Nos inalcançáveis firmamentos celestiais, o Mestre, circunspecto,
inspecionava sua grande bola de cristal (ou seria uma nuvem de plasma
suavemente manipulada?). Do outro lado, Pedro, seu fiel imediato, verificava
painéis e planilhas luminosas que pareciam flutuar no ar. O Mestre pareceu
intrigado, e, como sempre, apelou para Pedro:
─ Pedro, o que está acontecendo lá naquela joia única no
universo, que reúne todas as improváveis condições para dar suporte à vida, a
Terra? No meu monitor aparece uma frequência vibratória indicativa de instabilidade...
─ De fato Mestre, a Terra vem passando por um período de desequilíbrio.
Um retrocesso civilizatório. Mas isso é normal, é assim que a humanidade
evolui, lembra-se? Aquela espécie experimental que colocamos por lá? Pois eles
no começo eram bandos errantes, depois agruparam-se e protegeram-se em
cavernas. Com o tempo, começaram a cultivar e ter reservas de alimentos para os
invernos ou secas mais rigorosos. Juntaram-se em cidades, desenvolveram
linguagens e meios de comunicação, aprenderam a transmitir conhecimentos.
Evoluíram muito, das cavernas hoje estão em cidades sofisticadas, têm
surpreendentes e compactos equipamentos e tecnologias de comunicação que
carregam no bolso...
─ Mas, com tanta evolução, por que você fala em
retrocesso?
─ Bem, eles evoluíram muito na tecnologia, mas ainda
pouco em ética, em sentimentos, em espiritualidade, em discernimento. São ainda
bastante parecidos com os primatas de onde vieram. Dentro deles ainda existe o
réptil, o primata ancestral, mas já desperta também o ser humano já quase
divino. O que está acontecendo nestes tempos ditos de retrocesso é que o réptil
e o primata primitivo estão sendo muito estimulados por tudo o que anda
acontecendo por lá. Agressividade, competitividade, truculência, desonestidade,
mentira têm sido muito mais valorizados que pacifismo, cooperação e urbanidade.
─ Como pode ser isto? Se já foram melhores, como é
possível regredirem?
─ A história do planeta, e da humanidade, tem sido uma
sucessão de progressos e retrocessos. Felizmente, no final das contas sempre o
progresso é maior que o retrocesso, e continuam evoluindo. Veja por exemplo o
caso do Brasil, lembra? Aquele país especial onde o Mestre colocou benesses
incomparáveis mas um povo recalcitrante que tinha ainda muito o que aprender?
─ Lembro, lembro, claro. É nossa esperança que aquela
mistura de índoles, de raças, de credos, de nacionalidades conduza aquele povo
a uma percepção da riqueza da diferença e da tolerância. O que anda se passando
por lá? Eles têm aprendido a respeitar-se e a compreender-se?
─ Então, as coisas por lá andam bem complicadas. Ainda
não conseguimos avaliar bem o que significam...
─ Como assim? Perdemos o controle?
─ Mestre, como sabes, nosso controle é relativo.
Procuramos influenciar para a evolução, mas sempre deixamos que eles decidam
seu destino. É o princípio do livre arbítrio que não podemos nunca transgredir.
─ E o que anda acontecendo por lá?
─ Pois depois de mais de vinte anos de um regime em que
os militares mandavam, a justiça não valia para quem pensava diferente deles, o
congresso não tinha liberdade de decisão, em que muitos crimes contra os
direitos humanos foram cometidos, a pressão da sociedade enfim resgatou um
regime democrático. Elaboraram uma nova constituição e viveram uma fase de
relativa liberdade que durou trinta anos. Mas não souberam superar a corrupção
e a sanha dos outros países, invejosos das muitas benesses que colocamos lá, e
que não vacilam em cooptar vassalos entreguistas dentro do próprio país. Os
políticos, juízes, dirigentes caíram em descrédito. Aí apareceu um novo líder
dizendo-se a salvação contra a corrupção e a insegurança. Exalta a violência
das armas e os torturadores, menospreza o meio ambiente, a educação, os
trabalhadores, as minorias. E o povo, confuso pela enxurrada de informações
mentirosas e amedrontado com a desfaçatez dos poderosos votou nele em massa. Um
fenômeno. Mas até agora não se sabe bem se ele é a solução dos problemas, ou se
é um fantoche manipulado pelos invejosos que querem saquear as riquezas do
país. Tanto seres humanos de índole violenta, que viram nesse fenômeno um
comparsa, como gente de bem e pacíficas mães de família votaram nele na sincera
esperança de uma mudança que signifique principalmente o resgate da honestidade
e segurança.
─ Mas isso é um anseio nobre e justo! Não é, Pedro?
─ Sim, parece que sim. Vamos ver. Mas é possível que
honestidade e segurança sejam ilusões, engodos que estão sendo imputados ao povo. Na
verdade, o fenômeno pode vir a ser o fantoche que vai entregar o país aos
interesses estrangeiros. Ele tem declarado que vai privatizar empresas
nacionais estratégicas. E demonstra incompreensão das causas ambientais, causas indígenas,
inserção social de imigrantes e minorias. Está no sentido contrário da
tolerância que pretendíamos. E tem uma ideia de educação que ultraja o que
pensam verdadeiros educadores. Confunde liberdade de pensamento, de expressão e debate com doutrinação. E acaba defendendo a censura, o cerceamento de ideias.
─ Mas Pedro, todos sabem que não damos asas a cobras. Será
que seria o caso de interferência do nosso Departamento de Inspirações Civilizatórias?
─ Já fizemos isso. Estão sendo enviadas as vibrações para
inspirar povo e dirigentes para que o enorme impulso para mudança seja no
sentido da solidariedade, nosso principal valor. E da inclusão social e
tolerância do diferente e também para a soberania do país frente à rapinagem
internacional. Mas, sabe como é. Na verdade depende deles. Nossa influência é
limitada. O livre arbítrio, a vontade deles, é mais forte do que o que podemos
influenciar.
─ Por isso detecto a instabilidade por lá no meu monitor
plasmático! Tomara que as inspirações que temos enviado surtam efeito. Tomara
que percebam que muita coisa que acontece por lá visa fazer o país regredir e
entregar suas riquezas para a cobiça internacional. E que isso divide e povo e
acende rancores e preconceitos. Tomara que aquele povo e seus dirigentes
despertem, percebam que têm tudo para ser um exemplo para o mundo.
─ É, mas primeiro têm que ser capazes de pensar com a
própria cabeça. Têm que deixar de ser deslumbrados e condicionados pelas fabulosas tecnologias
de comunicação e manipulação que inventaram e que estão fascinando-os...
Muito bom o seu texto, meu caro Mario. Como diria Aldir Blanc naquela canção do João Bosco: "A RAIVA E A FOME, É COISA DOS HOME". E esses homens ainda estão engatinhando em solidariedade e respeito ao próximo. Parabéns.
ResponderExcluirAbs. Carlos SA
Muito bom, tomara que o divino tenha paciência e não aperte o botão vermelho.
ResponderExcluirSérgio,
ResponderExcluirQuerido amigo.
Se Deus não pode intervir pelo.livre arbítrio voltaremos à idade média, pois algo implodiu dentro das pessoas , máscaras caíram os politipol são apenas o eco do povo..
Espero que benesses nós sejam enviadas.
Bjo
Mário, está inspirado. Deus não vai nos abandonar - e o nosso livre árbitro, menestrel da intolerância. Estamos mesmo a um passo da barbárie. Vamos nos segurar neste trem fantasma.
ResponderExcluirDemais, pai! Espero que a gente passe por essa fase e possamos continuar crescendo juntos!
ResponderExcluirLendo o texto lembrei do guia do mochileiro das galáxias rs. Do jeito que anda nosso país era melhor encontrar um E.T e dar o fora como na história. Muito boa a ficção, opa, acho que ta mais pra realismo. Abraço.
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