terça-feira, 28 de dezembro de 2021

“Não olhe para cima” – um filme perturbador

Foi recentemente lançado na Netflix o filme “Não olhe para cima” (2021, direção de Adan McKay, com Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Strip e Cate Blanchett nos papéis principais). O filme é classificado como comédia, e realmente faz rir em muitos momentos. Aquele riso que nos escapa insubmisso quando nos damos conta de quão patéticos somos, nós os seres humanos, mesmo quando se trata de assuntos vitais, como o futuro do planeta e a sobrevivência da espécie.

O filme consegue a proeza de ser, então, uma comédia perturbadora. Ele nos segura incomodados muito tempo depois de vê-lo, fazendo-nos refletir sobre as insólitas verdades que nos escancara. Comédia realista satírica talvez fosse uma classificação mais fiel, se ela existisse. Trata-se de dois astrônomos, interpretados por DiCaprio e Jennifer Lawrence, que descobrem, seis meses antes do impacto, um apocalíptico cometa a caminho da Terra. E as peripécias dos dois lidando com sua descoberta, tentando alertar a humanidade para a inevitável catástrofe e a destruição total, e colhendo, em resposta, as atitudes desencontradas dos governantes, da grande mídia, dos mercadores de tecnologia, da população em geral...

É impossível não comparar a trama do filme com a realidade que vivemos hoje, o incrédulo comportamento da humanidade frente às evidências de agudas crises ambientais, econômicas e sociais: aquecimento global, mudanças climáticas, extinção de espécies, pandemia, poluição da água e do ar, bancarrotas financeiras, concentração de renda, exclusão social, negacionismo, intolerâncias, fanatismos, criminalidade... O filme tem a vantagem de poder reduzir o intervalo de tempo, seis meses, até que a hesitação e a negligência humana possam, eventualmente, conduzir a um desfecho terminal. A realidade é diferente, as crises verídicas são mais insidiosas, disfarçam e diluem na lentidão seus efeitos devastadores.

Este é um daqueles filmes que, por outro lado, ainda nos dão esperança de que a humanidade possa encontrar um caminho de salvação. Afinal, Hollywood é, no geral, uma monstruosa fábrica de ilusões, que visa manter a humanidade submissa à fantasia que tudo vai bem com a desordem mundial atual, que os EUA são o exemplo de sucesso a ser seguido pelo resto do mundo, o país do glamour, da abundância, da liberdade, da justiça e dos direitos humanos. “Não olhe para cima” nos revela que o cinema continua cumprindo seu papel de sétima arte, e como tal é capaz de ir além da fantasia, do logro e do entretenimento. Ainda nos comove e faz-nos refletir sobre a crua realidade.

O título “Não olhe para cima” (no original em inglês “Don’t look up”) não poderia ser mais oportuno. Olhar para cima, no filme, seria olhar para o céu e ver o cometa aproximando-se da Terra. Seria dignar-se a levantar os olhos para enxergar a realidade, o que grande parte da população nega-se a fazer, por motivos diversos: interesses políticos e econômicos, medo, misticismo, ignorância, negacionismo...

Um filme imperdível. Não deixem de olhar para ele. Será um olhar para um retrato cinematográfico da realidade.

 

2 comentários:

  1. É isso Mario Sérgio. Talvez por causa das imbecilidades que ouvimos constantemente dos que não acreditam na Ciência, a primeira coisa que percebemos nesse filme é a idéia do negacionismo. Chega a ser cruel e insano.

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  2. no filme, identifiquei o bozo, o filho dele (literalmente), o olavo de carvalho ... como assisti ao filme de uma forma distraída, e sonolenta, vou revê-lo, e talvez identifique mais alguns ...
    no Netflix, tem também uma série japonesa, O Japão Submerso, que trata de geotectônica, com efeitos devastadores no Japão, num prazo bem curto para a história poder ser contada. A série conta com 10 episódios.

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