domingo, 28 de setembro de 2025

O gérmen da criminalidade

 Publicado no Jornal da Manhã em 30/09/2025.

Os crimes, organizados em quadrilhas especializadas ou mesmo os ditos “crimes comuns”, parecem estar aumentando descontrolados, engolindo as instituições e os cidadãos. De quantos golpes e armadilhas precisamos escapar todo dia? Quanto o Governo gasta tentando desbaratar quadrilhas sofisticadas entranhadas no comércio, nas igrejas, no poder público? Com o auxílio das novas tecnologias, os crimes estão cada vez mais engenhosos e ousados: rouba-se dos aposentados, dos consumidores, dos internautas, dos correntistas, dos viajantes, dos distraídos...

Por que acontece este surto de criminalidade e logro? Estará a humanidade sob efeito de alguma energia maligna universal, de fonte desconhecida? Por algum motivo os preceitos éticos estão falhando, e deixando escapar impulsos primitivos que conduzem à desfaçatez, à violência, ao ódio, à ambição e ao crime. O contrato social já não está funcionando. Há transgressores demais, a sociedade não dá conta de controlar a crescente criminalidade.

Qual seria esse motivo que está subvertendo a moral e esgarçando o tecido social? É frequente escutarmos: “tem a ver com a educação”. De fato, a educação formal parece estar regredindo. O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025 aponta que a proporção de estudantes com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa e Matemática caiu de 8,3% em 2013 para 7,7% em 2023. Só estas duas disciplinas não traduzem o que seja a formação de um cidadão, mas podemos refletir a partir delas. Vale lembrar que são estas disciplinas que têm sido privilegiadas nos sistemas educacionais neoliberais atuais, que priorizam a formação de um trabalhador acrítico, em detrimento de um cidadão crítico.

Os dados do Anuário são trágicos: até nas duas disciplinas enfatizadas pelo ensino neoliberal estamos regredindo! E as porcentagens de estudantes “adequados” são desastrosas. Estes dados confirmam aqueles divulgados em maio passado, de que só 35% dos adultos no Brasil são considerados alfabetizados plenos (dados do Indicador de Alfabetismo Funcional da UNICEF). Em resumo, na educação estamos retrocedendo.

Enquanto a educação no Brasil anda para trás, os cérebros brilhantes são exportados: não tivemos, nos últimos anos, programas sólidos de apoio à pesquisa científica, tanto nas áreas tecnológicas quanto nas humanas, estas incluindo a educação. Os cérebros brilhantes vão buscar colocação no exterior, onde programas consolidados garantem pesquisas consequentes.

Só a crise educacional, e o resultante afrouxamento da formação do cidadão, não explicam o surto de criminalidade. O que acontece hoje com a sociedade, a religião, a família, no desenvolvimento dos valores que distinguem o criminoso do homem de bem?

A sociedade vive a era do neoliberalismo, que pode ser assim sintetizado: dinheiro, individualismo, competitividade, lucro, amoralidade. Consequência: disseminação da pobreza, concentração da riqueza, crises sociais, injustiça, revolta e ... criminalidade. Ela significa desforra, sobrevivência, crença na impunidade. A religião e a família não resistem à pressão do bordão neoliberal: elas acabam repetindo e reforçando os mantras para vencer a qualquer custo.

Todos nós somos portadores de um lado sagrado e de outro diabólico. Estamos vivendo a era em que incentivamos o diabólico. Onde vai nos levar isso?

domingo, 14 de setembro de 2025

Pandemia de irracionalidade

 

Trata-se de uma doença que aflige todo o mundo, uma verdadeira pandemia. Parece que não há ninguém imune, ela contamina todos, com maior ou menor gravidade. É a disseminação do vírus da irracionalidade. Os sintomas são a incapacidade de discernir, a falta de concentração para poder refletir, a impulsividade que leva a um surto de intolerância, ódio e violência. Um verdadeiro distúrbio psicótico. O infectado torna-se um perigoso desmiolado.

O vírus parece ser universal, acomete todo tipo de gente: pobres, ricos, homens, mulheres, brancos, negros, evangélicos, católicos, heteros, homos, europeus, gringos, analfabetos, doutores, bandidos, juízes, psicopatas, seus filhos... Ninguém escapa. Parece existir uma correlação entre o local de moradia e a contaminação. Quem está mais exposto ao sol do Nordeste é menos vulnerável. Ainda se discute se é mesmo o sol ou algum outro motivo, como a fibra de caráter forjada na luta constante contra adversidades ambientais.

Há gente da saúde dizendo que o vírus é oportunista. Ele se aproveita da debilitação do hospedeiro contaminado, antes já enfraquecido por outros fatores. Há uma grande procura de quais sejam estes outros fatores, mas as opiniões são ainda muito contraditórias. Alguns dizem que está no DNA do infectado. Outros falam dos hábitos de higiene, até do número de idas ao sanitário a cada semana. Parece que a retenção de excrementos acabaria subindo à cabeça. Há quem diga ainda que tudo depende da educação do contaminado. Suposição pouco crível, pois vê-se muitos doutores da saúde e juízes togados acometidos com muito mais gravidade que gente muito simples. O que tem feito que se suspeite que a alimentação também influencie: quanto mais fartamente alimentado o cidadão, mais ele é vulnerável ao contágio e a sintomas mais agudos.

Médicos mais antigos, aqueles dos tempos do médico da família, dizem que se trata de uma doença dos tempos modernos. Não que não existisse antes, mas seus sintomas eram relativamente muito mais brandos, compensados por uma ética que preponderava. Perguntados, estes velhos clínicos afirmam que antes as cabeças das pessoas não eram tão conspurcadas por fatores predisponentes: Coca Cola, celular, fake news, Hollywood, Steve Bannon, inteligência artificial, mercado de capitais, depressão profunda, ansiolíticos... Esses velhos médicos dizem que os sintomas se agravaram porque a civilização atual é um caos ruidoso que atordoa o juízo das pessoas, que já não sabem o que seja justiça, liberdade, solidariedade.

Outros ainda lembram as experiências de Ivan Pavlov, do final do século XIX, que mostraram como, num cão, é possível condicionar uma reação orgânica e mental através da repetida associação de um estímulo com um fato, mesmo que depois de um tempo o fato deixe de existir; não é mais um fato, é uma farsa. Pavlov associou o som de uma sineta com a oferta de alimento para o cão. Depois dessas experiências, associou-se nazismo com vitória, judeus com bandidos, bomba atômica com justiça, EUA com democracia, comunista com comedor de criança, palestino com terrorista, consumo com felicidade...

O vírus da irracionalidade encontrou campo fértil para propagar-se.