segunda-feira, 5 de março de 2018

Picho – desrespeito ou transgressão?

         Outro dia vi na web a imperdível entrevista de João Luiz Silva (Juca) Ferreira no programa Voz Ativa de Belo Horizonte. Uma frase marcante da entrevista: ─ “Cultura e arte não dividem entre direita e esquerda, dividem entre civilização e barbárie”.
Nessa entrevista discute-se, entre outros temas, se pichação é arte, já que o grafite sim é considerado arte, ele que tem semelhanças (e diferenças!) com o picho. Discussão polêmica. Na entrevista, na verdade também um debate, entre os entrevistadores/debatedores havia os defensores e os opositores do picho como arte. O próprio Juca Ferreira declara que é necessária uma negociação ainda não ocorrida entre os vários protagonistas da questão, pichador, pichado e o cidadão, uma vez que existem nítidos conflitos envolvidos.
Sem dúvida é uma questão delicada. Morador de São Paulo quatro décadas atrás, vi o picho pouco a pouco disseminar-se pela cidade, até transformar ruas de bairros inteiros, imputando-lhes um visual caótico, indecifrável, agressivo e degradante. As pichações agrediam o anteparo que preexistia e o senso estético. E agrediam-se entre si, competindo e devorando-se umas às outras. E parece-me que o mesmo fenômeno está a acontecer em Ponta Grossa atualmente.
Sem dúvida o picho tem alguns atributos muito singulares. Primeiro, é uma forma de expressão, possivelmente de quem tem dificuldades de encontrar outras formas de expressão. Segundo, é uma forma de transgressão. E, como diz uma respeitada e estimada amiga, ─ “Transgredir é preciso.” Sem uma saudável transgressão estagnaríamos na mesmice. Mas só transgredir não basta. Para evoluir é preciso também o diálogo, a empatia, que nos permitem discernir qual é a transgressão benéfica. Terceiro, o picho é também desrespeito. Estranha pelo seu hermetismo, degrada o que lá existia antes de ser pichado, às vezes um monumento, uma edificação histórica tombada, ou simplesmente uma parede que o proprietário zeloso acabou de pintar.
Aí surge o conflito não solucionado. Haverá solução? Ou será que o conflito, e as inevitáveis transformações que ele naturalmente gera, é preferível a uma solução, uma concertação?
Creio ser essa a ausência de entendimento a que Juca Ferreira se refere. Atrevo-me uma opinião a respeito, opinião de quem não é da área de arte nem comunicação. Constato que a ausência de entendimento, em todas as áreas, prospera no mundo atual em que atuam forças hegemônicas globalizadas que pressionam para uma uniformização de conceitos e expressões. Isto sufoca e gera consequente resistência, revolta, competição, desrespeito e agressão.
O que distingue a espécie humana das demais espécies é a suposta capacidade de refinada reflexão e comunicação. Mas parece que cada dia estamos exercitando menos esta capacidade. Não só no campo da expressão, como é o caso do picho. Mas também da cor da pele, do gênero, da classe social, do lugar de origem, do time de futebol, da ideologia, do partido político...
Quem é o intolerante e tirânico? Quem picha ou quem condena o picho?

2 comentários:

  1. Uma boa a pergunta sobre a intolerância e a tirania. Ambos estão errado pois um tá julgando o outro. E é aí que tudo começa.

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