Já
vivemos na Terra momentos de desbragada intolerância, esta muitas vezes a
serviço de cruéis autoritarismos. Lembremo-nos da inquisição que queimava seus
opositores na idade média, as limpezas étnicas na Europa nazista e em países
como a África do Sul, Nigéria, Ruanda e ex-Iugoslávia, o macarthismo
anticomunista nos EUA, as guerras entre torcidas de futebol na Inglaterra e em
outros cantos do mundo, até no Brasil, e, nos dias atuais, os fundamentalismos
que segregam gênero, crença, nação, que só fazem alastrar-se.
E
muitos outros tristes exemplos em que ignorância e instintos de violência fazem
sucumbir a razão e a compreensão. Sem dúvida, situações cuja explicação está no
campo da psicologia e da sociologia. Embora nos denominemos seres racionais e sociais,
ainda resta muito em nós, humanos, de inconscientes instintos animais que nos
fazem agressivos defensores de um território que pode ser desde o espaço físico
da moradia, do trabalho, do bairro, cidade ou país até o território imaterial
no campo das ideias, convicções ou o time de futebol preferido.
A
decisão do Reino Unido de retirar-se da União Europeia parece ser a mais
recente demonstração deste novo surto de intolerância que assola a humanidade.
A União Europeia surgiu do esforço de integração após a lição das duas grandes
guerras que destroçaram a Europa no Século XX. E não é de espantar que seja
justamente o Reino Unido, a outrora maior potência colonizadora e opressora do
planeta, o país a iniciar a desagregação desse imenso esforço de reconstrução e
concórdia. Mas é preciso reparar que o plebiscito que decidiu a saída do Reino
Unido foi decidido por maioria muito apertada. Os mais idosos votaram
maciçamente pela saída, levados sobretudo pela xenofobia. Contrariando a
vontade dos mais jovens, que votaram pela permanência do país na comunidade.
Jovens que se revoltam com o resultado, que parece lhes tolher a possibilidade
de ter mais liberdade de escolher onde trabalhar, onde viver, onde encontrar
amigos e cônjuges...
No
Brasil, o surto de intolerância também é bem visível, e não só nas tradicionais
guerras de torcidas. Não é por acaso que se produz no país um orquestrado
esforço de convencimento do cidadão comum do que é certo (o bem) e o que é
errado (o mal) e de cultivar a raiva, o ódio, àquilo que é rotulado como “o
mal”. Nunca antes presenciei tantas pessoas, sejam desconhecidos na rua, sejam colegas
de trabalho, sejam alunos, sejam amigos, sejam protagonistas de notícias, a
manifestar irracionais reações agressivas perante diferenças que divergem do
consenso implacavelmente construído pelo massacre midiático que vivemos no
país.
Este é
um ponto crítico, que deve nos fazer refletir. Ao longo da História, os agudos
surtos de intolerância sempre resultaram de manipulações de autoritários e
inescrupulosos poderes hegemônicos, que assim se faziam impor aos povos e
nações conquistados. É a aplicação da velha máxima “dividir para governar”,
cujos mestres maiores foram os britânicos, que a empregaram por séculos em suas
colônias pelo mundo.
Aqui no
Brasil também estamos sendo vítimas de uma perversa e modernizada estratégia de
divisão interna. Parece que ainda não acordamos para o fato que existe um astuto
e obstinado protagonista externo, que manipula mercenários aliados internos, e
que está bem feliz com sua eficácia em promover nossa ruína interna. E conta
com esse nosso embotamento de ideias e o crescimento de nossa intolerância para
prosperar e disseminar sua hegemonia sobre o planeta.