quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

A elite do atraso

Publicado no Diário dos Campos em 19/01/2018
A elite do atraso – da escravidão à Lava Jato é o título de livro de Jessé Souza, publicado em setembro de 2017. O autor é sociólogo, filósofo e psicanalista com doutorado em Heidelberg, e já publicou diversos livros analisando a situação do Brasil atual.
No A elite do atraso o autor destaca inicialmente o grande equívoco de se considerar os políticos (o Estado) e o povo como os responsáveis pela epidemia de corrupção no país. Para ele, se comparássemos os sistemas que regem o país ao tráfico de drogas, os políticos corruptos seriam o “aviãzinho” que fica com as migalhas, mas os verdadeiros donos de banca, que se escondem atrás dos políticos cuja eleição financiam, estão no mercado de capitais. São os oligopólios, os atravessadores financeiros, que compram a política, a justiça e a imprensa de modo a assaltar legalmente a população. É neste mercado que se decide a sorte do povo e a distribuição de riquezas no país.
Depois o autor analisa a constituição da sociedade brasileira, e suas raízes históricas. Enfatiza a influência dos séculos de escravatura e de divisão entre humanos e não humanos, estes os escravos, que por esse motivo devem ser explorados, odiados, martirizados. E quanto esse estigma marca ainda hoje a nossa sociedade, traduzindo-se não só no preconceito e na exclusão, mas no ódio que aqueles que se consideram filhos de Deus destilam em relação aos não filhos de Deus.
Nossa sociedade seria constituída por quatro classes: a elite proprietária, ou elite do dinheiro, a classe média, os trabalhadores qualificados e por fim os trabalhadores não qualificados, segundo o autor os novos escravos. A classe média seria a de constituição mais heterogênea, nela caberiam quatro subclasses: os protofascistas, os liberais, os expressivistas e os críticos.
Os protofacistas são aqueles que são incapazes de dialogar com pensamentos divergentes e de fazer autocrítica, e reagem com violência a tudo que é diferente. Os liberais são aqueles que acreditam que o mercado é capaz de reger bem a sociedade, e devemos satisfazer todas as demandas do mercado. Os expressivistas são aqueles que se dedicam ao meio ambiente e às minorias, e esquecem que os problemas são muito mais abrangentes. Os críticos, uma minoria dentro da classe média, seriam os capazes de dialogar com o diferente e aprender diante das situações.
Na parte final do livro o autor analisa o conluio entre a grande mídia e a Lava Jato. Esse capítulo é imperdível, todos deveriam lê-lo. Tentando sintetizar o que ele traz de melhor, Jessé Souza ali mostra o conluio entre os interesses da elite do atraso, os políticos, a grande mídia (Globo à frente) e a operação Lava Jato. Este conluio destina-se a aliciar boa parte das classes sociais visando demonizar os governos que procuraram diminuir a distância entre os humanos e os não humanos, e que procuraram dar certa autonomia política e econômica ao Brasil. E destina-se a destruir empresas brasileiras como Petrobras, Odebrecht, JBS e outras, algo impensável nos EUA. Lá eles resolvem seus problemas com acordos secretos que protegem suas empresas e sua economia, e não as destrói.
O capítulo final alerta também que não há golpe de estado na América Latina que não seja orquestrado pelos EUA. E que o Brasil, com as reservas de petróleo do pré-sal e a pretensão, com o BRICS, de construir um bloco concorrente com a hegemonia EUA-UE, esteve perto de emancipar-se do papel de colônia fornecedora de matérias primas. E este é o único papel que nos é reservado no arranjo mundial atual regido pelos EUA e UE.
Nesse capítulo Jessé ressalta que só os tolos não percebem que no Brasil o governo paga os juros mais altos do planeta por uma dívida pública imensa. E que cinquenta e três por cento dessa dívida é paga por pessoas que ganham até três salários mínimos, enquanto os ricos ou não pagam imposto, ou o sonegam em paraísos fiscais.

Mas a mais impressionante afirmação do autor, que deveria nos fazer muito refletir: a elite do atraso e seus conluiados com suas mentiras e fraudes estão imbecilizando o Brasil. A falta de informação plural e juízo autônomo estão nos imbecilizando. E não há perda maior para um país que perder sua capacidade de refletir e de aprender. Imbecilizar é muitíssimo pior que surrupiar quantias financeiras. Imbecilizar é impagável. É frustrar sonhos e esperanças. É matar a nossa jovem democracia.

3 comentários:

  1. Boa noite Sérgio,

    Muito triste , cada dia pior.
    Uma quadrilha matando as esperanças e muitas vidas , trazendo a fome o medo , o ódio . Muito triste.

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  2. Excelente resenha, comparo com um fino aperitivo para abrir o apetite para a leitura desse livro que está se tornando tão importante nesses dias que estamos vivendo.

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  3. Prezado Mário Sérgio:
    os problemas do Brasil, parece que já sabemos quais eles são. O problema maior, é a imbeciaização mesmo, que eu acho que é a mesma coisa da caixa de ressonância que se dizia anteriormente: lavagem cerebral (imbecilização) que a grande mídia fez e que infelizmente, continua surtindo efeito.
    Solução? nada a curto prazo.
    a médio prazo? solução nenhuma ...
    a longo prazo? bem, não estarei mesmo aí para ver que nada terá mudado ....

    grande abraço.

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