Ele era um homem singular. Vinha de uma família até bem
sucedida, não se saberia explicar o motivo de acabar se tornando quem se
tornou. Dizem que desde bem cedo, embora procurasse aparentar ser um homem de
bons modos e de hábitos familiares, não conseguia esconder certa misoginia,
homofobia, xenofobia, truculência, desvario e ambição de poder. Mas sabia
disfarçar, todas estas tendências ele fazia parecer que eram indignação perante
as injustiças que seu povo sofria, perseguido e acossado no mundo inteiro por
inimigos mortais.
Com o tempo, ele foi aperfeiçoando essa cisão: aos olhos
dos correligionários era um homem fiel ao seu povo, um guerreiro salvador das
tradições, ideais e cultura que ameaçavam ser dissolvidos por povos bárbaros e
dissolutos que invadiam as fronteiras de seu território sagrado, conquistado a
ferro, fogo e sangue; aos olhos dos inimigos, era visto como um adversário cruel,
implacável, imprevisível; aos olhos do restante do mundo, ele era a controvérsia
personificada, hábil em tramar tais confusões entre facções e interesses, que
era difícil, até mesmo para os povos diretamente envolvidos, entender quem era
responsável pelas barbaridades que sofriam.
Em seu favor para criar tais confusões ele contava com um
eficiente aparato midiático. Ele conseguia transformar em verdade acreditada
pela multidão a mentira mais escabrosa, desde que ela fosse de seu interesse.
Assim ele conseguia influenciar a queda ou ascensão de governantes, a revolta
de populações inteiras, o apoio incondicional de nações que se suporia estarem
acima da sordidez das baixas manipulações. Ele fingia ser defensor da ética, da
honestidade, da honra, da verdade, da tradição, da cultura, na verdade era um
lunático movido pelos interesses mais vis.
Graças a todas essas características, ele era um homem
controvertido. Alguns o tinham como um herói, outros como um facínora. O herói
era aquele que procurava resguardar a identidade de seu povo. O facínora era
aquele que não hesitava em lançar mão de armas mortíferas para destruir
cidades, países inteiros, que acabavam destruídos, mas ajoelhados ao poder de
suas armas. E quando a submissão dos adversários não fosse pelas armas, ele
tinha como alcançá-la por outros meios. Agentes sob suas ordens infiltrados nos
povos e nações adversários eram capazes de tudo. De aprisionar, assassinar,
enlouquecer, difamar personalidades que lhe fossem contrárias, ou perpetrar ações terroristas, arruinar a
economia e tumultuar a ordem social e política. E promovia tais atos não só
contra adversários, mas também contra qualquer povo ou nação que pudesse ter
utilidade para levar adiante seus planos, fosse por seus recursos naturais,
posição estratégica, importância econômica ou política.
Seu desvario encontrava admiradores, imitadores e servis
lacaios recrutados em todo o planeta. Ele não se incomodava que jovens
idealistas ou maduros oportunistas abandonassem suas famílias, seus países e
fossem expor-se em confrontos mortais às vezes sem nem compreender bem a razão
de estarem lutando. Morrer pela pátria e, bem entendido, pelos seus insanos mas
dissimulados intentos, era a razão maior.
Mas eis que o inesperado acontece. Nosso personagem, o
que deveria ser considerado o terrorista mais procurado do mundo, morreu. Não
de morte violenta, uma explosão ou uma rajada, como seria de se esperar. Morreu
de morte morrida. Um fulminante ataque cardíaco quando num anoitecer, à mesa de
trabalho, ele manejava a arma que era a segunda que sabia manejar melhor: a
caneta. A primeira era a língua.
Na manhã seguinte as notícias do mundo inteiro
anunciavam: morreu do coração o homem que comandava a mais poderosa e
beligerante potência do mundo.
Qualquer comparação com o Brasil não é ficção.
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