Publicado no Jornal da Manhã em 29/06/2023.
Vamos convencionar entender por “progressista” tudo
aquilo que visa transformar a sociedade atual, de privilégios e concentração de
renda, em outra sociedade. Esta outra com mais justa distribuição de
oportunidades e da riqueza, que é gerada por todos os que trabalham. Esta ideia
de “progressista” confronta a ideia de neoliberalismo. Liberal, no caso, quer
dizer a liberdade dos mais poderosos, donos do capital e consequentemente dos
meios de produção e das oportunidades, continuarem explorando e precarizando o
trabalho e concentrando renda.
Neoliberalismo acrescenta às ideias liberais o
chamado “estado mínimo”, aperfeiçoando a “liberdade” dos liberais, que sem o
controle estatal têm ainda mais independência para impor formas de produção
que permitem que poucos se locupletem às custas do empobrecimento de muitos. As
desigualdades econômicas e sociais nunca foram tão agudas como neste primeiro
quarto do século XXI, após cinquenta anos do “laissez-faire” do neoliberalismo, que pode ser traduzido como “o mais forte sempre tem razão” da fábula
do lobo e do cordeiro de La Fontaine.
O neoliberalismo dos últimos cinquenta anos não
está mais conseguindo esconder suas nefastas consequências: crescente
injustiça, conflitos e insegurança social, criminalidade, radicalismo, intolerância, guerras, crises ambientais e sanitárias, colapsos financeiros, sanções e
embargos econômicos, ruína ética, moral e religiosa, falência da verdade e da
credibilidade dos meios de comunicação... O agravamento da crise da civilização
atual resulta também de outros fatores: população de oito bilhões; consumismo exacerbado;
meio ambiente degradado; lucro desmesurado de poucos; muitas armas de
destruição em massa; planeta conectado em tempo real, agudizando os “efeitos
cascata”; verdade distorcida em favor de interesses inescrupulosos...
Diante dessa desastrosa realidade, empunhar a
bandeira progressista é um difícil desafio. Primeiro, pelo desleal embate com a
elite privilegiada do arranjo atual, que domina a mídia e a política, e não
quer perder suas regalias. Segundo, pelo fato que parte dos explorados ou não enxerga
que o seja, ou tão simplesmente aspira ascender economicamente e vir a fazer
parte do restrito grupo de apaniguados do sistema.
Mas o pior inimigo dos progressistas é interno: é
aquele lado sombrio que todo ser humano também tem dentro de si, por mais que
sua consciência já o tenha convencido da urgência de ser compreensivo,
solidário e amoroso para com o próximo e o planeta. Muitas qualidades negativas
ocultam-se nesses sombrios pântanos da psique do Homo sapiens: vaidade, egocentrismo, individualismo, ciúme,
ambição, arrogância, ignorância, medo...
É o animal selvagem que ainda trazemos dentro de
nós, e que temos que ir aprendendo a domar a cada dia. É esse lobo que muitas
vezes faz com que, mesmo entre progressistas, o ideal maior de prosperidade da
coletividade seja suplantado pela ambição pessoal. Aí é perder o rumo da causa!
Esquece-se de combater o monstro da desfaçatez que conduz a civilização à
barbárie, perde-se o foco em disputas por cargos, prestígio e favorecimentos. O
mesmo jogo da elite reacionária a ser combatida. Os progressistas acabam
movidos pelo fisiologismo e o clientelismo, igualando-se àqueles que pretendiam
combater.
Domar o lobo e unir-se em prol da justiça social deve
ser o farol dos progressistas.
Excelente texto Mario! Obrigada! Vou compartilhar. Abraço!
ResponderExcluirMais um texto excelente. Parabéns pela lucidez e estímulo à reflexão. Poucos domam lobos.
ResponderExcluirAbsolutamente correta sua análise. Infelizmente, não vejo como confiar em mudanças uma vez que a Humanidade não é confiável.
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