sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Desfaçatez

 Publicado no Jornal da Manhã em 27/01/2021.

Numa mesma página do jornal da cidade, vejo duas notícias: uma diz que Ponta Grossa vai sediar manifestação nacional pelo retorno às aulas presenciais, suspensas desde o início da pandemia; outra diz que a cidade ultrapassou a capital Curitiba em número de casos ativos, e alcançou nos últimos dias números diários recordes de contágio e mortes pela Covid-19. Infelizmente, a notícia não diz quem são os promotores da manifestação pelo retorno às aulas presenciais.

Fugimos do agravo da pandemia. Fomos em família passar uns dias deste janeiro na praiana Peruíbe, no sul de São Paulo. Ela é frequentada por uma população heterogênea, desde barões com grandes mansões até remediados que se hospedam dois ou três dias nas pousadas do lugar. A cidade concentra forte atividade pesqueira, tem um portinho e um mercado de frutos do mar que atrai gente de muitas cidades próximas, até outras litorâneas maiores. Uma noite, uma forte tempestade ocasionou ressaca e grandes ondas. Fomos caminhar na praia na manhã seguinte, deprimi-me: a areia estava coberta de resíduos. Em parte, é verdade, naturais, restos de plantas, peixes, pássaros, conchas. Mas em meio a eles uma quantidade impensável de lixo: plástico de todo tipo, isopor em grandes ou pequenos fragmentos, cacos e garrafas de vidro, cordas, latas e embalagens metalizadas, pedaços de tijolos, de concreto, de madeira... O mar parecia, durante aquela noite, ter-nos devolvido parte daquilo que despejamos nele.

Na estrada, retornando para casa, motoristas apressados não respeitavam a distância de segurança que deixo até o veículo da frente, quando sigo pela esquerda preparando-me para ultrapassar outro mais lento. Os desembestados ultrapassam-me pela direita, enfiam-se, perigosamente, entre meu carro e o da frente. Manobra insegura, coloca todos em risco, inclusive os apressados.

Chego em casa, vou ver o grupo de WhatsApp dos praticantes de exercícios. Mensagem de uma religiosa devota, era uma foto de uma mulher no hospital gravemente queimada, acompanhada de um áudio dizendo ser acidente resultado do uso do celular e abertura do micro-ondas. Inverossímil. Menos de três minutos de pesquisa mostraram tratar-se de mentira digital. A senhorinha que enche o grupo de WhatsApp com mensagens religiosas beatas espalha também mentiras.

Vou ao supermercado, surpreendo-me como, mesmo com poucos clientes, possa ficar tão intrafegável. É que os consumidores, mesmo senhoras e senhores encanecidos, parecem considerar-se os únicos presentes nos corredores: estacionam seus carrinhos obstruindo a passagem ou deslocam-se perigosamente. Serão eles os motoristas dos veículos desembestados das estradas?

Coisas do dia a dia, revelam como andamos descuidados, desrespeitosos, egocêntricos, agressivos. Talvez a palavra “desfaçatez” traduza bem o comportamento que prevalece nos dias atuais. Desfaçatez é sinônimo de insolência, pouco caso. E o contrário de dignidade, moderação, respeito.

Se temos nos conduzido com tanta desfaçatez, o que esperar dos governantes, das autoridades que elegemos? O que esperar do país?

7 comentários:

  1. Pois é Mario Sergio. Também compactuo da tua "indignação" com esse povo. Também me vejo entre pessoas que estão sempre interessadas no próprio umbigo e que acham que a lei é boa, mas para os outros. Ontem fomos aqui em Mariscal passar umas poucas horas na praia antes da próxima chuva e nos deparamos com alguns gazebos com famílias ou casais de amigos em que cada um tem sua própria caixa de som tocando sua música bem alta, que geralmente é um breganejo horroroso. Não demonstram o menor respeito pelas pessoas próximas e praticam essa mesma desfaçatez. Imagine falar de valores morais a estas pessoas!!!

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    1. Verdade mesmo. Onde moro acontece o mesmo.
      Somos o retrato dos governantes, que pena.

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    2. Rindo pra não chorar , parece que o desrespeito e s intolerância são o pior dos vírus .

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  2. Respeito resolve tudo, um modo de ser bastante distante da absoluta maioria da população.
    Peruíbe e a estrada são o retrato de um povo sem capacidade de reflexões maiores que a marca da cerveja e a carne que quer para o fim de semana.

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  3. Marlene Castanho

    Estamos todos inseridos numa sociedade "escola", a qual,muitas das vezes, desafia a nossa capacidade de adaptação. Mário Sérgio, não é fácil aceitar, mas dependendo das circunstâncias a gente se sente mesmo "um estranho no ninho"...

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  4. o ser humano está perdido e já não sabe mais o que faz pra ter momentos de paz e reflexão. Mesmo quando não precisa fica agoniado com seu celular vendo series e mensagens tolas. Faz parte desse momento e o que podemos fazer é pensar que tudo tem um propósito e se estamos aqui nessa hora é pra não deixar a coisa piorar. Agindo com compreensão, solidariedade e bondade vamos contribuir um pouco pra "maionese" não desandar de vez.
    abs.

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