sexta-feira, 14 de junho de 2024

O espelho da ignorância humana

 Publicado no Jornal da Manhã em 14/06/2024.

Vi esta expressão num disseminado vídeo desse veneno remédio que é o advento das mídias sociais. O “espelho da ignorância humana” referia-se à boçalidade, ao ultradireitismo e neonazismo, que parecem estar tomando conta do planeta. Marcas desse desvario da humanidade são muitas: as ondas de refugiados pelo mundo; as hipocrisias que cercam a guerra na Ucrânia e o genocídio na Palestina; os desastres que não são naturais, como o do Rio Grande do Sul, pois resultam da insanidade do aquecimento global provocado pelo homem; o empenho bélico e econômico de dominação hegemônica do planeta...

A mais tradicional revista alemã, o Der Spiegel, em edição de maio passado, estampa na capa a bandeira do país europeu marcada pela suástica nazista, e faz a inevitável pergunta: “Não aprendeu nada?”. Toda a Europa está de novo sofrendo um surto de barbárie e totalitarismo, o mesmo que a assolou na primeira metade do Século XX. E não é só a Europa que se desumaniza. Não aprendemos nada?

Outro dia, enquanto fazia uma compra num modesto comércio da cidade de Ponta Grossa, deparei-me com três homens, um deles sócio proprietário do local, o outro um freguês idoso, abonado, raivoso e desocupado, o terceiro um peão muito humilde. Conversavam quase aos berros, desqualificando e crucificando o governo atual e seus representantes. Seus supostos argumentos vinham dos intestinos das desinformações que infectam as mídias sociais. Compartilhavam e reforçavam ignorância.

Decerto o governo atual e seus membros têm coisas criticáveis, tal como qualquer ser humano e qualquer governo as tem. Mas o que traduziam as bravatas daqueles homens ruidosos? Veio-me a expressão: “O espelho da ignorância humana”. Só consegui dizer a eles que eu acredito e dou apoio a esse governo que eles criticavam. Porque é um governo que representa a solidariedade, o esforço de ser mais justo com a distribuição das riquezas e com as oportunidades oferecidas. Prioridades deste mundo atual, com oito bilhões de almas, doutrinadas dia e noite para o consumismo, a ignorância, a competição, a supremacia, a intolerância...

Disseram então que “eles” – os governantes odiados que eles crucificavam – estavam querendo nivelar por baixo; a pobreza compartilhada. Mas mudaram um pouco o tom das críticas, elas passaram a ser mais genéricas, impessoais, não nominais. Pareciam reconhecer, no íntimo, que seus argumentos e acusações eram caluniosos e vergonhosos. Senti que esperavam que eu me retirasse para incluir-me em suas críticas viscerais, não racionais. Na hora não tive a presença de espírito de dizer-lhes que, se a riqueza produzida no mundo fosse fraternalmente compartilhada, não haveria miséria, nem sofrimento. Todos teriam bem-estar, dignidade e segurança.

A ignorância está sendo prosperamente cultivada entre nós. É preciso acordar desse mórbido transe coletivo, desse pesadelo que acomete a humanidade. É preciso recuperar o que existe de humano em nós.

Discernimento e solidariedade são qualidades que distinguiram o Homo sapiens das demais espécies, fizeram-nos prosperar. Parece que estamos perdendo essas qualidades para a desinformação e a doutrinação.

Será que, ao contrário de evoluirmos, voltaremos a nos equiparar aos nossos ancestrais selvagens?

6 comentários:

  1. Maria Adélia A. De Souza14 de junho de 2024 às 07:13

    Beleza de artigo! Obrigada! Abraço.

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  2. Respondendo sua pergunta: acho que, infelizmente, é uma característica do ser humano. Não esquecemos as Cruzadas, não esquecemos o nazismo, o fascismo e tampouco as invasões nas Américas que dizimaram civilizações inteiras. Ou será que não houve transmissão de experiências e conhecimentos?

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  3. Infelizmente estamos vivendo dias sombrios, em que impera a ignorância, alinhada à violência.

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  4. A discussão num comércio me fez lembrar de fato semelhante acontecido comigo. Estava no provador de uma costureira que faz reformas, provando uma peça para que ela marcasse a barra. Ela passou a comentar sobre a origem da enchente do RS com argumentos totalmente ridículos. Eu disse que não acreditava naquilo. Ela, endoidecida, espumando de raiva, me chamou de ignorante e disse que não faria a barra do meu vestido pois não trabalhava para a esquerda. Perdeu a cliente por ser fanática da extrema direita. Ganhou o quê?

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