domingo, 30 de junho de 2024

O que há de errado nas finanças do Governo

 Publicado no Jornal da Manhã em 02/07/2024.

Outro dia vi, no espaço destinado ao leitor de jornal de Ponta Grossa, o artigo “Há algo de muito errado nas finanças do Governo”, de autoria de renomado jurista brasileiro. No artigo, os erros são diagnosticados pelo tamanho da dívida pública, pela falta de confiança do empresariado brasileiro, pela alta do dólar e queda da bolsa, e até pela malograda importação de arroz para fazer frente à tragédia no Rio Grande do Sul.

Não sou nem renomado jurista, nem analista financeiro, mas sinto-me obrigado a manifestar minha opinião sobre o tema. Primeiro, o tamanho da dívida não é nenhum absurdo. Todos os países trabalham com dívidas. Os EUA, país imperialista idolatrado pelos financistas brasileiros, têm dívida proporcional ao PIB muito maior que o Brasil. Segundo, interessa aos rentistas e especuladores uma dívida alta, pois eles são os credores dessa dívida, e recebem – sem pagar impostos – um dos maiores juros do planeta. Estes juros altos, estabelecidos pelo preposto dos rentistas na presidência do Banco Central, são os maiores responsáveis pela dívida pública do País. E, como dizem economistas fidedignos, gasto governamental com infraestrutura, que aumenta a dívida, não é gasto, é investimento. Que gera empregos, distribuição de renda, aumento da arrecadação, bem-estar social e prosperidade da Nação.

A alegada falta de confiança do empresariado brasileiro, anunciada em nota de repúdio divulgada na imprensa, merece questionamento. A elite do empresariado brasileiro merece confiança? Não há analistas que dizem que é uma elite ainda ressentida por não ter sido indenizada pela abolição da escravatura, e ainda enxerga o trabalhador como mão de obra a ser explorada e tratada como coisa? A elite tem dado várias demonstrações de que não pensa no País, mas pensa em seus lucros. É assim na sabotagem econômica dos governos, na participação em privatizações vergonhosas, nas operações destinadas a manipular o dólar e a bolsa, na sempre presente maciça campanha contra os governos socialistas, e não neoliberais, na sonegação de impostos.

A alta do dólar e a queda da bolsa são resultado de ataques desse ser impessoal, nervoso e idiossincrático, que é o mercado. Manipulado pelas especulações das elites econômicas. O mercado responde ao deus lucro, e não a princípios e ética humanizadas. O mercado é um deus antropófago, que devora seres humanos para gerar riqueza cada vez mais concentrada, nas mãos de poucos já locupletados tiranos.

A malograda importação de arroz parece ter sido mesmo um erro. Prontamente corrigido pelo Governo. Ele também comete erros! Como todo Governo, como todo ser humano. Errar é humano. A reação ao erro é que faz a diferença. Os rentistas, os críticos do Governo socialista – este empenhado em diminuir o abismo econômico da sociedade – vêm errando há muito tempo, e não aprendem: só fazem recrudescer o erro. E assim desencadeiam as muitas crises que vivemos hoje: sociais, econômicas, ambientais, éticas, religiosas, sanitárias, de segurança...

O que há de errado nas finanças do País é a elite econômica atrasada, que não abre mão de seus ganhos escorchantes. E usa seu porta-voz – a grande mídia – para lograr a população. Passos para a solução são a diminuição dos juros (taxa Selic), taxação dos juros da dívida, imposto de renda progressivo para os mais ricos, taxação de fortunas e heranças, investimento em infraestrutura, criação de empregos e distribuição de renda.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

O espelho da ignorância humana

 Publicado no Jornal da Manhã em 14/06/2024.

Vi esta expressão num disseminado vídeo desse veneno remédio que é o advento das mídias sociais. O “espelho da ignorância humana” referia-se à boçalidade, ao ultradireitismo e neonazismo, que parecem estar tomando conta do planeta. Marcas desse desvario da humanidade são muitas: as ondas de refugiados pelo mundo; as hipocrisias que cercam a guerra na Ucrânia e o genocídio na Palestina; os desastres que não são naturais, como o do Rio Grande do Sul, pois resultam da insanidade do aquecimento global provocado pelo homem; o empenho bélico e econômico de dominação hegemônica do planeta...

A mais tradicional revista alemã, o Der Spiegel, em edição de maio passado, estampa na capa a bandeira do país europeu marcada pela suástica nazista, e faz a inevitável pergunta: “Não aprendeu nada?”. Toda a Europa está de novo sofrendo um surto de barbárie e totalitarismo, o mesmo que a assolou na primeira metade do Século XX. E não é só a Europa que se desumaniza. Não aprendemos nada?

Outro dia, enquanto fazia uma compra num modesto comércio da cidade de Ponta Grossa, deparei-me com três homens, um deles sócio proprietário do local, o outro um freguês idoso, abonado, raivoso e desocupado, o terceiro um peão muito humilde. Conversavam quase aos berros, desqualificando e crucificando o governo atual e seus representantes. Seus supostos argumentos vinham dos intestinos das desinformações que infectam as mídias sociais. Compartilhavam e reforçavam ignorância.

Decerto o governo atual e seus membros têm coisas criticáveis, tal como qualquer ser humano e qualquer governo as tem. Mas o que traduziam as bravatas daqueles homens ruidosos? Veio-me a expressão: “O espelho da ignorância humana”. Só consegui dizer a eles que eu acredito e dou apoio a esse governo que eles criticavam. Porque é um governo que representa a solidariedade, o esforço de ser mais justo com a distribuição das riquezas e com as oportunidades oferecidas. Prioridades deste mundo atual, com oito bilhões de almas, doutrinadas dia e noite para o consumismo, a ignorância, a competição, a supremacia, a intolerância...

Disseram então que “eles” – os governantes odiados que eles crucificavam – estavam querendo nivelar por baixo; a pobreza compartilhada. Mas mudaram um pouco o tom das críticas, elas passaram a ser mais genéricas, impessoais, não nominais. Pareciam reconhecer, no íntimo, que seus argumentos e acusações eram caluniosos e vergonhosos. Senti que esperavam que eu me retirasse para incluir-me em suas críticas viscerais, não racionais. Na hora não tive a presença de espírito de dizer-lhes que, se a riqueza produzida no mundo fosse fraternalmente compartilhada, não haveria miséria, nem sofrimento. Todos teriam bem-estar, dignidade e segurança.

A ignorância está sendo prosperamente cultivada entre nós. É preciso acordar desse mórbido transe coletivo, desse pesadelo que acomete a humanidade. É preciso recuperar o que existe de humano em nós.

Discernimento e solidariedade são qualidades que distinguiram o Homo sapiens das demais espécies, fizeram-nos prosperar. Parece que estamos perdendo essas qualidades para a desinformação e a doutrinação.

Será que, ao contrário de evoluirmos, voltaremos a nos equiparar aos nossos ancestrais selvagens?

domingo, 2 de junho de 2024

Privatização – o duplo dilema da educação

 Publicado no Jornal da Manhã em 04/06/2024.

O reacionário governo do Paraná – um Estado reacionário – está tentando iniciar um processo de privatização do ensino público, por meio da terceirização da gestão das escolas da rede. Uma iniciativa polêmica, que ainda deverá passar pela Assembleia Legislativa do Estado, e provar que não é inconstitucional.

Um país lúcido e soberano jamais privatizaria setores estratégicos: saúde, energia, comunicações, abastecimento e saneamento, transportes coletivos, pesquisa científica... Esses setores enfrentam agudo dilema: por um lado, o benefício público, coletivo, visando o bem-estar de toda a população; por outro, o interesse privado, a ânsia de lucro rápido e desmesurado, que concentra riqueza e dissemina pobreza.

Mas para a educação, o dilema é duplo. Em primeiro lugar, transformar o ensino em um negócio rentável é um atrativo irresistível para os mercadores das premências humanas. A humanidade carece da educação para evoluir. Atualmente, pode-se dizer que a humanidade precisa da educação para sobreviver aos demônios que ela mesma cria: a incúria com a natureza que é o suporte da vida no planeta; os desproporcionais arsenais de armas de destruição em massa; os crescentes conflitos sociais; o mau uso de sofisticadas tecnologias utilizadas para a desinformação, a disseminação de intolerâncias e do ódio, a doutrinação e a manipulação.

Entre nós, o renomado antropólogo e sociólogo Darcy Ribeiro já afirmou que “a crise da educação no Brasil não é crise; é projeto”. Esse malicioso projeto tem finalidade dupla: mercantilizar a educação e moldar o educando para a conveniência do mercador. Chegamos então ao segundo dilema da educação: qual a finalidade do ensino mercantilizado? É a emancipação e soberania da população e do país?  A lucidez, a prosperidade, a solidariedade, a esperança, a coragem? Ou, ao contrário, é a disseminação da descrença, da alienação, da brutalização, a omissão em relação aos temas primordiais para formação de uma sociedade mais inclusiva, justa, esclarecida, participativa e aguerrida?

Militarização, plataformização – sinônimo de engessamento da consciência –, privatização, são todos passos no sentido de transformar a educação, além de um negócio lucrativo, num instrumento da dominação de um povo. Já foi dito por analistas internacionais que o Brasil, junto com EUA, Rússia, China e Índia, é um dos cinco países credenciados para serem grandes potências mundiais, pela sua extensão territorial, abundância de recursos naturais, tamanho da população, infraestrutura instalada e valor da produção. Por esse motivo torna-se imperativo sabotar a educação no Brasil, e frustrar o propósito de construir uma nação forte e justa.

Falta-nos a educação, para deixarmos de ser um povo acostumado ao histórico papel de colônia explorada, fornecedora de matérias primas baratas e importadora de bens industrializados com alto valor agregado. Na colônia explorada, o escravagismo perpetua-se na concepção de que o povo é a classe de trabalhadores que deve ser mantida na ignorância, na submissão aos prepostos de interesses internacionais que se empenham na continuação dos impérios hegemônicos.

Se o Brasil deseja tornar-se a grande nação para a qual está credenciado a ser, a educação precisa ser pública, gratuita e de qualidade.