sexta-feira, 18 de junho de 2021

O voto de papel

 Publicado no Jornal da Manhã em 07/08/2021.

Era o ano de 1985. Disputa acirradíssima para a prefeitura de São Paulo. As pesquisas de boca de urna indicavam vitória apertada, por uns poucos por cento, do candidato Fernando Henrique Cardoso, estrela da oposição à ditadura recém finda. Em segundo lugar, o meteórico político Jânio Quadros, o “varre, varre vassourinha” da década de 1960, cuja renúncia à presidência engendrou o golpe de 1964. FHC, confiante nas pesquisas, jactancioso chegou a sentar-se na cadeira de prefeito; a cena inundou o noticiário. No dia seguinte, Jânio, então surpreendentemente já confirmado o vencedor, jocosamente borrifou inseticida antes de sentar-se na mesma cadeira em que FHC prematuramente sentara-se na véspera.

O resultado apurou que Jânio venceu por estreitíssima margem, os mesmos poucos por cento que a boca de urna erroneamente havia atribuído de vantagem a FHC. Os analistas puseram-se a tentar entender o que acontecera. Especialistas em eleições e seus resultados notaram que a histórica cifra de cerca de dez por cento de votos brancos, naquela eleição tinha caído para um por cento! Acharam então uma explicação para a inesperada vitória de Jânio: os votos em branco tinham sido preenchidos durante a apuração, pelos próprios apuradores, grande parte deles fanáticos seguidores do conservador ex-presidente renunciado, ferrenhos opositores dos críticos da ditadura. Como o era FHC.

Nos rincões do interior do Brasil e das periferias das grandes cidades, o voto de papel era prevaricado de outra engenhosa maneira. Cédulas em branco, obtidas ilegalmente, iam parar na mão de prepostos “cabos eleitorais”, cúmplices de políticos criminosos. Nas filas nas portas das seções eleitorais, sob os olhos conluiados de supostos fiscais, o “cabo eleitoral” entregava uma cédula já preenchida ao eleitor, que era a cédula que ele deveria depositar na urna. A cédula em branco que ele recebia dos mesários deveria ser entregue, à saída, ao mesmo “cabo eleitoral”, em troca de uns níqueis para um lanche, ou a promessa de um emprego ou algum privilégio para si ou para a família. O “cabo eleitoral” preenchia então a cédula em branco e a passava para o próximo eleitor da fila. Os políticos inescrupulosos eram eleitos por esse esquema, mas as promessas eram esquecidas. As fraudes também eram esquecidas pelos eleitores, na eleição seguinte continuavam a dar resultados.

Esses e outros trambiques que se podem fazer com o voto de papel, num país tão complexo e sujeito à corrupção como é o Brasil, fizeram que aqui, mais que em qualquer outro lugar do planeta, se buscasse um meio considerado imune à fraude. Chegou-se então às urnas eletrônicas, testadas incansavelmente, consideradas invioláveis. Uma façanha elogiada em todo o mundo, inclusive Europa e EUA.

Retornar ao voto de papel seria retornar à fraude eleitoral. Quem proclama que tal retorno seria o contrário é quem quer que o Brasil volte ao tempo em que as eleições eram a época de arrebanhar os currais eleitorais para eleger políticos ímprobos e corruptos. E quem quer ver o Brasil perpetuar-se como o país do futuro, a eterna colônia explorada do presente.

13 comentários:

  1. Será um dos nossos maiores retrocessos, mas.... Viva a idiotice brasiliera

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  2. Mario Sérgio, os últimos episódios dessa nojenta "novela" da politicagem brasileira já ultrapassou os limites da falta de respeito com todos nós... Um país tão grande, com tanta gente do bem. Esta gente que se vê de mãos atadas, assistindo uma minoria se apossando das conquistas, conseguidas a duras empreitadas, e fazendo esse desmanche meteórico a bel prazer... Se o voto é, ou era a saída, agora só nos resta aguardar o próximo capítulo...

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  3. Interessante, mas até onde estou informado, não se pretende voltar à cédula de papel. E sim, o voto é digitado na urna eletrônica, exatamente como antes, e é impresso um comprovante que é inserido automaticamente em uma urna hermética, acoplada à urna eletrônica. Não é isso?

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    1. Perigosíssimo de qualquer forma :( Voto precisa ser secreto pra que ninguém possa se aproveitar da "prova". Já pensou? Seria basicamente a mesma coisa que um voto de papel.

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    2. Valenz, o voto tem de ser secreto, senão irá alimentar a fraude. Uma prova impressa do voto, ainda que em tese "para ser depositada em urna indevassável", é o que é necessário para a fraude. E não para a alegada "auditoria". Antes a fraude era a compra do voto, muitas vezes em troca de falsas promessas. Atualmente, a fraude não viria através da compra, mas de ameaças à vida do eleitor e de sua família, pelas milícias empoderadas pelo fascismo.

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    3. Exatamente. Se essa infâmia vier a ser aplicada, podemos esquecer esse país e buscar alternativa viável para tentarmos sobreviver com um mínimo de dignidade. Tenho pena dos jovens.

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  4. https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Julho/urna-eletronica-atual-comeca-a-ser-substituida-por-novo-modelo-a-partir-de-2018

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    1. Existem muita matérias alertando para o risco do voto impresso, que abre a possibilidade da fraude, e denunciando os interesses que estão por trás da defesa do voto impresso e da contestação às comprovadamente seguras urnas eletrônicas. Uma dessas matérias é https://www.dw.com/pt-br/por-que-falar-em-voto-impresso-embute-riscos-à-democracia-brasileira/a-57675987. Vale a pena lê-las.

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  5. Cada dia no Brasil é um tapa na cara diferente. Seguimos apanhando :(

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  6. os idiotas acham que somos bobos. E o pior é que o poder executico ja esta tomando de assalto o Legislativo e o Judiciario pra fazer desse pais uma ditadura eleitoral. Começou com a rasteira na Dilma e vai avançando. Ate quando? Se não reagirmos, vamos nos ferrar de verde e amarelo. abs.

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  7. O próprio capeta, digo, o bozo, já alardeou que houve fraude na última eleição (digital, e que o próprio ganhou cf estamos sofrendo), de forma que ele propõe voto em cédula! Esse esquema já começou desde a eleição dele ... e o pior, com os bilhões dos tratores que o capeta deu aos políticos, não duvido que passe a história de votação por cédula, ainda mais que ele pode dar mais para os políticos ... absurdo dos absurdos! bem condizente com quem, como primeiro ato como presidente empossado, acabou com o horário de verão ...

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  8. sinto informar, Carlos SA, nós somos bobos ... e, eles não são idiotas, são mal intencionados, bandidos, milicianos: eles fazem o que querem, e o legislativo e o judiciário faz que não compactua mas compactua com o capeta/bozo - caso contrário, o demo já estaria impichado ...

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  9. Estou estarrecida com essa demora em impedir essa chapa de prosseguir matando brasileiros dessa forma descarada e debochada.

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