima – receberam a lista. Por que e como tal documento –algo como o “cadáver” num homicídio – nunca foi incorporado aos processos criminais no Brasil é um mistério extra, inserido no enigma geral.

Enquanto isso, há relatos “não confirmados” (várias fontes preferem não registra-los em “on”) de que a lista teria sido usada para, pura e simplesmente, achacar os indivíduos citados na lista – quase todos bilionários.

Um quê a mais na esfera judicial vem do fato de que o juiz encarregado de enterrar o caso Banestado não era outro senão Sérgio Moro, o dublê de “Elliot Ness”, seletivo, que na década seguinte atingiria a status de superestrela (o capo di tutti i capi) na mega-investigação Lava Jato, que veio a se tornar, na sequência, Ministro da Justiça do Brasil sob Bolsonaro.

Moro acabou renunciando e agora já está, concretamente, fazendo campanha para ser eleito Presidente em 2022.

E aqui chegamos à conexão explosiva entre o caso Banestado e a Operação Lava Jato. Considerando o que já é de domínio público sobre o modus operandi de Moro na Lava Jato, como por exemplo o fato de ter alterado nomes em documentos com o objetivo de mandar Lula para a prisão, o desafio seria provar como Moro “venderia” não-condenações no caso Banestado. Seu álibi era muito conveniente: com o “cadáver” nunca tendo sido trazido para os processos criminais no Brasil, ninguém poderia ser condenado.

À medida que mergulhamos nesses detalhes excruciantes, o caso Banestado fica parecendo cada vez mais o Fio de Ariadne que pode revelar o início da destruição da soberania brasileira. Um conto cheio de lições que deveriam ser estudadas por todo o Sul Global.

O DOLEIRO

Ainda naquela transmissão épica, Castilho fez meu ouvido zumbir quando se referiu aos US$ 17 milhões que haviam transitado da filial do Banestado em Nova York para serem posteriormente enviados para – incrível coincidência – o Paquistão. Ele e sua equipe descobriram essa informação apenas alguns meses após o 11 de setembro. Eu lhe enviei algumas perguntas sobre esse aspecto e a resposta dele, intermediada por Maya, é que seus investigadores vão desenterrar tudo novamente, pois seu relatório havia indicado a origem desses fundos em específico.

É a primeira vez que essas informações são divulgadas – e as ramificações podem ser explosivas. Estamos falando de fundos duvidosos, possivelmente de operações com drogas e armas, partindo da Tríplice Fronteira, que historicamente é um dos principais cenários de operações clandestinas da CIA e do Mossad.

O financiamento pode ter sido fornecido pelo chamado “doleiro dos doleiros”, Dario Messer, usando as Contas CC5. Não é segredo algum que os operadores do mercado negro na Tríplice Fronteira estão todos conectados ao tráfico de cocaína via Paraguai – e também a evangélicos. Essa é a base do que Maya, Leirner e eu já descrevemos como o “Evangelistão do Pó“.

Messer é uma engrenagem indispensável no mecanismo de reciclagem de capitais incorporado ao tráfico internacional de drogas. O dinheiro viaja para paraísos fiscais sob proteção imperial, é devidamente lavado e ressuscita gloriosamente em Wall Street e na City de Londres. Com um bônus extra para os EUA: a diminuição de parte de seu déficit em conta corrente. Um salve para a “exuberância irracional” de Wall Street.

O que realmente importa é a livre circulação de cocaína. E por que não escondida naquela carga de soja especial? Algo que traria consigo a vantagem adicional de assegurar o sucesso do agronegócio? Trata-se de um reflexo exato, simétrico, da rota da heroína no Afeganistão da CIA, que eu detalhei aqui.

Acima de tudo, politicamente, Messer é o notório elo perdido de Moro. Até o jornal mainstream O Globo foi forçado a admitir, em novembro passado, que os negócios sombrios de Messer eram “monitorados” ininterruptamente por duas décadas por diferentes agências de inteligência americanas, a partir de Assunção e Ciudad del Este, no Paraguai. Moro, por sua vez, é um operativo de duas agências americanas diferentes – FBI e CIA -, além do Departamento de Justiça.

Messer pode ser o coringa nessa trama complicada. Mas, na sequência, há o Falcão Maltês: existe apenas um Falcão Maltês, como já havia imortalizado o clássico de John Huston. E o Falcão está atualmente em um cofre na Suíça.

Refiro-me aqui aos documentos oficiais, originais, apresentados pela gigante Odebrecht à Lava Jato, indiscutivelmente “manipulados”. “Supostamente”, pela própria empresa. Mas, “possivelmente”, em conluio com o então juiz Sergio Moro e a Força Tarefa liderada por Deltan Dallagnol.

Não apenas com o objetivo de incriminar Lula e as pessoas próximas a ele, mas também – principalmente – excluir qualquer menção a indivíduos que nunca deveriam ser trazidos à tona. Ou à Justiça. E, sim, você acertou se pensou no “doleiro dos doleiros” (protegido pelos EUA): Dario Messer.

O primeiro desdobramento político de impacto após o vazamento do Banestado é o fato de os advogados de Lula, Cristiano e Valeska Zanin, terem, finalmente, solicitado – oficialmente – às autoridades suíças que entregassem ao ex-Presidente os documentos originais da Odebrecht.

O ex-Governador Requião, aliás, foi o único político brasileiro a pedir publicamente a Lula, em fevereiro, que requeresse tais documentos à Suíça. Não é surpresa portanto que Requião seja a primeira figura pública no Brasil a também pedir a Lula que torne todo esse conteúdo público quando o ex-presidente vier a recebê-lo.

A lista real, não adulterada, de pessoas envolvidas na corrupção da Odebrecht está repleta de grandes nomes – incluindo a elite do Judiciário.

Confrontando as duas versões, os advogados de Lula poderão finalmente demonstrar a falsificação das “provas” que levaram à sua prisão, mas também, entre outros desdobramentos, ao exílio do ex-Presidente do Equador Rafael Correa, à prisão de seu ex-Vice, Jorge Glas, à prisão do ex-Presidente Ollanta Humala e de sua esposa e, no limite do dramático, ao suicídio do ex-Presidente, por duas vezes, do Peru, Alan Garcia.

PATRIOT ACT BRASILEIRO

A grande questão política agora não é necessariamente descobrir quem foi o mestre manipulador responsável por enterrar o escândalo do Banestado há duas décadas.

Como detalhou o antropólogo Leirner, o vazamento das Contas CC5 deve levar à exposição do mecanismo de controle da corrupta burguesia brasileira, essa que conta com a ajuda de seus operadores na política e no sistema de Justiça – nacionais e estrangeiros – para se solidificar como uma classe rentista, mas sempre submissa e manietada de fora, por meio do uso de “dossiês secretos” nas mãos do Imperialismo.

O vazamento do Banestado e das Contas CC5 devem ser vistos como uma possibilidade política para Lula queimar as caravelas. Trata-se de uma guerra – híbrida – total. E titubear não é uma opção. O projeto geopolítico e geoeconômico de destruir a soberania do Brasil e transformar o país em uma sub-colônia imperial está vencendo – sem qualquer sombra de dúvida.

Um indicador do teor explosivo do vazamento do Banestado e das Contas CC5 tem sido a sucessão de limited hangouts a respeito: de um lado, silêncio que grita da parte de partidos políticos de esquerda e meios alternativos, supostamente progressistas. Do outro, a grande mídia, para a qual o ex-juiz Moro é uma vaca sagrada. Essa, na melhor das hipóteses, dedica à pauta o enquadramento enviesado de que tratar-se-ia de “história antiga”, “fake news” ou mesmo um “hoax”.

Lula está diante de uma decisão definidora. Com acesso a nomes até agora ocultados pela Lava Jato, ele pode detonar uma bomba de nêutrons e redefinir todo o jogo – expondo Ministros de Cortes Superiores ligados à Lava Jato, procuradores, jornalistas e até generais que receberam propina da Odebrecht no exterior.

Sem mencionar o fato de poder trazer o “doleiro dos doleiros”, Dario Messer – que controla o destino de Moro –, para a linha de frente. Isso significaria apontar diretamente o dedo para o Deep State dos EUA. Não é, portanto, uma decisão fácil de tomar.

Agora, depois do vazamento, resta claro que os credores do Estado brasileiro eram, originalmente, seus devedores. Analisando essas contas, é possível enquadrar o lendário “desequilíbrio fiscal” brasileiro – exatamente quando essa praga é martelada, mais uma vez, com a intenção de entregar as riquezas de um Estado brasileiro já moribundo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, um neo-pinochetista adorador de Milton Friedman, já avisou que seguirá rifando empresas estatais como se não houvesse amanhã.

O plano B de Lula seria fechar um tipo de “acordão” que enterraria todo o dossiê – exatamente como ocorreu com a investigação original do Banestado, enterrada há duas décadas – com o intuito de preservar a hegemonia do Partido dos Trabalhadores numa “oposição” domesticada, que prefere não tocar na questão essencial: como Guedes está rifando o Brasil.

Essa seria a linha preferida por Fernando Haddad, que perdeu a eleição presidencial para Bolsonaro em 2018 e é uma espécie de versão brasileira de Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile. Um neoliberal envergonhado, que sacrificaria tudo para ter outra chance de chegar ao poder, talvez em 2026.

No caso do Plano B, Lula irá galvanizar a ira dos sindicatos e movimentos sociais – a classe trabalhadora brasileira de carne e osso, que está prestes a ser totalmente dizimada por esse neoliberalismo anabolizado e sua combinação assassina com a versão brasileira do “Patriot Act”, inspirada na dos EUA. No caso brasileiro, tal estrutura contaria ainda com esquemas militares e paramilitares associados ao “Evangelistão do Pó”.

E tudo isso depois que Washington – com sucesso – quase destruiu a campeã nacional Petrobras, um objetivo inicial da espionagem da NSA. Zanin, advogado de Lula, também acrescenta – talvez tarde demais – que a “cooperação informal” entre Washington e a Lava Jato era de fato ilegal, nos termos do Decreto Número 3.810/ 2002.

O QUE FARÁ LULA?

Nesse cenário, uma primeira “lista VIP” de nomes constando dos documentos do Banestado foi reunida, a partir do material vazado. Ela inclui o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que também atua como Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso. E ainda banqueiros, magnatas da mídia e industriais. O Procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol é, sabidamente, alguém muito próximo do – neoliberal – Ministro da Suprema Corte em questão.

A lista VIP deve ser lida como um roteiro para as práticas de lavagem de dinheiro do 0,01% brasileiro – estimado em aproximadamente 20.000 famílias, que detêm a dívida interna brasileira, de quase 1 trilhão de dólares. Uma grande parte desses fundos foi reciclada voltando ao Brasil como “investimento estrangeiro” através do esquema das Contas CC5 na década de 1990. E foi exatamente assim que a dívida interna do Brasil explodiu.

Ainda assim, ninguém conhece os detalhes sobre onde o tsunami de dinheiro de origem duvidosa, transferido pelo Banestado, foi realmente parar. O “cadáver” nunca foi formalmente reconhecido como tendo sido trazido de volta de Nova York e nunca entrou nos processos criminais. No entanto, a lavagem de dinheiro está quase com toda a certeza ainda em andamento – e, portanto, não há que se falar em prescrição. Nesse sentido, alguém, qualquer pessoa, poderia ser pego. No entanto, parece que não estamos lá muito próximos disso.

Enquanto isso, patrocinado pelo Deep State dos EUA, pela Finança transnacional e pelas elites locais, meras corretoras – alguns vestindo farda, outros, toga –, o Golpe da Guerra Híbrida em câmera lenta contra o Brasil continua marchando, dia após dia, aproximando-se cada vez mais do domínio de espectro total.

O que nos leva à questão-chave, final: o que fará Lula a esse respeito?

 

Atualização — discussão ao vivo deste artigo com o autor disponível em:

Pepe Escobar | Lula: jornalista pressiona por #BanestadoLeaks | #OdebrechtPapers

Diretamente da Suíça, Romulus Maya, Editor-chefe do Duplo Expresso, recebe o jornalista Pepe Escobar depois de esse entregar a encomenda: levou ao mundo as bombas #BanestadoLeaks/ #OdebrechtPapers. Soma-se, portanto, ao movimento cidadão que requer de Lula que empalme a última chance do Brasil enquanto projeto nacional viável, ao menos nesta geração: a detonação de duas bombas de neutrons, gêmeas, zerando o jogo. Ou seja, a divulgação da “Lista VIP do Banestado” e a Lista — integral — da Odebrecht.
O que fará Lula?
O que será do Brasil?

 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Desfaçatez

 Publicado no Jornal da Manhã em 27/01/2021.

Numa mesma página do jornal da cidade, vejo duas notícias: uma diz que Ponta Grossa vai sediar manifestação nacional pelo retorno às aulas presenciais, suspensas desde o início da pandemia; outra diz que a cidade ultrapassou a capital Curitiba em número de casos ativos, e alcançou nos últimos dias números diários recordes de contágio e mortes pela Covid-19. Infelizmente, a notícia não diz quem são os promotores da manifestação pelo retorno às aulas presenciais.

Fugimos do agravo da pandemia. Fomos em família passar uns dias deste janeiro na praiana Peruíbe, no sul de São Paulo. Ela é frequentada por uma população heterogênea, desde barões com grandes mansões até remediados que se hospedam dois ou três dias nas pousadas do lugar. A cidade concentra forte atividade pesqueira, tem um portinho e um mercado de frutos do mar que atrai gente de muitas cidades próximas, até outras litorâneas maiores. Uma noite, uma forte tempestade ocasionou ressaca e grandes ondas. Fomos caminhar na praia na manhã seguinte, deprimi-me: a areia estava coberta de resíduos. Em parte, é verdade, naturais, restos de plantas, peixes, pássaros, conchas. Mas em meio a eles uma quantidade impensável de lixo: plástico de todo tipo, isopor em grandes ou pequenos fragmentos, cacos e garrafas de vidro, cordas, latas e embalagens metalizadas, pedaços de tijolos, de concreto, de madeira... O mar parecia, durante aquela noite, ter-nos devolvido parte daquilo que despejamos nele.

Na estrada, retornando para casa, motoristas apressados não respeitavam a distância de segurança que deixo até o veículo da frente, quando sigo pela esquerda preparando-me para ultrapassar outro mais lento. Os desembestados ultrapassam-me pela direita, enfiam-se, perigosamente, entre meu carro e o da frente. Manobra insegura, coloca todos em risco, inclusive os apressados.

Chego em casa, vou ver o grupo de WhatsApp dos praticantes de exercícios. Mensagem de uma religiosa devota, era uma foto de uma mulher no hospital gravemente queimada, acompanhada de um áudio dizendo ser acidente resultado do uso do celular e abertura do micro-ondas. Inverossímil. Menos de três minutos de pesquisa mostraram tratar-se de mentira digital. A senhorinha que enche o grupo de WhatsApp com mensagens religiosas beatas espalha também mentiras.

Vou ao supermercado, surpreendo-me como, mesmo com poucos clientes, possa ficar tão intrafegável. É que os consumidores, mesmo senhoras e senhores encanecidos, parecem considerar-se os únicos presentes nos corredores: estacionam seus carrinhos obstruindo a passagem ou deslocam-se perigosamente. Serão eles os motoristas dos veículos desembestados das estradas?

Coisas do dia a dia, revelam como andamos descuidados, desrespeitosos, egocêntricos, agressivos. Talvez a palavra “desfaçatez” traduza bem o comportamento que prevalece nos dias atuais. Desfaçatez é sinônimo de insolência, pouco caso. E o contrário de dignidade, moderação, respeito.

Se temos nos conduzido com tanta desfaçatez, o que esperar dos governantes, das autoridades que elegemos? O que esperar do país?

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Feliz 2021, Brasil

 Publicado no Jornal da Manhã em 31/12/2020.

Não sei se estava sonhando ou aconteceu mesmo, mas eis que surge aquele gênio diante de mim perguntando: ─ Quais são seus desejos para 2021? ─ Antes que, refeito do susto, pudesse responder, ele acrescentou: ─ Nada de pandemia, desgoverno, caos social, Amazônia, vacina... Os pedidos têm que ser pra você mesmo, como pessoa, cidadão, indivíduo.

Tive de mudar o que já estava matutando. Então o pensamento foi bem objetivo, mesquinho, previsível: dinheiro, saúde, poder, posses, celebridade, sexo, drogas & rock’n’roll? Aí bateu uma desconfiança: e se aquilo fosse um teste? Resolvi tentar pedir coisas que fossem sim pessoais, mas que contribuíssem também para o social, o coletivo. Sem tardar, mandei ver: ─ Quero respostas! O que é mais importante? Essência ou aparência? Amor ou discernimento? A força da argumentação ou a força bruta? Verdade ou ilusão? Virtuosismo ou pragmatismo? ─ Após um ligeiro espanto, o gênio deu uma ruidosa gargalhada, disse que não me daria respostas, mas sim a chance de encontrá-las por mim mesmo. E, com um ar de malandro, assim como surgiu, sumiu.

De pronto comecei a refletir. Quais pedidos deveria ter feito? Bem, a vida existe neste mundo encarnada no ser humano. Desejaria, então, que este ser seja sadio: o corpo e suas funções, as emoções, os sentimentos, a psique, o intelecto, a própria alma; que ela tenha a luz da compreensão.

Em seguida, desejaria o discernimento. Parece-me que, depois de livre da prisão do eventual corpo não sadio, o discernimento libertará da prisão do pensamento e das emoções torpes.

Discernimento parece ser a raiz da compreensão, e do próximo desejo: o amor. E tudo que ele significa: amizade, compreensão, zelo, dedicação, atenção, lealdade, confiança, alegria, leveza, cultura, arte, beleza, esperança... A palavra amor tem um sabor estranho: anda vulgarizada e deturpada, mas significa algo extraordinário. Desejaria o amor pleno, pelo que sou, pelo próximo, o conterrâneo, os que vivem do outro lado do mundo, os antepassados, os que ainda virão, o lar, os seres vivos, o planeta Terra, o Sol que nos energiza, a imensidão do borrão de estrelas do céu, que com seu encantamento nos revela a real dimensão humana.

Depois de saúde, discernimento e amor, se ainda não esgotei o repertório de bênçãos a que teria direito, pediria a força da intenção. Vontade para cooperar na transformação deste mundo no qual, não sei por quais desígnios, vim acontecer. Decerto com saúde, discernimento e amor, haveriam de ser boas intenções, e, dotadas de energia, seriam realizadoras, transformadoras. A engenhosidade humana e a generosidade do planeta, que tudo nos dá, se bem orientadas pela força de nossa intenção, hão de transformar a humanidade, fazendo prevalecer a solidariedade e a prosperidade.

O próximo desejo, a liberdade... Epa! Vou parar por aqui. A lista de bênçãos a desejar não teria fim. Alcançada uma, outra a sucederia. O essencial é que desejemos. E que saibamos a hora de parar.