sábado, 17 de junho de 2023

O desafio progressista

 Publicado no Jornal da Manhã em 29/06/2023.

Vamos convencionar entender por “progressista” tudo aquilo que visa transformar a sociedade atual, de privilégios e concentração de renda, em outra sociedade. Esta outra com mais justa distribuição de oportunidades e da riqueza, que é gerada por todos os que trabalham. Esta ideia de “progressista” confronta a ideia de neoliberalismo. Liberal, no caso, quer dizer a liberdade dos mais poderosos, donos do capital e consequentemente dos meios de produção e das oportunidades, continuarem explorando e precarizando o trabalho e concentrando renda.

Neoliberalismo acrescenta às ideias liberais o chamado “estado mínimo”, aperfeiçoando a “liberdade” dos liberais, que sem o controle estatal têm ainda mais independência para impor formas de produção que permitem que poucos se locupletem às custas do empobrecimento de muitos. As desigualdades econômicas e sociais nunca foram tão agudas como neste primeiro quarto do século XXI, após cinquenta anos do “laissez-faire” do neoliberalismo, que pode ser traduzido como “o mais forte sempre tem razão” da fábula do lobo e do cordeiro de La Fontaine.

O neoliberalismo dos últimos cinquenta anos não está mais conseguindo esconder suas nefastas consequências: crescente injustiça, conflitos e insegurança social, criminalidade, radicalismo, intolerância, guerras, crises ambientais e sanitárias, colapsos financeiros, sanções e embargos econômicos, ruína ética, moral e religiosa, falência da verdade e da credibilidade dos meios de comunicação... O agravamento da crise da civilização atual resulta também de outros fatores: população de oito bilhões; consumismo exacerbado; meio ambiente degradado; lucro desmesurado de poucos; muitas armas de destruição em massa; planeta conectado em tempo real, agudizando os “efeitos cascata”; verdade distorcida em favor de interesses inescrupulosos...

Diante dessa desastrosa realidade, empunhar a bandeira progressista é um difícil desafio. Primeiro, pelo desleal embate com a elite privilegiada do arranjo atual, que domina a mídia e a política, e não quer perder suas regalias. Segundo, pelo fato que parte dos explorados ou não enxerga que o seja, ou tão simplesmente aspira ascender economicamente e vir a fazer parte do restrito grupo de apaniguados do sistema.

Mas o pior inimigo dos progressistas é interno: é aquele lado sombrio que todo ser humano também tem dentro de si, por mais que sua consciência já o tenha convencido da urgência de ser compreensivo, solidário e amoroso para com o próximo e o planeta. Muitas qualidades negativas ocultam-se nesses sombrios pântanos da psique do Homo sapiens: vaidade, egocentrismo, individualismo, ciúme, ambição, arrogância, ignorância, medo...

É o animal selvagem que ainda trazemos dentro de nós, e que temos que ir aprendendo a domar a cada dia. É esse lobo que muitas vezes faz com que, mesmo entre progressistas, o ideal maior de prosperidade da coletividade seja suplantado pela ambição pessoal. Aí é perder o rumo da causa! Esquece-se de combater o monstro da desfaçatez que conduz a civilização à barbárie, perde-se o foco em disputas por cargos, prestígio e favorecimentos. O mesmo jogo da elite reacionária a ser combatida. Os progressistas acabam movidos pelo fisiologismo e o clientelismo, igualando-se àqueles que pretendiam combater.

Domar o lobo e unir-se em prol da justiça social deve ser o farol dos progressistas.

3 comentários:

  1. Excelente texto Mario! Obrigada! Vou compartilhar. Abraço!

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  2. Mais um texto excelente. Parabéns pela lucidez e estímulo à reflexão. Poucos domam lobos.

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  3. Absolutamente correta sua análise. Infelizmente, não vejo como confiar em mudanças uma vez que a Humanidade não é confiável.

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