Risonho
Sensalva de repente viu-se, de novo, diante daquele portal luminoso e grandioso
que ele já sabia, era a porta do fim da vida (ver a crônica Juízo final postada em 13/07/2017).
─ Será que
agora morri de verdade? Ou de novo vou encontrar-me com aquele cara...
Nem acabou de
matutar, vê e ouve o mesmo homem vestido de executivo, o mesmo ipad de última
geração nas mãos, manejado com muita desenvoltura.
─ Olá Risonho,
como vai? É um prazer recebê-lo aqui de novo!
─ Olá
senhor... como é mesmo seu nome?
─ Rufinus
Mercadante, ao seu dispor. Como tem passado?
─ Bem! Tenho
passado bem... mas... agora morri de vez?
─ Não, ainda
não. De novo você está dormindo. Parece um sonho mas não é. Como já lhe disse,
a morte é certa, mas incerta é sua hora. Por enquanto, só estamos continuando
nossas pesquisas, em prol da eficácia dos trâmites do desenlace final, que não
sabemos quando vai ser. Antecipamos os dados, pra manter um serviço exemplar,
sem filas, nem esperas, nem confusões de última hora.
─ Mas então,
por que é que estou aqui desta vez? Daquela vez já não fizeram o levantamento
de minha vida?
─ Bem, estamos
iniciando o ano de 2018. Aliás, feliz ano novo pra você e todos os seus! E
neste ano, vamos ter eleições no Brasil, o país onde você vive.
─ Sim, sim. É
verdade. É um ano de eleição. E também de copa do mundo. Vai ser um ano
daqueles.
─ Nossa
administração decidiu pesquisar a inclinação eleitoral dos nossos clientes.
Parece que isto vai ser levado em conta na hora do parecer final sobre cada um,
junto com os outros dados que você já nos forneceu. Já sabe em quem vai votar?
─ Desculpe-me,
estive atrapalhado com os compromissos de fim de ano, fechamento do movimento,
rebuliço de Natal... Nem tenho pensado em política. Quem são mesmo os
candidatos?
─ Bem, são
vários. Os principais são quatro. Todos boa gente. De classe média ou que até
já superaram a classe média, já alcançaram os píncaros da existência ainda em
vida. Temos por exemplo o candidato que é governador do estado dito a
locomotiva do país. Um social democrata, mas que reconhece a importância do
mercado nos destinos da humanidade, e que zela por bem atender às demandas
precípuas do mercado: Estado mínimo, privatizações, ensino e saúde privados, sindicatos domados, leis
trabalhistas flexíveis...
─ Não, não...
Esse não. Sou trabalhador assalariado. Só vejo retrocesso nas condições de
trabalho. Não há mais reposição salarial. Férias e décimo terceiro estão
atrasados, nem sei se vamos receber. A justiça trabalhista, que antes estava do
lado do trabalhador, agora está do lado do patrão. E, embora não entenda bem
disto, um amigo me disse que os tais ditos sociais democratas estão loteando o
país, entregando empresas de energia e de petróleo, por exemplo, que custaram
muito esforço do povo pra serem construídas.
─ Bem, temos
outro candidato. É um religioso fervoroso. Das religiões que mais se disseminam
pelo país. Ele tem posições firmes, gosta de dizer de si mesmo que fala o que
pensa, não faz parte da farsa atual. É um disciplinador, com ele nada de vadiagem
nem de viadagem. Aborto nem pensar. E bandido bom é o bandido morto. Diz
que vai pôr o país nos trilhos. Que arruaceiro e ladrão não vão ter lugar no
seu governo. É porrete e cadeia neles. E pra ele arruaceiro é todo mundo que
não esteja trabalhado ordeiramente pelo bem do país.
─ Não sei não.
Tenho parentes e amigos que são gente muito boa, mas sofrida, e que pelo visto
seriam perseguidos por esse homem. Tem outros candidatos?
─ Tem, tem.
Tem a candidata que já foi ministra, e vem lá das florestas do norte do país.
Ela também é religiosa, mas nem tanto quanto o anterior. Ou pelo menos assim parece.
Ela é uma ambientalista. Foi ministra do meio ambiente, e cresceu vivendo
movimentos ambientalistas nas matas amazônicas. Espera-se que um governo dela
venha a ser um governo com ênfase no meio ambiente.
─ Olhe, confesso-lhe
que embora o mundo esteja muito necessitado de gente que se preocupe com o meio
ambiente, ando achando que temos uma emergência maior. Um incêndio pra ser
apagado. Que é a situação de vida do povo pobre. Às vezes tenho a impressão que
os tais ecologistas dizem preocupar-se com o meio ambiente pra desviar a atenção
do verdadeiro problema, que é a pobreza, a exploração do pobre pelo rico. Temos
alguma outra alternativa?
─ Temos, mas
esta é muito arriscada. Primeiro, porque nem sabemos se ele vai poder se
candidatar. Segundo porque se vier a se candidatar, e ganhar, não se sabe se
vai conseguir assumir e governar. Já foi presidente, andou fazendo coisas que
desgostaram muita gente. Ficaram tão furiosos com ele que querem vê-lo atrás
das grades.
─ O quê ele
andou fazendo?
─ Por um lado,
fez políticas pra ajudar os mais pobres. Aumentou os salários mais baixos, criou
programas de infraestrutura com muitos empregos, criou programas de
assistência, facilitou o ingresso de filhos de famílias pobres na universidade,
criou programas pra aquisição de casa e eletrodomésticos... E também fez um
governo pra fortalecer empresas brasileiras. E, talvez sua irreverência maior, juntou-se
com outros países do mundo parecidos com o Brasil pra tentar formar um bloco
econômico e político em contraposição ao bloco hegemônico que manda no planeta.
Por outro lado, seu governo é acusado de muita corrupção.
─ Ué? E algum
dia os governos no Brasil deixaram de ter corrupção?
─ É, mas neste
caso a corrupção foi alardeada pela mídia, que não queria o homem, nem sua
sucessora, como presidentes. E a mídia é poderosa. Já mostrou isso em outros
tempos. Getúlio e Jango, que já estão aqui conosco, que o digam...
─ Nesse caso
parece que fico sem opção...
─ Vou colocar
aqui que você ainda está indeciso. Não tem tanta pressa. Quem sabe mais adiante
ainda se decide? Vou anotar pra voltar a chamá-lo quando estivermos mais perto
da eleição.
E de novo
Risonho Sensalva acorda pela manhã em seu quarto de dormir, com aquela estranha
sensação de que algo se passara. Mas não conseguia lembrar o que fosse. E desta
vez, parecia que estava ainda mais confuso.
Achei ótima, muito inspiradora. Seria bom se as pesquisas para os candidatos a presidente fossem assim tão esclarecedoras.
ResponderExcluirSérgio
ResponderExcluirFeliz 2018 para vc e família.
Não sei não esse ano será 2016 parte III, com eleições.
Bjo a todos
É o "self service" que o "estado democrático" nos oferece para escolhermos "democraticamente"...como se vê, o cardápio é muito variado, você pode escolher entre: o demônio, lúcifer, satanás, capeta ou o diabo...
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