Trocando impressões com um amigo sobre como anda a Humanidade, inclusive
no Brasil, que parece estar tendo um surto de beligerância e imbecilidade, ele
respondeu:
─ “O Brasil não imbecilizou, mas os imbecis que sempre existiram saíram
do armário. Romperam a linha vermelha do pacto construído com muito sangue ao
longo da História em nome da civilidade mínima.”
Quanta verdade! Os imbecis só estavam contidos, a civilidade
preponderava. Civilidade é tudo aquilo que nos permite viver em sociedade. As
regras de mínima convivência respeitosa datam de mais ou menos dez mil anos, no
final da última era glacial, quando os seres humanos começaram a praticar a
agricultura, a ter sobras alimentares para enfrentar os períodos de escassez. Mas
que ao mesmo tempo eram o motivo de guerras e pilhagens. Foi quando começamos a
nos agrupar em cidades, surgiram os ofícios, as trocas. Era preciso ter regras
de convivência para que não déssemos asas aos instintos primitivos, que não
gostamos de reconhecer, mas que ainda são tão fortes em nós, equivalentes em
força à compaixão e à solidariedade que já distinguem o ser humano de outros
animais.
É para colocar limites na manifestação desta porção bestial,
herdada de nossos ancestrais primatas, que existem as leis, os princípios
éticos e religiosos que buscam reforçar aquilo que já alcançamos de humanos
frente às investidas do que ainda há de primitivo em nós. Todos temos estes
dois lados, o bestial e o civilizado. A preponderância de um ou outro oscila,
cada indivíduo ora se encontra mais bestial, ora mais civilizado. E o mesmo
acontece com os povos, e as civilizações.
A tendência a longo prazo sem dúvida é de evolução. Hoje
temos muito mais justiça, mais civilidade, que há dez mil anos atrás. Mesmo que
há cem anos atrás. Este surto de bestialidade atual no Brasil e no mundo, com a
ascensão de líderes ignorantes e beligerantes, mistificados por uma parcela
considerável da população igualmente bestializada, poderia ser encarado como um
desses momentos de preponderância do selvagem sobre o civilizado. Que, ao longo
da História, têm sido sucedidos por momentos de iluminação. A Humanidade
progride.
Há uma singularidade neste momento atual em que a
bestialidade resolveu sair do armário: nunca antes, ao longo das crises
civilizatórias da História, tínhamos tanto poder destrutivo como hoje. Temos
armas capazes de arrasar todo o planeta várias vezes. Temos possibilidade de
inviabilizar a vida mesmo sem usar armas, deteriorando o clima, o ar, a água,
os solos, os alimentos, a alma humana. A Humanidade dividida entre Eros amoroso
e Thanatos destrutivo revela-nos que somos como instáveis adolescentes, ainda
sem discernimento. A capacidade de destruição da vida e do planeta na mão de
uma civilização adolescente é um perigo.
Se não queremos colocar em risco o futuro da Humanidade e
do planeta, urge confrontarmos a bestialidade humana que saiu do armário. Talvez
essa saída do armário seja uma oportunidade de civilizar o obscurantismo
renitente na alma humana.
Como sempre, uma reflexão no tempo certo. O bolsonarismo está para a alma brasileira assim como os agrotóxicos indiscriminados estão para o meio ambiente.
ResponderExcluirTexto impecável, como sempre!
ResponderExcluirDe novo irretocável infelizmente.
ResponderExcluirMeu medo é ninguém consiga reverter esse quadro de bestialidade que vc tão bem descreveu.
Obrigado pelo texto, professor.
ResponderExcluirTomara que o pêndulo nos coloque em 20 anos num ciclo virtuoso.
ResponderExcluirMário Sergio,
ResponderExcluirli, depois de um bom tempo pouco frequentando as redes, recolhido que estava entre descanso necessário e muita leitura (e escrita) para continuar a compreender este mergulho na barbárie.
Muito boa reflexão, assino embaixo! E sou eu a agradecer, pois é gratificante ter sua companhia nessa caminhada de todos nós. Sou fã do Perrengas... rsrsrs
Na série de livros que estou escrevendo (o primeiro saiu em setembro), trato disto no quinto, que é dedicado a esmiuçar o que por enquanto sabemos a respeito da trajetória humana na Terra.
Há tempos que volta e meia me vem a lembrança dessa estrutura cerebral básica humana, de que li o primeiro artigo lá por volta de 1968, e sempre anoto que devo voltar a examinar o assunto algum dia. Você o trouxe à tona, obrigado.
Abraço fraterno,
Fabio