Publicado no Jornal da Manhã em 28/09/2024.
Os eventos recentes escancaram que já estamos vivendo as
consequências do aquecimento global e da emergência climática: enchentes
catastróficas, secas prolongadas, recordes de temperatura, incêndios... As
previsões são que os eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes
e agudos.
A água tem sido considerada a substância chave para o
Século XXI. Por isso é chamada “o ouro azul” do século. A distribuição da água
potável no planeta deverá sofrer profunda crise com as mudanças climáticas.
Atualmente, segundo a UNICEF (órgão da ONU para a infância), a escassez de água
já penaliza cruelmente a humanidade: 2,1 bilhões de pessoas sofrem de
insegurança hídrica, 4,5 bilhões não contam com serviços de saneamento seguros.
E esta atroz realidade só vai piorar.
No Brasil, parecemos não querer nos preocupar com a água.
Afinal, o país é o detentor dos maiores volumes de água doce do planeta. Mas a
despreocupação está dando origem à negligência, à ruína. Poluímos águas
superficiais, incendiamos a vegetação nativa e degradamos solos que são
essenciais no ciclo da água, causamos a depleção de aquíferos... Com os
incêndios na floresta, os “rios voadores”, que transportam umidade da Amazônia
para o Centro-Oeste, Sul e Sudeste do país, estão se transformando em torrentes
de fumaça e fuligem. Atenção: comprometer a capacidade da Amazônia de abastecer
os rios voadores que irrigam o Brasil causaria mais danos que um ataque nuclear
ao nosso país.
Com o agravamento da emergência climática, as águas
subterrâneas passam a ter importância estratégica crescente. Os aquíferos – as
unidades rochosas que acumulam água nos seus poros e vazios – fornecem água de
boa qualidade, em volumes que podem suprir as necessidades humanas por muito tempo.
A água subterrânea tem algumas vantagens: não depende das mudanças nas
precipitações; a água é de boa qualidade e em volumes apreciáveis; dispensa
tratamento prévio; os poços podem ser perfurados no local de uso, evitando
redes de distribuição. Mas a água subterrânea também tem suas vulnerabilidades:
se poluídos, os aquíferos tornam-se praticamente irrecuperáveis. Assim, diante
da emergência climática, nunca foi tão importante cuidar da proteção dos
aquíferos.
A cidade de Ponta Grossa no Paraná – um exemplo bem
oportuno – é abençoada com a existência de um generoso manancial subterrâneo em
seu subsolo: o Aquífero Furnas. Em estudos realizados em 2010, os poços
tubulares profundos que exploravam águas desse aquífero na cidade já tinham
possibilidade de produzir 30% da demanda. Decerto essa capacidade cresceu com a
perfuração de novos poços desde então; novos estudos têm que ser feitos.
A preservação da qualidade da água do Aquífero Furnas
depende de ação firme. É urgente um regramento municipal que regule o uso da
terra nas áreas de recarga do aquífero: na porção leste da cidade, onde aflora
o Arenito Furnas, é essencial a condição de proteção de manancial, que evite
qualquer atividade potencialmente poluente. Lá não é lugar para aterros
sanitários, uso de agrotóxicos, efluentes da indústria e da pecuária. O que
implica inclusive a remoção do lixo contido no encerrado Aterro Botuquara para
outro local. Ademais, a exploração pelos poços também tem de ser regulamentada,
para evitar a depleção e a poluição pela contaminação com águas impróprias,
provindas de unidades rochosas justapostas.
Enquanto, com o agravamento das crises na Ucrânia e no
Oriente Médio, a humanidade se preocupa com o risco de uma nova guerra mundial,
urge a atenção com a água, diante do incerto futuro climático. Sua escassez
pode ser igualmente devastadora.