O livro A segunda
guerra fria, do brasileiro radicado na Alemanha Luiz Alberto Moniz Bandeira
(falecido no dia 10 de novembro último), nos alerta sobre o uso recente de uma
estratégia milenar: iludir, dividir, para governar. Moniz Bandeira nos mostra
com uma incomparável riqueza de fontes que, desde a queda da União Soviética,
os candidatos a potência com total hegemonia do poder mundial (EUA) têm
repetido um mesmo expediente para alastrar seu domínio sobre países estratégicos
que tinham governos indesejáveis e/ou eram portadores de riquezas naturais
indispensáveis para a dominação do mundo: Geórgia (2003), Ucrânia (2004) e
Quirguistão (2005) na Ásia Central, a Primavera Árabe (2010-2012) que devastou
os países do Norte Africano e Oriente Médio. Essas regiões são de altíssima
relevância estratégica, por constituírem territórios com enormes reservas de
recursos energéticos e minerais, e pela posição geopolítica.
As táticas de desestabilização de governos legítimos mas
avessos à expansão estadunidense foram semelhantes: formação e financiamento de
grupos de ativistas radicais e ONGs de oposição, financiamento de campanha de
políticos oposicionistas, domínio da mídia e maciça campanha de desmoralização
institucional e governamental, financiamento de “guerras psicológicas” operadas
pela mídia visando desestabilizar governos e dividir a população dos países.
Essas táticas visaram derrubar governos sem a necessidade de dispendiosas
intervenções militares, como no caso do Afeganistão e do Iraque.
O livro de Moniz Bandeira foi concluído em 2013, e republicado
no Brasil em 2017. Ele não chega a abordar os golpes em Honduras (2009) e no
Paraguai (2012), que igualmente visaram substituir governos eleitos
nacionalistas por governos mais simpáticos aos interesses estadunidenses. E
muito menos aborda as transformações ocorridas no Brasil a partir de 2013.
Quais transformações ocorreram no Brasil? A partir de 2013
movimentos populares que inicialmente protestavam contra a má qualidade e alta
tarifa dos transportes urbanos nas metrópoles transformaram-se em protestos
contra a corrupção, o gigantismo e a inoperância do Estado e de suas empresas,
principalmente a Petrobras, e de grandes empreiteiras. A mídia produzia o massacre
midiático da demonização do Partido dos Trabalhadores e seus governos e
governantes, da pífia economia do país, da corrupção que estaria profundamente
enraizada em todo o modus operandi
nacional por culpa dos governos petistas. A presidenta eleita foi afastada
acusada de praticar atos administrativos utilizados por todos seus
antecessores, mas os congressistas que caçaram-lhe o mandato não tiveram
coragem de negar-lhe direitos políticos, pois tiveram vergonha de condenar
politicamente uma estadista com uma estatura ética muito superior à deles.
E no lugar da presidenta deposta assumiu seu vice. Que logo
se mostrou a pessoa certa para ocupar o papel esperado por quem patrocinou, do
exterior, o golpe sem guerra no Brasil. O “ajuste” das contas públicas está
sendo realizado pelo viés da limitação de investimentos em infraestrutura e
serviços básicos, reforma do ensino restringindo disciplinas reflexivas e críticas, modificações na legislação trabalhista em prejuízo do
trabalhador, reforma da previdência em prejuízo da aposentadoria do cidadão
comum, descapitalização da Petrobras e loteamento das imensas jazidas de
petróleo do pré-sal, privatização de serviços estratégicos de energia e
saneamento... Mas imprescindíveis ajustes na tributação dos rentistas e dos
mais ricos, nas privilegiadas aposentadorias de políticos, juristas, militares
e outros, nas leis que regulamentam as eleições e os políticos... estes estão fora
da pauta de discussões.
Ou seja, no Brasil não nos comportamos de forma diferente dos
outros países que, desde o início deste século, têm trocado governos
nacionalistas e legitimamente eleitos por governos que estão loteando as
riquezas nacionais e explorando seus trabalhadores. E, pior do que lotear as
riquezas, estão nos dividindo, quando conseguem transformar diferenças
ideológicas em motivo de violência e agressões. Devíamos estar mais atentos a quem são
nossos verdadeiros adversários, que merecem nossa indignação e nossa
condenação.
E, talvez ainda pior: como o povo de um país pode valorizar
conduta ética e responsável, se de seus dirigentes vem um exemplo tão carregado
de desmandos?
Está na hora de deixarmos de ser Homo erroris, e tornarmo-nos Homo
sapiens.
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